Não sou uma otimista por natureza. Nunca fui, acho que nunca vou ser. Pelo contrário, sempre tive tendência para ser mais depressiva, ver o lado negro das coisas, das pessoas, das histórias e das situações.
Nesta fase que vivemos cada um aborda o assunto da forma que quer e se sente mais confortável - depende não só da nossa personalidade mas também da maneira como tudo isto nos afeta. Quem está fechado em casa por vontade própria e quem está por obrigação não terão, decerto, a mesma visão; quem é obrigado a trabalhar e quem trabalha porque quer também não deve partilhar opiniões. Mas é o que é. Neste caso, na maior parte das vezes, cada um faz aquilo que tem de ser feito - e tem como sua obrigação aprender a lidar com isso.
Eu, que me mantenho a trabalhar, continuo a ter a mesma rotina de vida, assim como tudo o que lhe diz respeito: tenho as mesmas obrigações em casa e possuo o mesmo tempo para desfrutar dos meus hobbies e fazer coisas de que gosto, para além de tudo o que diz respeito ao trabalho. A minha vida não mudou, como a da maioria dos portugueses, hoje fechados em casa. Mas, curiosamente, olhando ao pormenor, mudaram os hábitos. A televisão mantém-se desligada, pois não me apetece ver esmiuçada toda esta situação - antes estava sempre on, nem que fosse para servir de barulho de fundo ou dar luz à casa. Passa-se o mesmo com as redes sociais, onde divagava frequentemente nos tempos livres; hoje dispenso opiniões alheias ou testemunhos, que só pioram o meu estado de espírito e de ansiedade. Dou uma vista de olhos, páro normalmente para ver coisas com piada e desligo. Agora abro o livro, que anda sempre comigo; leio mais. Toco mais vezes piano, durante mais tempo. Dedico-me mais ao meu namorado. Ligo aos meus pais por videochamada, nem que seja para dizer que a minha sopa estava muito boa. Tenho escrito - e tem sido tão bom! E, no meio disto tudo, percebo que me dediquei àquilo que é a nata da minha vida. Àquilo de que realmente gosto. Muito porque as coisas que me entretinham antes passaram a ser tóxicas nesta fase da vida.
Foi assim que, no meio deste caos todo, percebi que estou a retirar uma bela lição positiva. E que muito mais coisas positivas estão a sair daqui, que muita gente está a fazer o mesmo que eu - embora o objeto, a "nata" de cada um, possa ser diferente. Vejo todos os dias iniciativas que acho graça, que entretêm, que bem dispõem e que não teriam aparecido se não fosse tudo isto. Por isso hoje destaco uma série delas, que apareceram à custa do Covid-19, e que merecem ser apreciadas. Nem que seja para ver o lado positivo da coisa.
Nas redes sociais
. As baladas de adormecer do Miguel Araújo, partilhadas pelo cantor no seu facebook e instagram, pelas 21h. Aquilo que ele fazia para as duas filhas (cantar para adormecerem), faz agora, também, para os filhos dos outros - quer estes sejam miúdos ou graúdos. E é muito, muito bonito.
. Num outro registo, Bruno Nogueira também aderiu aos diretos - desta feita no instagram, para os adultos e com um copo de vinho na mão, a partir das 23h. A essa hora aqui a velhota já está frequentemente a dormir, mas dizem as boas línguas (e os vídeos gravados das emissões em direto, que já pude ver - mas que, parece, deixaram de estar disponíveis) que é um deleite e faz muito bem a quem precisa de treinar o ato de gargalhar.
. Ainda num outro registo, parvo mas engraçado, vale a pena deitar o olho no "Big Corona" - o reality show criado pela "A Pipoca Mais Doce" no seu instagram, com episódios praticamente diários, cujos quatro concorrentes são a sua família. Tendo em conta que o Big Brother foi adiado e estamos quase todos enclausurados dentro de casa - só faltam as câmaras - a paródia não podia ser mais oportuna. Para quem é fã deste tipo de programas mas que, ainda assim, tem espírito crítico e sentido de humor, perceberá a ideia. Nada melhor se aplica a este período que as tão faladas "24 sobre 24 horas, sempre fechados no mesmo sítio".
Na cultura
. Esta é uma óptima altura para aproveitarmos para ler tudo aquilo que queríamos e não tínhamos tempo ou que arranjávamos desculpas para adiar (o meu caso). Não têm livros em casa? Tudo bem: há várias livrarias independentes a fazer entregas grátis em casa, só à distância de um clique. A Wook também tem estado recheada de promoções.
. Os livros de cordel voltaram - não para se comprar por capítulos nas papelarias (o objetivo é não sair de casa, lembram-se?) mas em versão online. A página do Bode Inspiratório junta vários escritores (como Mário de Carvalho e Rita Ferro, entre outros nomes menos sonantes mas a que devemos dar oportunidade) e cada um tem de continuar a história do outro, tendo apenas 24 horas para a escrever. Todos os dias sai um capítulo. Podem saber mais aqui.
. São mais de livros a sério e não querem gastar dinheiro neste período de incerteza? José Rodrigues dos Santos disponibilizou um dos seus best-sellers - A Fórmula de Deus -, completamente grátis em versão virtual, para que todos o possam ler e passar estes tempos de quarentena mais entretidos.
. Prosa não é a vossa cena? Querem poesia? Na Comunidade Cultura e Arte podem descarregar, gratuitamente, 17 livros de Fernando Pessoa. Diria que ele é das personalidades que mais combinam com o tempo em que vivemos: estranho, meio esquizofrénico e com poemas que se adaptam a todos os nossos estados de espírito.
. Para quem é do Porto, a Livraria Lello também está a oferecer livros em modo "drive-thru": basta fazer a inscrição e passar no local no dia seguinte para o ir levantar (entre as 10h e o 12h), como quem levanta um hambúrguer no McDonalds. Mais informações aqui.
. Para além disso, a Lello disponibiliza online uma série de livros célebres para ler em casa, incluindo os contos de Edgar Allan Poe e, em breve, uma obra de Oscar Wilde. Aqui.
. Ah! Não esquecer o universo Harry Potter, que também tem novidades. J.K. Rowling lançou uma nova plataforma interativa, o "Harry Potter at Home", que ofere conteúdos interativos para miúdos e graúdos que sejam fãs destes livros e filmes - atraindo ao mesmo tempo novos e potenciais "potterheads", disponibilizando gratuitamente o primeiro livro da saga em vários idiomas.
. Saindo dos livros e passando para o teatro: foram vários os espaços que disponibilizaram algumas peças para se assistir online. Caso do Teatro Aberto e tantos outros, que podem consultar aqui.
. Também para quem gosta de sair de casa e não pode - neste caso não falando de salas de espetáculos mas de museus - há centenas de visitas guiadas através da Google Arte e Cultura dos mais variados museus, nos quatro cantos do mundo. É só escolher. Para mim, grande destaque para o museu Anne Frank, que podem "visitar" aqui.
Outros destaques (nomeadamente sobre comida)
. É hora de dar valor ao que é nosso e, acima de tudo, de comprar local. Só agora é que muitas pessoas se aperceberam da dependência total que têm dos supermercados - e agora tentam fugir deles a todo o custo, procurando mercados locais, lotas, mini-mercados, feiras (infelizmente fechadas, que tantas saudades me dão...), talhos, frutarias e padarias independentes, entre outros. Fazem-no, ora porque estão cheios, ora porque as entregas estimadas das encomendas online são para daqui a um mês. Os monopólios criados pelos super e hipermercados são pouco saudáveis para a economia - e é bom que as pessoas abram os olhos e vejam as alternativas à sua volta, que também alimentam bocas, sonhos e ambições. Neste momento há muitos pequenos negócios que levam comida e outros bens essenciais a casa de qualquer um - e a plataforma "Hora de Encomendar" é o sítio certo para encontrar quem está próximo de nós e o que têm para oferecer. Aproveitem a oportunidade para saber o que têm de bom perto de vossas casas - e conheçam as pessoas por detrás desses negócios.
. Diz-se que a necessidade aguça o engenho. Já tinha falado do pão da Pachamama aqui, mas tive sempre muita dificuldade em encontrá-lo. Sempre achei que o negócio devia passar pela entrega em casa e, finalmente, aconteceu! Comprem estes pães maravilhosos, agora à distância de um clique, na novíssima loja virtual da Pachamama.
. Tudo isto e muito mais pode ser encontrado em alguns sites que têm feito um acompanhamento mais ao menos permanente às coisas boas que têm surgido graças a esta pandemia. Um deles é o "Fica em Casa", que podem ir consultando aqui.
Por aí, têm mais sugestões de coisas giras que tenham surgido por causa deste ambiente apocalíptico que vivemos? Partilhem!