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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

29
Jun20

Uma pequena dissertação sobre máscaras

Retrovisores, terços, tipos de pessoas e máscaras reutilizáveis

Jazem penduradas no retrovisor do carro, quais terços do século XXI. Têm várias coisas em comum com o objeto religioso:

1) visam proteger-nos contra o grande mal do mundo;

2) mas fazem muito pouco quando estão simplesmente paradas, qual objeto decorativo;

3) e, quando mal utilizadas, também de pouco servem.

Falamos de máscaras, pois claro está. Quem nunca se apercebeu deste novo estatuto das máscaras, em que os elásticos fazem de contas e o tecido-não-tecido é o equivalente à cruz de Cristo, é porque não levou o desconfinamento à séria. Eu, como nunca confinei, vi (horrorizada) o fenómeno a acontecer perante os meus olhos.

Horrorizada porque se já era mau ter um terço ali pendurado - que, mal por mal, não deixa de ser uma espécie de joia -, atingimos todo um outro nível de mau gosto quando tivemos a magnífica ideia de pendurar ali as máscaras (e não me digam que "é prático", porque há uma coisa chamada porta-luvas que serve para guardar objetos do género). Horrorizada porque as pessoas não fazem claramente uso total da visão enquanto conduzem - a máscara a baloiçar ali no meio, enquanto tentamos vislumbrar o semáforo, não deve ajudar à causa da boa condução. Horrorizada porque a máscara vai e volta de cada vez que o seu dono faz uma visita ao supermercado - quando devia ir imediatamente para o lixo. E horrorizada - ou talvez espantada - porque um simples objeto faz transparecer muito sobre cada um de nós.

Durante décadas as máscaras foram usadas por profissionais de saúde durante horas a fio, por precaução e obrigação, durante a execução do seu trabalho. Nós, comuns mortais, temos agora de as usar por curtos períodos de tempo e parece que nos estão a tentar matar por asfixia. Bambis!

Quem as usa fora dos ambientes restritamente obrigatórios é frequentemente vítima de bullying (não sei quanto a vós, mas já ouvi vários comentários ao estilo "mas o Carnaval ainda não acabou?" ou "parece que estamos todos no hospital" enquanto circulava na rua). Alguns, os que as usam mesmo quando não são obrigados a tal, são corajosos. Os outros são simplesmente imbecis, juntando-se àqueles que não usam máscara e se sentem ofendidos quando chamados à razão.

Uma das estirpes que mais me incomoda são os hipócritas - ou, vá, os esquecidos. Aqueles que há um ano pediam a abolição das palhinhas e dos cotonetes mas que agora só usam máscaras descartáveis, sabem?

E depois há os que deitam as máscaras para o chão. Essa é fácil: são apelidados, simplesmente, de porcos.

Aquilo que sinto é que, por culpa da DGS, o uso de máscara foi desvalorizado inicialmente (talvez o erro mais crasso desde o início desta crise) e instalou na população a ideia de que se calhar não era um objeto tão simples que poderia fazer a diferença - fazendo-nos ganhar até alguns anticorpos em relação ao seu uso. Sinto que a obrigatoriedade do uso de máscara está a ser levada de ânimo leve em muitos sítios, onde se facilita a entrada sem meios de proteção individual, e onde alguns indivíduos ganham quase uma aura de machos devido à coragem de não temerem o vírus e à ousadia de serem uns fora da lei.

E acho que, já que as pessoas se mostram pouco responsáveis pelo meio ambiente, pela sua saúde e pelas suas próprias carteiras, as máscaras descartáveis deviam ser apenas disponibilizadas àqueles que antes lhes davam uso: os profissionais de saúde. A longo prazo as máscaras reutilizáveis são muito mais amigas do ambiente, ficam muito mais baratas (partindo do princípio de que as pessoas deitam as outras fora... ou deviam) e, por serem um investimento inicial mais pesado, não correrem tanto o risco de serem atiradas para o chão à primeira oportunidade. Para além disso têm, à partida, uma respirabilidade muito melhor do que as outras (esta é para vós, vitimas de asfixia por máscara!) e algumas contém bactericidas para combater os ajuntamentos de pequenos bichinhos que o nosso bafo deixa no pano. Há para todos os gostos, preços e são capazes até de combinar com o outfit (até porque aquele azul cueca das máscaras descartáveis pouco mais combina do que com gangas e a lingerie de ano novo).

Isto não vai ser uma coisa dos próximos dias e não vai acabar tão cedo. Por isso ponham a mão na consciência, escolham uma máscara que vos satisfaça e que seja durável (e lavem-na, por amor da santa!) e, já agora, escondam-na no porta-luvas. Quanto ao terço, talvez não seja pior ideia dar-lhe uso, que por este andar bem vamos precisar de um milagre.

06
Jun20

Ter ou não ter filhos: eis a questão

Devem ser muito poucos os temas que considero serem centrais na minha vida e que eu, durante estes nove anos, não tenha abordado no blog. Mas há um que, se a memória não me atraiçoa, eu fui desviando sempre: os filhos. Fi-lo porque não queria deixar aqui registada uma opinião (ou um conjunto de pensamentos) de que, no futuro, me pudesse vir a arrepender. Mas os anos passaram-se e nada mudou. E esta é uma questão que sempre tomou uma certa (des)proporção na minha vida precisamente por eu ter uma postura disruptiva em relação à maioria dos que me rodeiam.

Eu nunca quis ter filhos.

Não me lembro de, em nenhuma fase da minha vida, os querer ter tido - nem mesmo quando não sabia o que isso implicava (e falo desde a sua concepção, passando pelo nascimento e terminando na educação de uma criança). Recordo-me de brincar (poucas vezes) com nenucos, com as minhas primas, e de não lhes chamar filhos. Eu não queria filhos. Nunca quis. Ainda hoje não faço questão de os ter.

"Isso passa-te".

"Nunca digas nunca".

"Com a idade vais ver que queres."

Quem está nos meus calcanhares sabe que são estas as frases que preenchem a nossa vida, no que a este tema diz respeito. Sobre isto todos se tornam leitores da sina: todas as pessoas sabem o nosso futuro, como se não existissem excepções à regra. Como se não houvesse, de facto, pessoas que não queiram pôr crianças no mundo.

A sensação é de incompreensão total. 

Tudo isto piora quando se está numa relação estável e, a olho nu, todas as condições estão reunidas para que o casal possa finalmente procriar. São chamados os "três estágios de perguntas-de-tias" - sendo que, hoje em dia, o segundo se vai saltando com alguma frequência. Quando se está solteiro a pergunta é sempre a mesma: "então e namorados, nada?". Já quando se arranja namorado todas as atenções se viram para o nosso anelar - "estamos à espera de casório!!!". Se a segunda fase for ultrapassada (por questões religiosas, monetárias ou, simplesmente, por teimosia dos visados), chegamos ao terceiro estágio: "então e bebés?!?!?!". 

Se a pressão é enorme para todos os que estão nesta fase, pior é para aqueles que têm um desejo diferente da maioria e que ousam dize-lo em público. "Eu não quero ter filhos". A frase é seguida por olhares reprovadores ao longo de toda a mesa, de julgamentos mentais e, acima de tudo, de desprezo para com os "pobres coitados que ainda não sabem o que querem e que, com a mania que vão mudar o mundo, ainda o dizem em voz alta". Afirmar que não se quer ter filhos é ainda hoje visto como uma afronta àquilo que é o propósito da vida. É uma coisa de adolescente revolucionário. De quem ainda não cresceu o suficiente para não sentir o chamamento. 

O problema é quando a idade passa e nós mantemos as nossas convicções. É o meu caso. Fui esperta o suficiente para adotar um discurso que, ainda que honesto, fosse flexível o suficiente para um dia mudar de ideias: sempre disse que, apesar de não ter o desejo de ter filhos, a possibilidade ficaria em aberto se encontrasse alguém que quisesse dar continuidade à família. Como via a minha vida como um caminho solitário, solteira, nunca foi uma preocupação - mas, entretanto, encontrei a pessoa ideal para mim. De tudo o que fomos falando - e isto aconteceu logo numa fase inicial -, este sempre foi o nosso único ponto de discórdia. Ele, um autêntico encantador de crianças, gostava de ter filhos. Eu fui sempre clara no meu desejo "anti-natura" e quis que ele soubesse que isto era um problema - e se ele fizesse questão de ter herdeiros, então eu preferia que cada um seguisse a sua vida. A decisão é hoje óbvia: estamos juntos. Como sempre disse - e não menti - a possibilidade está em aberto. Mas transformou-se num monstro que me persegue de cada vez que alguém me vem com o terceiro estágio do discurso-das-tias ou até pelo simples facto de ver o meu namorado a interagir de forma carinhosa com uma criança.

Sinto-me culpada. Culpada por, eventualmente, o privar de uma coisa que ele deseja. Culpada por ser assim, "diferente"; por pensar tanto no assunto, por racionalizar uma coisa que a grande parte das pessoas olha de um ponto de vista emocional. Eu não quero ter filhos porque não me agrada a ideia de uma gravidez - não gosto sequer de pensar na mudança de corpo e na bomba atómica hormonal em que ele se transforma. Detesto a ideia do parto. É-me totalmente estranha a romantização da amamentação. Porque dispenso a privação de sono, a privação de momentos só para mim, a privação de momentos a dois. Porque não me atrai a ideia de ter alguém ao dependuro durante todo o dia, dependente de mim a 100%; porque não gosto de pensar que não posso ir de férias para o outro lado do mundo porque não vou pôr a criança num avião durante 21 horas. Porque, ao contrário de muitos, para poder fazer tudo isto de que me vou privar, não quero deixar um filho - uma decisão minha, uma responsabilidade minha, um dever meu - à mercê de outros (ainda que família) que não têm de levar com uma criança aos berros e limpar cocós só porque me apetece ir passear. Porque não gosto do risco de pôr um ser no mundo que, por muito boas intenções que eu tenha e boa educação que lhe dê, pode vir a ser um traste. Porque nem sequer gosto particularmente de crianças. Porque me agonia a ideia de viver para alguém, dedicar-lhe a minha vida, e passado vinte e poucos anos ele me dizer que quer ir de erasmus para ter novas experiências e conhecer novas pessoas.

Percebem a ideia?

Não há nada na ideia de ter um filho que me agrade. Posso listar uma série de razões pelas quais gostava de ter crianças - mas nenhuma delas me envolve a mim. É sempre a pensar nos outros - na alegria e no prazer que lhes daria ao ver crescer a família. E, para mim, acima de tudo... ver nascer um pai. 

Muito para além dos medos físicos que possa ter (sim, estamos a falar do parto) o maior tem que ver com a parte psicológica. Há outros que nem sequer se colocam: não tenho medo de não amar o meu filho, de não conseguir cuidar dele e educa-lo; não tenho medo do acréscimo de responsabilidade. Tenho a certeza de que o faria bem. Mas tenho um pavor colossal de que o papel de mãe faça de mim uma pessoa infeliz. Tenho a certeza absoluta que há muitas mulheres com filhos que não são felizes naquele papel - mas também sei que a maioria não consegue ser racional o suficiente para o perceber ou pelo menos entender a razão do problema. Também sei que, quem o sente, não o diz - afinal que tipo de mãe é que diz uma coisa dessas? Que ingratidão é essa, ter o privilégio de deitar um ser ao mundo e não usufruir de tal coisa? Quem é esse "ser horrendo" que admite que era mais feliz antes de ter filhos? Quem é que consegue ser tão racional ao ponto de amar um filho até às entranhas mas saber que ele não veio alterar a sua vida para melhor? É um paradoxo gigante para o qual não estamos preparados. É um julgamento pessoal demasiado pesado para se conseguir lidar - e muito menos aceitar. E é uma dor que acresce às outras, numa pessoa que já se encontra só por si dorida e frágil na posição que se encontra.

Cheguei à idade que sempre achei que seria a ideal para procriar: porque o corpo recupera bem, porque sou nova e tenho mais capacidade para lidar com a falta de sono e os problemas normais que surgem quando se tem um bebé. Fui uma filha tardia, ambos os meus pais com mais de 40 anos na altura, e sempre disse a mim mesma que, se um dia me tornasse mãe, não gostava de os ter assim tão tarde - tão simplesmente porque sinto na pele as consequências de ter pais mais velhos e detesto a ideia de os poder perder ainda em tenra idade. Costumo dizer que, comparado com os meus irmãos, terei eternamente menos anos de convivência com os meus pais - tudo porque eles me levam um belos anos de avanço; eles ficarão inevitavelmente com mais memórias, porque passaram com eles mais anos de vida. E eu não quero que, para os meus filhos, isso seja uma questão.

Tenho tentado procurar respostas com base na experiência dos outros - mas são poucas as pessoas que me interessa ouvir. Apesar de pertinentes, não é importante para mim ouvir histórias de mulheres que sempre quiseram ter filhos, porque sei que nunca me compreenderão. Mas conhecer algumas pessoas que têm filosofias e medos parecidos com os meus é-me essencial. Independentemente de terem cedido à pressão da sociedade e do relógio biológico, acabando por ter filhos, ou tendo-se mantido convictas na sua crença: o que me importa é a capacidade de análise, a racionalização e, claro, a honestidade. Perceber qual a sua percepção dos resultados: abdicar de tudo aquilo que idealizavam como a vossa vida ideal em prol de um filho compensou? Os medos que existiam eram justificados? Ou, depois de se passar de "prazo de validade" há remorsos em não ter filhos? 

No fundo eu não quero ser mãe: mas gostava muito, muito, muito de querer ser. Gostava de ser quem não sou. E, talvez por isso, vivo diariamente assombrada por uma pergunta: devo correr o risco? Porque nesta decisão em particular não há volta atrás; não há botão de delete, não há um papel que se assine e que acabe com aquela responsabilidade. Estou dentro de uma panela de pressão com todos os ingredientes que, na minha cabeça, defini serem os ideias para ter filhos: tenho uma vida estável, um namorado com desejos de ter uma família e estou na idade que acho ser a perfeita para ter crianças. Mas, ao contrário das previsões do resto do mundo, eu não mudei. Continuo com as mesmas ideias que tinha - ainda que gostasse muito de dar esse presente a todos os que me rodeiam. E isso pesa-me na consciência. Na cabeça. No coração. E na alma. É uma dor enorme, uma dúvida com a qual me debato todos os dias - e que sei que nunca terá uma resposta certa. E, por pouca matemática que saibamos, é certo que as contas que não dão um resultado exato são sempre as que nos dão mais dores de cabeça a resolver.

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