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Shanghai foi uma das surpresas da minha vida - surpresa pela forma em como a viagem surgiu mas, acima de tudo, pela cidade em si. Decidi ir à China por impulso, quando percebi que o Miguel teria de lá ir em trabalho; não me apetecia ficar sozinha em terras lusas e pensei: "porque não?". Todas as desculpas são boas para viajar, mas para ir à China todas as desculpas são óptimas, tendo em conta que não se arranjam muitas.
Nunca pensei fazer deste um destino turístico e nunca lá iria se não fosse por questões de trabalho (minhas ou de outros, como se percebeu!). No entanto dou à mão à palmatória e aqui me confesso: Shanghai pode e deve estar num roteiro turístico pela Ásia. Porque merece.
Tivemos pouco mais de um mês para tratar da viagem o que, no meio de tudo o que já havia para fazer, foi claramente precipitado e em cima do joelho. Só dois dias antes de partir é que fiz um semi-roteiro e fui-me adaptando in loco, consoante a meteorologia. Acho que vou deixar para outro post as dicas úteis da viagem - que, tendo em conta o destino, são muitas. Entre a obtenção de vistos, a entrada na China, conseguir ter internet e aceder às apps proibidas pela firewall... acho que tenho pano para mangas, num texto mais prático e que provavelmente só será útil para quem de facto quiser lá ir no futuro.
Eu ia com zero expectativas. O objetivo era acompanhar o Miguel na feira um dia e aproveitar os restantes para conhecer a cidade, quer sozinha, quer acompanhada, dependendo do tempo que o meu marido conseguisse dispensar do trabalho. Confesso que, interiormente, estava apreensiva: a minha faceta de loner praticamente desapareceu desde que o Miguel entrou na minha vida. São poucas as coisas que hoje em dia faço sem companhia e aprendi a gostar de partilhar com alguém os lugares, as experiências e as emoções - e tinha medo de já não saber usufruir da minha própria companhia como fazia dantes (algo que sinto muito quando a casa está vazia ou ele está entretido com algum dos seus hobbies). Mas aquilo que se provou é que este era um medo sem razão de ser - estar sozinha, não ter de mediar situações nem fazer cedências são coisas que ainda têm um sabor especial para mim. Acho, na verdade, que é aquilo que me é mais natural. E talvez por isso tenha sentido em Shanghai uma leveza que não sentia há muito, muito tempo. Afinal ainda sei ser eu. E isso talvez tenha tornado esta viagem ainda mais especial.
Shanghai é enorme (tem 25 milhões de habitantes, duas vezes e meia mais do que o nosso país) e é uma cidade quase "dilarecerada" pela água - há muitos rios, afluentes e pequenas cidades cheias de canais. A parte principal e mais central é dividida pelo rio Huangpu - de um lado temos Pudong, do outro o Bund. Nós ficamos hospedados em Pudong - que fica do lado mais litoral, mais conhecida por ser a parte dos arranha-céus, dedicada às áreas económicas e financeiras da cidade. No entanto diria que não é o ideal para quem está em turismo, uma vez que quase todos os locais de interesse estão do outro lado do rio, o que implica estar constantemente a arranjar forma de passar as margens de um lado para o outro. Há três formas de fazer a travessia: de ferry, de carro e pelo Bund Sightseeing Tunnel (uma espécie de teleférico interior, que atravessa um túnel que une os dois lados da cidade, e que em vez de ser um mero meio de transporte - que são normalmente chatos, aborrecidos e algo demorados - foi transformado numa atração turística... embora sem grande sentido). Fi-lo das três formas - de carro é mais rápido, de ferry é mais genuíno, de túnel é mais turístico (e caro).
Curiosamente, tudo o que tinha para fazer do "meu" lado da cidade, não fiz - o plano consistia basicamente em visitar o topo de um ou dois arranha-céus, que são as estrelas de Pudong. No entanto, os primeiros dois dias foram de tempestade, em que as nuvens eram tão baixas que nem se conseguia ver o topo dos edifícios - portanto estaria a pagar para ver nevoeiro em vez da vista. Para além do nublado destes dias, Shanghai nunca tem um céu limpo - está sempre pintada a cinzento, o "smog", devido à poluição. Diria que não são muitos os dias ideais para subir às torres - nós só apanhamos um e, por ser o dia mais limpo e sem risco de chuva, optamos por tentar aproveitar da melhor forma e visitar outras coisas.
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Pudong visto do The Bund (North)
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O Bund visto do lado de Pudong, à noite - uma das minhas vistas preferidas, pois desse lado as luzes tinham um tom amarelado e quente
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O centro de Pudong, com vários edifícios de escritórios, um museu do lado esquerdo e vários centros comercias espalhados pelo meio
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A Torre da Pérola, um dos ex-libris da cidade
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Pouco depois do pôr-do-sol, do lado de Pudong, uma das minhas vistas preferidas
No primeiro dia, apesar da tempestade, fiz o The Bund todo. Tenho a noção de que, apesar do sacrifício de andar sob chuva torrencial e um calor e humidade insuportáveis, tive acesso a um luxo incrível: Shanghai estava deserta. Não havia gente nas ruas - éramos meia dúzia de gatos pingados (literalmente) e eu achei que a cidade era assim, pacífica. Só nos dias seguintes, quando o sol espreitou e principalmente no feriado do Dragon Boat Festival, é que eu tive a noção da massa populacional de Shanghai. E que massa!
Nesse primeiro dia apanhei o ferry junto ao hotel (a travessia custa o equivalente a 25 cêntimos e eu não tinha trocos para pagar - e a polícia viu-me tão aflita a tentar configurar as aplicações para fazer o pagamento que me deixou passar à borla), percorri todo o terminal de cruzeiros, passei a ponte Waibaidu (a mais antiga ponte de aço da China) e fiz todo o The Bund até chegar à rua Nanjing. O lado popular do The Bund é o lado sul, onde "desagua" a rua que mencionei - é a maior rua de lojas de que tenho memória, com mais de 5km. Apesar de indubitavelmente bonita, esta vista rio está normalmente apinhada de gente (principalmente às 19h, hora em que ligam as luzes e projeções de todos os edifícios) - e talvez por isso eu tenha gostado mais do lado norte, por ter uma vista semelhante e ser um local muito mais sossegado, com sítios para nos sentarmos e absorvermos a energia de Shanghai. Foi um dia muito cansativo - cheguei ao hotel a parecer uma sem-abrigo, com os cabelos em pé, com a roupa manchada por causa da comida que deixei cair em cima de mim à hora de almoço, com a roupa ensopada até às cuecas - mas eu estava de coração cheio. Foi o meu primeiro contacto com as pessoas da cidade, com o estilo das lojas, com a comida... tudo. E eu estava verdadeiramente encantada e espantada - porque a verdade é que fui sem qualquer expectativa e adivinhava, só por aquele primeiro dia, que afinal ia levar a mala carregada de histórias giras para contar.
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Dentro do ferry
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Em North Bund, num dia em que as nuvens cobriam a maior parte das torres
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Na ponte Waibaidu
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À entrada da rua Nanjing, que fica mesmo em frente ao principal miradouro do The Bund
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De lá, a vista era esta: bonita mas encoberta... e neste caso com muito pouca gente
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Do lado oposto era esta a vista: uma rua gigante e muito pouca gente a atravessá-la
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Rua Nanjing
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Na Rua Nanjing pequenos comboios faziam a travessia pela rua. É um transporte cujo público-alvo são os mais pequenos, mas é uma boa oportunidade para quem tiver mais cansado das pernas, uma vez que são os únicos veículos que percorrem esta rua pedonal
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Há várias estátuas espalhadas pela rua Nanjing. Esta foi a que mais gostei.
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São muitas as ruas perpendiculares a Nanjing. Apesar de haver semáforos, a maioria delas tem polícias sinaleiros para facilitar a travessia. O que mais se vê são motas e bicicletas - todas meio desgovernadas, conferindo claramente um perigo para todos os peões mais distraídos
Mas se o primeiro dia tinha sido bom, o segundo foi o que me fez apaixonar pela cidade. Fui para um bairro residencial, meio labiríntico, chamado Tianzifang - e aí é que eu soube que estava no Oriente. Motas a bicicletas em permanente rota de colisão com os peões (e carros de uma forma geral), comércio de rua muito pouco virado para os turistas... uma maravilha! O interior do labirinto é claramente mais turístico mas, ainda assim, muito genuíno - poucas pessoas a falar inglês, edifícios baixos e em tijolo, muitas roupas típicas, comida de rua. Daí segui para outro bairro, Xintiandi, que já ostentava outro nível de vida - tudo mais polido, mais ocidental, já com uma traça mais moderna e lojas internacionais e de luxo - não me apaixonou. O caminho entre estes dois pontos foi muito giro, pois conseguimos imiscuir-nos naquilo que será uma Shanghai mais realista (embora, suspeito, ainda bastante cara e com um nível de vida acima da média). Passei por centros de massagens (eles têm uma pancada por "foot massages", sabiam?), por cabeleireiros, cuecas e boxers pendurados em estendais no meio da rua, supermercados e farmácias - vi, no fundo, a vida normal a acontecer.
Capturas de Tianzifang (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)
Fragmentos de Xintiandi (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)
Pelas ruas de Shanghai (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)
Tinha selecionado vários templos para ir, mas acabei por só visitar o Templo Taoísta Bayun, que ficava no encalço do caminho que tinha traçado para este dia - por acaso era o único não-budista (sendo que é também o maior em Shanghai, desta religião), o que acabou por calhar bem, mas a verdade é que me acrescentou muito pouco uma vez que as informações disponíveis em inglês são muitíssimo escassas. Gostava de ter feito uma visita guiada por lá ou ter tido mais tempo para me inteirar sobre a história daquele local e religião - mas tempo, nesta viagem, foi algo que não sobrou. A verdade é que entrei acanhada, com medo de estar a incumprir alguma regra que desconhecia; havia uma sala onde várias pessoas estavam numa espécie de cântico, com flautas transversais e murmúrios, mas mal me atrevi a espreitar, pois não sabia se era suposto ou respeitoso da minha parte. Senti-me perdida e sem contexto, o que fez com que a experiência não valesse muito a pena para mim, embora goste muito da vertente arquitetónica destes edifícios.
Templo Taoísta Bayun (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)
Daqui segui para o sítio mais confuso onde estive em Shanghai: o Yu Yuan Market. É a loucura das comidas de rua, das lojas de brinquedos e dos souvenirs de uma forma geral. E daqui parto para a maior reflexão que fiz sobre esta cidade e sobre o país em geral: aquilo que nós classificamos como "chinesices" - coisas baratas, fracas, sem qualidade e produzidas em massa - não é aquilo que de facto há na China. Deparei-me com esta realidade no primeiro dia, quando queria comprar uma capa de chuva e não sabia onde. Se estivesse em Portugal, sabia que o sítio a ir era a uma loja dos chineses. E ali? Por um lado são tudo lojas de chineses (porque são chinesas)... e por outro não há lojas de tralhas como há aqui. E eu achei este paradoxo incrível, do estilo: "vamos lá levar as tralhas todas para os outros países, mas nós aqui ficamos com o que é realmente bom". Aqueles souvenirs básicos das torres em prata/cobre, as bolinhas de neve, os pratinhos e até os típicos ímans... eram raros de se encontrar.
E este aparente contrassenso foi aquilo que me encantou na China e nos chineses. Eles são porcos - escarram na rua sem qualquer pudor, atiram coisas para o chão independentemente se alguém está ou não a ver - mas a cidade é das mais limpas que já conheci. Vivem num país comunista e supostamente com a economia controlada, mas aquilo que experienciei foi uma plena economia de mercado, com concorrência, diferenças nos preços e com marketing a trabalhar (algo que não senti na Rússia, em 2016, quando lá fui). É uma ditadura mas o medo e a coibição não se sente no ar - e não há, pelo menos em Shanghai, nenhum culto à imagem do líder (também nada parecido com o que vivi na antiga União Soviética). Eles estão espalhados por todo o globo, tornaram-se indispensáveis para todo o mundo... mas só deixam entrar quem querem, a dedo, num dos processos de imigração mais complicados e extensos que tive de fazer até hoje. Eles espalharam o "made in China" como uma pandemia, mas dentro de portas só vendem o que é deles. Eles são magros, mas a sua comida típica é repleta de fritos, hidratos e molhos doces (e também são muito gulosos - com uma pancada particular por palmieres). Os chineses não são simpáticos, nem sequer particularmente gentis - mas são eficazes, respondem ao que lhes é pedido e têm atos singelos de boa conduta. Parece-me ser um país de contrastes, de antíteses, de paradoxos - e isso fascinou-me.
Mas voltando àquilo que visitei: no Yu Yuan Market, na altura já com o Miguel, demos por nós a ser "raptados" por uma vendedora que nos levou até a um mercado nas redondezas (e catacumbas) do mercado principal. Não sei ao certo o nome nem o lugar, mas batizamo-lo carinhosamente como "A Fonte do AliExpress" - pois, aí sim, havia tralha. Todo o tipo de roupas, capas de telefone, crocs falsas, caixas para souvenirs, sacos, colares, molas de cabelo, botões, facas e utensílios de cozinha... you name it. É uma espécie de feira, mas fechada e apertada, com cubículos mínimos onde o objetivo é conseguir pôr o maior número de objetos numa "loja" de três metros quadrados. Vimos, literalmente, a embalarem as encomendas que tipicamente recebemos em casa através do AliExpress - daí o nome que lhe demos. Creio que mais do que um mercado para os locais, este é quase um sítio para retalhistas. Se estivesse sozinha tinha abortado imediatamente aquela missão - é uma das minhas regras de ouro não seguir estranhos para qualquer tipo de beco - mas como estava acompanhada decidimos ir. Não encontramos aquilo que queríamos e saímos de lá rapidinho, com medo de sermos vendidos aos pedaços. A verdade é que acabamos por lá voltar dois dias depois, no feriado nacional, altura em que havia por lá muito mais gente e acabou por ser uma experiência divertida.
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Um dos cantos do Yu Yuan Market
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Completamente ensopada depois de um dia que já ia longo. Aqui dentro do Yu Yuan Market, com um pequeno admirador chinês a olhar para mim - algo comum, uma vez que os mais novo não estão nada habituados a ver ocidentais
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Uma das vistas do Yu Yuan Market, naquilo que já será parte do jardim
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Numa das ruas exteriores do Yu Yuan Market
"A Fonte do Ali-Express" (clicar para a esquerda e para a direita para ver mais fotos)
O último dia completo em Shanghai acabou por ser aquele em que apanhámos melhor tempo e que conseguimos passar juntos, na totalidade. Com a meteorologia a ajudar e com os pontos principais já visitados (principalmente por mim), decidimos ir fazer uma tour privada a Zhujiajiao, uma cidade a cerca de 60 km do centro. Shanghai é composta por inúmeras cidades que estão rodeadas por canais, estilo Veneza, e mais do que tirar partido disso como um chamariz turistico, eles usufruem internamente - é lá que vão aos fins-de-semana e que passeiam ao ar livre, longe de grandes urbanizações ou do centro movimentado. A tour ocupou toda a manhã, incluiu transfer do hotel até à cidadezinha, entradas num templo (Yuanjin Temple), casa e jardins, almoço, um passeio incrível de barco pela ria e até gelados e bebidas - tudo isto acompanhados de uma guia, que foi das coisas que mais valor acrescentado trouxe à nossa viagem.
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Dentro de uma casa típica e rica de Zhujiajiao, com a estátua em forma de cavalo - um símbolo de sorte
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Os adornos de toda a espécie - pontes, escadas, pequenos recantos - eram normais nestas casas, uma vez que as mulheres e as crianças passavam praticamente toda as suas vidas dentro deste perímetro, sem grande liberdade. Tinham de existir, por isso, muitos hobbies e sítios para estar, de forma a irem-se entretendo
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Um jardim de bambu dentro do jardim
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Os lagos são um dos princípais componentes arquitetónicos das casas ricas na China. Estar à volta de rios (ou água) e montanhas era crucial para se sentirem protegidos
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Rodeada de desejos e pedidos
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Não sei se visitamos a cidade numa altura especial, mas muitas das gôndolas estavam adornadas com flores, principalmente hidrângeas
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O nosso gondoleiro
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À falta de Veneza, "gondolamos" em Zhujiajiao
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As vistas de um dos canais em Zhujiajiao
Isto porque os chineses não falam inglês - ou, se o fazem, são parcos em palavras. A grande maioria das interações que tive foram por gestos - eu apontava para a comida, eles apontavam para o valor na máquina de calcular...e os negócios faziam-se. No limite usava o tradutor para conseguir fazer-me entender quando o assunto não era passível de ser gesticulado. E desenganem-se: nem mesmo no hotel falavam inglês fluentemente. Nas lojas mais turísticas também não - só o básico. Por isso eu agarrei a oportunidade para falar com a Queen, a nossa guia, com unhas e dentes. Apesar de ter adorado a experiência de visitar Shanghai sozinha, senti falta de ter alguém com quem trocar impressões ou opiniões. Então tinha muitos pensamentos e dúvidas guardados em mim, oriundos daquele par de dias solitários, e decidi questionar a guia sobre tudo aquilo que tinha ficado por resolver na minha cabeça - desde coisas mundanas até às mais inusitadas (que me valeram até reprimendas do Miguel - foi só uma, na verdade, quando perguntei que tipos de carnes é que os chineses comiam... e quando sugeri se ratos não estariam no menu
). Quis perceber como era a vida, se saíam de casa dos pais cedo, se o custo de vida era elevado, se tinham livre acesso às escolas e universidades, como é que neste momento se posicionavam em relação aos filhos (depois de tantos anos com a política do filho único) e afins. Foi uma conversa muito interessante e enriquecedora. É difícil ter acesso a um chinês que esteja disponível e aberto para responder às nossas questões, por mais parvas que pareçam - não só pela barreira linguística mas também porque não são um povo dado ou disponível para grandes conversas.
Nós marcamos este tour através do Viator. Também foi nesta plataforma que marcamos o transfer que nos levou do aeroporto até ao hotel, quando chegamos. Nunca tínhamos utilizado mas ficamos clientes - e, na China, é sem dúvida um bom investimento. Não só porque os preços não são exorbitantes (principalmente tendo em conta tudo aquilo que oferecem), mas porque fazer viagens mais longas em táxi é terrível. Foi aquilo que menos gostamos lá. Os chineses conduzem, na sua generalidade, como uns loucos - mas os taxistas são, claramente, a pior espécie. Estão sempre à conquista de um segundo extra na viagem, como se estivessem permanentemente a ser perseguidos por uma polícia invisível. Os carros estão todos sujos, cheiram mal (na China fuma-se imenso e só há pouco tempo é que impuseram algumas regras, nomeadamente nos quartos de hotel, que proíbem o fumo em certos sítios), a comunicação é muito difícil (é preciso ter sempre o nome do hotel escrito em chinês e, de preferência, o táxi deve ser marcado por alguém que fale mandarim, para não haver dúvidas) e o sentimento de insegurança é generalizado. Perdi a conta à quantidade de acidentes que achei que íamos ter nos vários táxis que tivemos de apanhar - era viajar com o coração nas mãos. Marcando transfers a parte da comunicação - pelo menos o essencial, como os sítios de recolha e de poiso - fica automaticamente tratada e as condições são muito melhores; andamos sempre em vans, com autênticas poltronas atrás, em pele e com todas as comodidades (incluindo ar condicionado, que é coisa que eles não usam muito lá, apesar de fazer um calor dos ananáses).
Mas voltando à tour: todo aquele contexto que me faltou quando visitei o primeiro templo, aqui tive em barda. Foi óptimo! O povo chinês é cheio de superstições e tradições, atribuindo significados a tudo - penso que era algo a que ligavam mais no passado, mas ainda hoje mantêm alguns costumes e ideias. As portas têm um formato específico para atrair a sorte; normalmente há sempre uma trave no fundo das portas, não só por questões práticas como prevenir inundações, mas também para não entrarem maus espíritos; os anos do dragão e do touro são aqueles em que há mais natalidade, pois são aqueles em que os rebentos têm melhores características (eu sou do ano do porco, o que a Queen diz que também não é mau, "pois não tenho de fazer nada pela vida, é só comer a comida que me atiram"), e o ano do coelho é bom para nascerem meninas; têm quatro flores que significam as quatro estações do ano (a orquídea na primavera, a flôr de lotus no verão, o crisântemo no outono e o "plum" - creio que uma espécie de flôr de cerejeira - no inverno); têm uma série de símbolos que é conveniente ter em casa - nomeadamente os três homens sábios (Fu, Lu, Shou), que devem estar estrategicamente posicionados para trazerem sorte, prosperidade e longevidade à família que lá viva. São inúmeras as tradições e superstições que têm, todas elas giras e enriquecedoras, que nos permitem olhar para os edifícios e até para o povo de uma forma diferente.
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Pelas ruas de Zhujiajiao
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Zhujiajiao está repleto de pequenas pontes onde conseguimos ter vislumbres das casas "reais" chinesas
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Varandas, ar condicionados, roupas estendidas e muitas plantas - em tudo semelhantes a nós ;)
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Dentro do Yuanjin Temple, num dos vários locais de oferendas
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Os canais vistos de dentro do templo
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Happy girl!
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Dentro de outra das casas que visitamos. Os chineses são loucos por pedras e as suas formas, colocando-as a adornar espaços tanto interiores como exteriores (aqui, na margem do lago). As janelas sao muitas vezes redondas de forma a enquadrar a vista e torná-la ainda mais bonita
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Fu, Lu, Shou - os três homens sábios que trazem sorte, prosperidade e longevidade para dentro de uma casa. Comprei uns em ponto pequeno e foram o souvenir que trouxe para mim, de lá ![]()
No dia da viagem ainda deu para mostrar ao Miguel o bairro de Tianzifang e de passar na rua Fangbang, a parte mais antiga de Shanghai, que acaba por nos levar de novo ao mercado de Yu Yuan.
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O arco de Fangbang
O que ficou por visitar e fazer:
- Templos: Jing'an, Jade Budha (dizem ser o mais bonito), Confucio, Longhua Temple (que tem uma pagoda).;
- Visitar o Yu Yuan Garden, o maior e mais famoso de Shanghai, que fica no mesmo quarteirão do mercado;
- Subir a uma das torres em Pudong (a Oriental Pearl Tower, o Shanghai World Financial Center, a Jinmao Tower e a Shanghai Tower);
- Fazer um cruzeiro no rio Huangpu;
- Ir ao Fake Market e ao Outlet (Shanghai Village);
- Visitar outras pequenas cidades, como Qibao, Suzhou e Hangzhou.
Eu, no fundo, passei quatro dias inteiros na cidade - três deles em passeio. Diria que o essencial ficou visto, mas gostava de ter ido ao jardim Yu Yuan, subir a uma torre e visitar Suzhou (que dizem ser a Veneza Chinesa, por também ser rica em canais) e Hangzhou (que é supostamente uma das pequenas cidades mais bonitas ao redor de Shanghai). Tendo em conta que passei algum tempo a repetir locais para mostrar ao Miguel, diria que cinco dias bem batidos - daqueles em que se aterra diretamente na cama depois de muitas horas de passeio - chegam para ver a cidade e arredores. Seis dias é, talvez, o ideal para se poder vivenciar tudo com calma - e, já agora, para poder controlar um bocadinho o jet lag. Nunca na vida tinha feito uma viagem tão longa em tão curto espaço de tempo (saímos de Portugal numa sexta-feira e voltamos na sexta seguinte) - e uma maluquice destas é só mesmo para quem estiver com vontade e espírito, porque o corpo ressente-se (independentemente da idade). Acho que, viajando com tempo, o ideal é fazer uma paragenzinha no Dubai ou, depois da China, ir descansar uma semana para a Tailândia, que é literalmente ali ao lado (e os voos são baratos!).
Se eu voltava a repetir uma façanha destas em apenas uma semana? Voltava. Se valeu a pena? Valeu. Gostei muito! Vim com mais força e mais inspirada para trabalhar - e, na verdade, para viver a vida.
Sinto que falar bem da China está quase ao nível de falar bem da Rússia ou da Coreia do Norte - talvez seja o exemplo mais brando, em que as opiniões não são tão fortes, mas não diria que o Ocidente tem uma visão positiva dos chineses. E, acima de tudo, hoje apercebo-me mais do que nunca que estamos carregados de preconceitos. E por isso é que desde que cheguei que, quando demonstro o meu entusiasmo e a minha opinião, sinto que estou a ir contra a corrente e a dizer coisas que as pessoas não querem ouvir. Mas a verdade é uma: se criticamos a repressão nestes países, sendo nós (neste caso, eu) livre, posso expressar aquilo que senti e vivi. E a verdade é que foi um país onde me senti sempre segura (vá, tirando nos táxis) e onde tudo era ordenado, bem sinalizado e civilizado - com todas as atenuantes óbvias e por vezes desconfortáveis que existem por ser uma cultura muito diferente da nossa. Se eu acho correto estar a ser vigiada por vinte câmaras num poste de eletricidade a cada cruzamento onde passo? Se me perturba o controlo que há sobre tudo o que se visita na internet? Se me chateia a ideia de ser vigiada, física e virtualmente? Se pensar muito no assunto a fundo, sim. Mas, na realidade, é-me honestamente indiferente - porque tenho a plena consciência de que também acontece cá, mas de forma dissimulada. Mal por mal, prefiro que as instituições tenham os tomates para tomar as suas posições e que deixem de ser uns diabos em forma de anjo... até nisso gostei da China! Ao menos assumem o que são.
Por isso, fica a dica: podendo, visitem Shanghai, porque muito do que ouvimos em relação a este país é ruído - há muito por onde criticar, desde decisões políticas, económicas e ambientais. Mas o melhor é mesmo tirarem as vossas próprias conclusões tentando conhecer melhor a realidade de perto. Não tenho dúvida que, para mim, foi a surpresa do meu ano - e um rebuçado dado meio que à pressa mas que soube muito, muito bem.
Em breve trago outro post com dicas úteis e curiosidades.
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Num dia bem mais concorrido e de céu mais limpo, na parte mais concorrida do The Bund
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Na Torre do Memorial dos Heróis do Povo de Shanghai, que fica no início do The Bund South, após a ponte. É uma estrutura grande mas semelhante a tantas outras que celebram feitos bélicos
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Provavelmente uma das passadeiras mais movimentadas de Shanghai: a que liga a Rua Nanjing ao The Bund. Isto foi no feriado, dia em que aparentemente todos os chineses saíram à rua