A vida é uma estranha bola de neve
Um update sobre a minha vida: dieta, trabalho, desporto e um super-relógio
Há cerca de um ano e meio fui à nutricionista porque achei que estava a ficar com peso a mais e eu não estava a conseguir emagrecer sozinha. Na altura resultou, passei dos quase 67 quilos para uns felizes 61 e segui contente da vida, com o objetivo de manter. Entretanto fiquei noiva, 2021 não chegou para brincar e eu voltei a sair dos eixos. Ainda fui a consultas aí pelo meio, para ver se a pressão de uma balança que não a de casa e o compromisso com outra pessoa funcionaria, mas nem isso fez com que eu conseguisse privar-me de certas coisas e obrigar-me a outras. Valores mais altos se levantavam.
Em Outubro, quando a vida acalmou, voltei à carga. Entre o tempo da marcação da consulta e a própria ida ao médico, vi a minha vida profissional ser abalada por um tremor de terra que mexeu muito com os alicerces da fábrica. A calmia durou dias. De qualquer das formas fui à consulta - já andava a fazer um esforço para emagrecer, a treinar pelo menos três vezes por semana e com um olho forte sob a minha alimentação (fiz um diário alimentar e tudo) mas, mais uma vez, nada resultava. Perante tudo aquilo que tinha apontado e tendo em conta tudo o que andava a fazer, a solução era só uma: cortar com todos os pequenos erros, com os deslizes e os pecadinhos que se iam cometendo para consolar a alma.
Ainda tentei, mas não consegui durante muito tempo - entretanto, com o Natal à mistura, mais difícil tudo isto se tornou. Sei que é na privação que está a capacidade de atingir o meu objetivo - em muitas dietas não é nem deve ser, mas no meu caso e com o meu metabolismo, não há grande volta a dar - mas eu não estou em época de me privar de algo que me dê alento. Comer emocionalmente é mau, mas há alturas em que é a das poucas coisas que restam para nos aquecer o coração e a alma. Estou numa fase tão estranha e rara que sou capaz de comer uma tablete de chocolate num só dia (eu, que normalmente como um quadrado de chocolate por mês, se tanto), por isso nem vale a pena tentar fazer grandes negociações, pois sei que serão em vão.
Este tipo de processos são complicados, pois são autênticas bolas de neve. Já estamos tristes por um acontecimento exterior e pior ficamos por não conseguirmos alcançar um objetivo a que nos auto-propusemos. Depois entra a auto-sabotagem ("perdida por dez, perdida por mil - vou comer a tablete de chocolate inteira!"), que levam a uma tristeza e uma frustração ainda maiores, que não compensam o prazer de termos comido o que quer que seja. E as coisas vão-se arrastando, piorando, dilacerando-nos por dentro.
O trabalho sempre foi para mim uma força motriz, onde eu alicerçava os meus maiores objetivos e esperanças. Quando era mais nova e achava que ia ficar solteira para sempre, imaginava que a vertente profissional seria o pilar principal e moldador da minha vida, que seria uma trabalhadora nata, que o trabalho seria o alimento da minha alma; hoje, ainda que os meus planos se tenham alterado e a família tenha passado para primeiríssimo lugar na minha lista de prioridades, o trabalho continua a ser preponderante na minha vontade de viver, de sair da cama e fazer mais, de ver um projeto meu crescer. Mas tive azar na altura em que fiquei com a fábrica e o contexto nunca esteve a meu favor. Por muito que se goste e que se queira fazer mais, há alturas em que o desânimo e a desmotivação tomam o controle - e aquilo que aprendi nos últimos tempos é que embora devamos lutar contra isso, também devemos ser tolerantes para connosco. Não estamos sempre bem nem podemos querer estar sempre bem - e isso faz parte, porque não controlamos tudo à nossa volta. E, nessas alturas, não podendo mudar aquilo que nos provoca dor, podemos tentar mudar nós. Somos altamente adaptativos, mesmo quando achamos que não. E a verdade é que não é preciso alterar muito para às vezes acontecerem coisas que antes acharíamos inacreditáveis.
Como não conseguia emagrecer e como a minha vida profissional também não me está a dar abébias (muito pelo contrário...), surgiu naturalmente um dos objetivos mais estranhos na história da minha vida: fazer desporto cinco vezes por semana. Quando fui à nutricionista já estava a treinar cerca de três a quatro vezes por semana, num duo entre alimentação e desporto que já achava hercúleo da minha parte. Hoje, não estando a apostar em cortes na alimentação, pus as fichas no desporto, e tem sido um desafio semanal com direito a suor e lágrimas mas, acima de tudo, de muita superação. Porque não estou focada nos resultados - e ainda bem, porque emagrecimento nem vê-lo - mas sim no facto de estar a conseguir cumprir algo que para mim seria impossível. Intercalo entre o spinning e o padel (o primeiro faço em casa, normalmente de manhã, e com muito esforço; o segundo já encaro mais como um divertimento e convívio) e controlo tudo no meu super relógio - algo que nunca pensei que ajudasse tanto neste processo.
O smartwatch (Versa 3, para quem quiser saber o modelo) foi uma prenda de Natal do meu marido, e apesar de ser um presente incrível, é daqueles assim meio envenenados. No fundo funciona como aqueles vernizes para deixar de roer as unhas: têm um sabor amargo mas o objetivo é bom. Porque por um lado o relógio é chato e controlador - queixa-se logo quando não me mexo durante uma hora e é pior que uma vizinha cusca, sabendo quantas horas durmo, quantos passos ando, quantos pisos subo, quantas calorias queimo, o oxigénio que tenho no sangue - e, se lhe der trela, até quer saber detalhes sobre o que como, o que bebo, sobre o meu ciclo menstrual e estados de stress. Admira-me, na verdade, não ter interesse sobre xixis, cocós e outras coisas igualmente íntimas - mas acredito que lá chegaremos! Por outro lado regista todos os exercícios e avanços que faço, quantas calorias perco e o meu nível de esforço, fazendo-me querer ir mais além e criando um histórico que não engana. De cada vez que penso que não sou capaz é só ir à aplicação e ver que na segunda-feira fiz isto, na terça fiz aquilo, e que continuo cá para contar a história.
A vida, de facto, dá voltas muito estranhas. Nunca achei que fosse beber inspiração e força no desporto mas, à falta de melhor, aqui estamos nós. A lutar para ficar à superfície - e, para isso, a definir novas metas quando as que tínhamos se vêem impraticáveis. A mostrar que somos capazes, mesmo em áreas que nunca achamos ser possíveis. E a trabalhar em novos hábitos, que podem manter-se em alturas de maior estabilidade. E nessa altura sim, talvez consiga perder o peso, a anca e a barriga que acho que tenho a mais. Uma coisa de cada vez. Até lá, o horizonte é sempre a tona da água.