Foi em grande parte por causa das ilhas gregas que escolhemos este cruzeiro. Na verdade, a ideia era já o termos feito: em 2020 tínhamos marcado, com a Celebrity Cruises, um cruzeiro com uma rota muito semelhante a esta, que iríamos fazer com os meus pais, mas que acabou por ser cancelado devido ao Covid. Dois anos depois decidimos apostar no mesmo cavalo - ainda que numa empresa diferente e numa viagem só a dois - e foi da maneira que tivemos uma experiência diferente.
A primeira de quatro paragens na Grécia seria Santorini - talvez a ilha com mais hype de todas. E eu, que não gosto de criar suspense, vou pôr já as cartas em cima da mesa: Santorini é uma ilha ao bom estilo das influencers de instagram. Porque vive da imagem e não do conteúdo; porque é bonita para a foto, mas fraca na vivência - e implica que se escolha bem o ângulo, para não vermos a realidade. Foi, para nós, a maior desilusão de toda a viagem.
O cais do porto de Santorini não é grande o suficiente para albergar um barco como o que viajamos, por isso o navio fica ao largo da ilha e as pessoas vão saindo em tranches, através de botes, para chegar até terra. Isto já não era novidade para mim - no cruzeiro anterior, quando parámos no Montenegro, já tinha acontecido o mesmo. A saída do navio é, por isso, mais demorada e complicada - mas muito pior é o que vem a seguir. Enquanto percorremos, de barquinho, as centenas de metros que nos separam de terra, vamos namorando aquela escarpa enorme, pintada de branco, que se estende à nossa frente. A questão é como chegar lá acima.
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A vista do navio para a ilha. Ligeiramente à esquerda pode ver-se o topo cheio de casas brancas - e, com zoom, percebem o caminho que pode ser feito na escarpa para chegar lá acima
Mal aportamos é difícil gerir o caos de pessoas que se forma num espaço tão pequeno. Mas rapidamente se percebe que para ir para o topo da ilha só há três soluções: ou se vai de teleférico, cuja fila de espera naquele momento rondava uma hora (para se ter uma noção, transporta cerca de 35 pessoas a cada 4 minutos - o nosso barco tinha 4 mil passageiros, por isso é só fazer a conta); ou se vai de burro, por uma escadaria íngreme; ou se sobe, a pé, através dessa mesma escadaria. Como queríamos aproveitar o tempo da melhor forma possível (e por isso não tencionávamos esperar na fila) e a subida de burro estava totalmente fora de questão, escolhemos a terceira opção. A penantes. E que mau que foi.
Primeiro porque é duro: tanto eu como o Miguel estamos em boa forma física, mas subir 600 degraus debaixo de mais de 30ºC, sem sombras e na hora de pico do calor, foi muito complicado. Segundo porque as condições da escadaria são más, tanto ao nível da infraestrutura (muito escorregadias) como de limpeza. O que nos leva ao terceiro ponto, porque é lógico que os pobres burros e cavalos defecam e urinam pelo caminho sendo que, com aquela temperatura, todos os cheiros ficam ainda mais intensos (outra coisa que não passa pela beleza do instagram), tornando-se nojento e intolerável passar em alguns locais com as narinas abertas. Já para não falar do quão degradante é ver aqueles animais a serem obrigados, de forma consecutiva, a subir e a descer aquela ravina - cansados, extenuados, a suarem do pêlo como se de gente escrava se tratasse. É degradante, triste e perigoso - até porque aqueles cascos gastos e maltratados, em conjunto com a pedra polida das escadas, faz com que os bichos escorreguem enquanto descem as escadas. Isto para além das vezes em que passam por nós desgovernados, obrigando toda a gente a desviar-se e encostar-se à parede se não se quer ser "passado a ferro". Evitei, sequer, olhar para eles - porque, honestamente, as lágrimas vinham-me aos olhos, e eu nada podia fazer a não ser boicotar aquele tipo de negócio, que devia mesmo ser proibído. Que se lixem as tradições: aqui em Portugal também achavam muita graça a pôr espetos em touros e agora vê-se cada vez menos este tipo de espetáculos. Era bom que as entidades competentes ganhassem tomates e acabassem com este tipo de negócios de uma vez por todas - e dotassem a ilha de serviços e estruturas competentes, não dependentes de animais, já que não estamos no século XIX.
E isto leva-me à primeira conclusão que tirei sobre esta ilha: Santorini não tem condições para receber barcos daquela dimensão. Não tem estrutura para escoar tanta gente. E, como cereja no topo do bolo... não tem razões para receber a quantidade de pessoas que recebe por ano. Se possui umas águas com um azul incrível? Sim. Se tem uma baía muito bonita que dá gosto apreciar? Também. Se reúne muito mais que isso? Não, de todo. Vale tanto como um photo stop numa qualquer cidade bonita: vale a pena a paragem para tirar a foto, mas depois segue-se viagem. Daí ser, para mim, a ilha instagram.
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Uma das primeiras imagens que se tem da ilha, e a mais triste: a exploração dos burros e dos cavalos para subir a escarpa
Aquela subida acabou por condicionar todo o tempo que passamos na ilha: serviu-me de muito pouco a boa forma física, porque como a grande maioria dos turistas, acabei a escadaria a parecer que estava em fase final de trabalho de parto, a respirar com dificuldade e a ver se conseguia um bocadinho de ar extra que me enchesse os pulmões, me baixasse o ritmo cardíaco e me fizesse parar de suar em bica. Não o sabia, mas entre o esforço e o sol em excesso, penso que apanhei uma insolação, que me deitou para a cama horas a fio no dia seguinte, como se um camião me tivesse passado por cima.
A verdade é que chegamos rabugentos e com a mente pouco aberta para a "pobreza" que encontramos lá em cima. O final da escadaria é uma espécie de marina de Vilamoura em forma de ruelas estreitas: lojas de souvenirs e roupas, cafés e restaurantes. Denominador comum? Os preços e pouca simpatia. Foi o sítio mais caro onde estivemos: ímans a cinco euros, coca-colas a sete (das pequenas!), roupas e joias que nem valia a pena espreitar a etiqueta. Se quisessem parar para ganhar fôlego junto a um montra, vinham logo perguntar se estavam interessados em algo - se a resposta fosse negativa, pediam rapidamente que desimpedissem o caminho a outros que fossem potenciais compradores. Horrível.
Em todos os guias turísticos a cidade de Oia é a que tem mais destaque - mais do que a cidade, o seu pôr-do-sol (mais uma vez, tudo para o instagram). Mas de Fira, onde aportamos - que se situa mais ao menos a meio da ilha - até Oia, que fica no extremo, ainda é meia hora de carro - e as irrigações dos transportes públicos são muito fracas em Santorini. E se há coisa que é sagrada, num cruzeiro, são as horas: não pode haver derrapagens, sobressaltos ou problemas. Todos os (potenciais) problemas, atrasos ou sustos têm de ser antecipados; as coisas têm de ser obrigatoriamente feitas com tempo e temos de dar margem para que algo possa correr mal - e, ainda assim, chegarmos a tempo do "all aboard". Havia gente nos grupos de facebook do cruzeiro a ponderar ver o pôr-do-sol em Oia, mas para nós estava mais do que fora de questão (na verdade, acho que não foi sequer exequível, uma vez que o pôr-do-sol era ainda muito tardio na altura, mas não fui testemunha de alguém ter ficado fora do barco só para poder tirar a foto mais famosa de toda a Grécia). Podíamos ter feito uma visita guiada mas, para apenas uma tarde (só chegamos à ilha pelas 14h e tínhamos de sair antes das 21h), o conteúdo das tours e o seu preço elevado (como tudo naquela terra), preferimos abdicar da visita a esta parte da ilha e ficar por Fira, a capital.
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O nosso barco naquela baía que rodeia a ilha de Santorini
Dos vários guias que pesquisei nas semanas anteriores à nossa partida, nenhum tinha um roteiro definido ou prático do que visitar - mencionavam algumas igrejas (todas as que encontramos estavam fechadas, com excepção de uma), o vulcão (Nea Kameni, uma ilha vulcânica com baías de água quente, que não tínhamos tempo de visitar), a "rua dourada" (Ypapantis street) onde se encontram as lojas mais caras da região e pouco mais. Posto isto, optamos simplesmente por ir andando e nos perdermos nas ruelas da cidade, para tentarmos entender qual era a magia de tudo aquilo - e a razão pela qual tanta gente gostava daquela ilha.
A verdade é que não percebemos. É de facto bonito ver a escarpa pintada de branco, cheia de edifícios caiados, que contrastam com aqueles azuis, do céu e a água, cada um mais puro que o outro. Mas é isso - e praticamente "só isso". O outro lado da ilha - que erradamente, como todas as outras pessoas, não fotografei por sentir que não era "conteúdo fotografavel" - é árido e quase desértico, sem interesse ou beleza natural. A vertente cultural... é quase inexistente. O que é que se faz em Santorini? Come-se em restaurantes onde se paga a peso de ouro? Apanham-se banhos de sol em páteos de dez metros quadrados, onde depois teremos a oportunidade de nos refrescarmos num tanque a que chamam piscina, com quatro metros quadrados? É para isso que se paga milhares de euros por semana? É para podermos ter uma foto numa piscina infinita, em cima daquela escarpa, apanhando a água e um bom bocado da ilha - e se calhar fazê-lo ao pôr-do-sol, para termos a certeza que vai ser a foto com mais likes do ano? É um fenómeno que não entendo.
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A cúpula de uma igreja - dos ex-libris da ilha por terem as suas cúpulas pintadas de azul
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E escarpa pintalgaa de branco, com os edifícios caiados, seus páteos e piscinas
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O interior de um hotel típico em Santorini: um páteo com cadeiras para apanhar sol e um tanque para tomar banho; havia outros maiores, com piscinas decentes, mas a maioria era deste género
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Gostamos de ver as igrejas com as cúpulas azuis, de tirar algumas fotos bonitas e de apreciar as vielas quase labirínticas de Fira, mas depressa nos cansamos - até porque o sol não deu tréguas e tornava muito difícil o passeio, numa cidade onde as sombras quase não existiam. Ainda parámos para beber uma coca-cola num restaurante e demos uma última volta na praça Theotokopouloue, onde visitamos a Catedral Ortodoxa, que é pequena mas bonita. Depois, sem grande vontade de continuar por ali perdidos e desta vez já sabendo ao que íamos, decidimos descer os 600 degraus, desta vez que de forma pausada, sem pressas e apreciando a vista e o caminho - desta vez bem mais calmo, dada a hora e o fluxo de turista que já havia diminuído drasticamente.
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O exterior da Catedral Ortódoxa, na praça Theotokopouloue
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No interior da Catedral Ortodoxa
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Detalhe da cúpula no interior da Catedral Ortodoxa
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Os burros só fazem cerca de 85% a 90% da escadaria - o restante tem mesmo de ser feito a pé, percorrendo todas as lojas e restaurantes. Aqui vê-se o topo da "fila", na parte de cima da escarpa, com os donos dos burros à espera de negócio
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A fila alonga-se durante muitos metros - e muitos degraus. São centenas de burros e cavalos que são explorados para este negócio. Na foto, atrás, consegue ver-se o teleférico
E assim terminou a nossa breve passagem por Santorini, que só me faz destacar aquilo que para mim é mais uma das melhores coisas dos cruzeiros: nos sítios que não gostamos de conhecer e visitar, há sempre a hipótese de ficar dentro do barco e de desfrutar de todas as atividades que eles lá oferecem (na verdade, pelos grupos do facebook, apercebemo-nos que esta é uma paragem que muita gente "dispensa" - e agora percebemos porquê). Para além disso, como Santorini é caro, é também um bom exemplo das muitas vantagens que se tem em fazer este estilo de viagem - conseguimos ter uma ideia do que a ilha tem para oferecer e não fomos obrigados a pagar um balúrdio pela estadia (e acreditem - os hotéis são caríssimos!), a pagar restaurantes (almoçámos e jantamos no barco) nem a ficar mais tempo em terra do que aquele que achamos necessário. Quando ficámos cansados, apanhamos o bote de volta ao barco e demos como finalizado este ponto de paragem.
Acho que é perceptível que não ficamos fãs de Santorini, mas por tudo o que mencionamos acima, foi óptimo tê-la conhecido no âmbito de um cruzeiro - até porque, na verdade, era um destino que nos aguçava a curiosidade e que já tínhamos até posto em cima da mesa para passar umas férias mais longas. Foi da forma a que não viemos ao engano, ficando ao mesmo tempo a conhecer mais um destino - e, no final de linha, podendo riscá-lo da lista dos futuros planos de férias. Poder fazê-lo sem gastar nenhuma fortuna nem muito tempo foi como matar dois coelhos de uma só cajadada - algo que já me tinha acontecido com a Finlândia (que também não adorei...) e que se tornou, rapidamente, numa das coisas que mais gosto neste estilo de férias.
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A descer todos os santos ajudam - mas, mesmo assim, custou bastante - os joelhos que o digam, de tanta tração que fizeram!
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No bote que nos levaria de regresso até ao barco. Até sempre, Santorini!