Já passaram quase quatro meses desde que fui ao Japão e acho que não há semana em que não fale dos locais por onde viajei durante aqueles dez dias - ora porque me perguntam, ora porque me dão as saudades, ora porque avanço num dos muitos projetos que tinha em mente neste pós-viagem, que acabou por se revelar gigante.
Nunca demorei tanto tempo a terminar um diário de bordo - e isso pesa-me na consciência porque esta viagem, mais do que as outras, deve mesmo ficar registada com detalhe aqui, para quando a minha memória deixar de estar tão fresca. E a verdade é que já não está. Não sinto que algo se tenha perdido (não mais do que os pequenos detalhes, que por vezes fazem a diferença, mas que só no momento são possíveis de ser registados), mas sei que as emoções e os sentimentos se transformam, muito por culpa da saudade. São poucas as coisas de que me lembro de não ter gostado. O cansaço da viagem já se varreu, a lembrança do jet lag já era - e eu já ia outra vez, nem que fosse para lembrar tudo de novo. Apesar do diário de bordo ter ficado em stand by, avancei noutras coisas: o álbum físico de fotos já está nas minhas mãos (mais uma vez aproveitei uma promoção do Sapo Voucher, na sua parceria com a Dreambooks) e o vídeo já está praticamente terminado, faltam apenas algumas legendas. Só resta mesmo acabar a minha série de textos aqui e colar as minhas lembranças no viajário. Pouco a pouco, o ciclo vai-se fechando. E acho por bem eliminar o peso que há tantos meses anda na minha cabeça: o de ter deixado o diário de bordo pendurado. 'Bora conhecer Osaka?
Osaka, de todas as cidades onde fomos, é sem dúvida a mais ocidental. E não digo isto num bom sentido - muitos dos hábitos dos japoneses que mencionei nos textos anteriores deixam de se praticar quando vamos a Osaka. Dos quatro locais que conhecemos, foi o mais sujo e mais caótico; foi o único onde vimos pessoas a fumar na rua e bêbados a deambular. Foi o único local do Japão onde me senti ligeiramente insegura, numa determinada parte da cidade. Dá a sensação que importaram uma série de hábitos ocidentais... que nunca deviam ter viajado até àquele lado do globo. Gosto muito mais do "outro Japão", limpinho e meticulosamente organizado que conheci em Tóquio, por exemplo. Importa também dizer que Osaka é a capital dos negócios onde, mais uma vez, os arranha-céus (escritórios de grandes empresas) convivem em plena harmonia com locais históricos com centenas de anos.
É difícil distinguir estes mercados "cobertos", que existem um pouco por todo o Japão, com lojas em ambos os lados; sem certezas, diria que este é o Shinsaibashi. Normalmente são ruas pedonais, intersetadas por outras perpendiculares onde circulam carros, cuja única diferença é não serem a céu aberto - muito para ajudar os comerciantes a não perder clientela devido às diferentes condições climatéricas.
Dotonbori é, talvez, a rua mais movimentada de Osaka - e talvez a metáfora perfeita para a própria cidade. Faz-se, acima de tudo, de comida e bebida - e, mais adiante, de lojas de roupa e outras diversões. E não é só direcionada para estrangeiros - vêem-se mesmo japoneses nas filas para comprar uns petiscos e a deambular por lá, mesclando-se perfeitamente no meio dos ocidentais curiosos, que passam a vida a olhar para cima, apreciando as montras dos restaurantes, diferentes de todas as que também nós tínhamos visto. Tem especial encanto à noite, quando todas elas têm as luzes acesas, e tudo aquilo parece um parque de diversões em modo restauração.
Algumas das montras de Dotonbori. O caranguejo real é um dos pratos típicos mais apreciados (e caros) que por lá havia.
Mais uma montra - desta vez muito famosa. O Kukuru é talvez o restaurante de takoyaki (umas bolinhas fritas, com pedaços de polvo dentro) mais conhecido de Osaka.
E mais uma montra.
O movimento típico de Dotonbori.
Não podia deixar de utilizar uma das minhas técnicas preferidas de fotografia numa rua tão movimentada!
Para além das típicas gyozas e takoyakis, experimentamos o melon pan que, como o nome indica, é um pão em forma de melão. Todos gostamos muito!
Caminhando um pouco vamos dar a Minami - uma parte da cidade com as mesmas cores vibrantes de Dotonbori, mas mais calma e atravessada por um canal (o Rio Tombori), onde se podem dar passeios de barco - não o fizemos, porque estava frio, nós muito cansados e o trajeto ainda demorava algum tempo. Tem uma série de restaurantes (mais exteriores que em Dotonbori, que está mais pejado de "take aways" e coisas tipo tapas) e lojas, mais uma vez com montras gigantes e luzes que atraem toda a nossa atenção.
Já aqui tinha falado no Don Quijote - uma loja com tudo e mais alguma coisa, onde já tínhamos ido várias vezes em Tóquio. Aqui, o "mais alguma coisa" é um carrossel com vista para Osaka, integrado na própria loja. Decidimos experimentar. Não tem nada de assustador (a subida é lenta e muito gradual), mas também nada de excelente. A parte boa é que íamos só nós dentro da cápsula, e foi divertido vivermos isso juntos; a parte má é que estávamos basicamente dentro de uma redoma de plástico, que devido aos inúmeros riscos (do uso) nem sequer permitia tirar fotos à paisagem, ou até aprecia-la devidamente. Podia ser uma coisa muito melhor do que é.
A zona de Minami e o Rio Tombori. Do lado esquerdo consegue-se ver a roda gigante do Don Quijote
A vista (muito "desfocada" e "riscada") do topo da roda
Na nossa cápsula da roda gigante
Foi também nesta zona que fizemos a coisa mais estúpida desta viagem (e, consequentemente, onde pior gastamos o dinheiro): irmos a um "Mameshiba Café". Trata-se de um café... com cães. Paga-se para estar lá, tomar um café ou um chá e "conviver" com eles. A questão está no conceito de "conviver": não se podia brincar com eles, mexer nos brinquedos e tantas outras regras que já não me recordo, porque aquilo era só absolutamente absurdo. O pior é que os cães, de tão habituados que estavam àquele entra e sai, não ligavam nada às pessoas. Mais: até evitavam contacto. Foi um desastre total. Mas desenganem-se se acham isto estranho; este tipo de cafés são muito comuns lá: se não é com cães, é com gatos, corujas, porquinhos-anões, ouriços-cacheiros, coelhos ou até cobras, para quem quiser ser mais hardcore. Há para todos os gostos, feitios e carteiras - mas não é certamente para mim.
Os cães no Mameshiba Café
Mas não só de festa se faz Osaka. Também tem uma parte histórica, com edifícios que entraram para o nosso top de favoritos. O Castelo de Osaka é, provavelmente, o ponto turístico mais especial. E que bonito que é! Tão diferente dos nossos castelos aqui... A parte interior do Castelo está transformado num museu com vários pisos, cuja entrada é grátis. Pensando em retrospetiva, esta acabou por ser a única parte mais "teórica" da nossa viagem, em que paramos mesmo para perceber um bocadinho da história do Japão, ali inteligentemente contada, em forma de imagens interativas e pequenos textos. Hoje vejo que essa é uma falha global de 90% dos monumentos - há falta de contexto. Ou se vai previamente preparado, ou então não se aprende muito sobre aquilo que se está apreciar.
Dentro do museu apercebemo-nos de algo interessante e que não esperávamos: a relativa influência que Portugal teve no Japão - nomeadamente na língua. Havia dois exemplos bem explicados: os calções, que passaram a "karusan", e o escritório (shotansu), que é no fundo uma mini-cómoda com arrumação. Havia ainda uma espécie de carta, escrita em português arcaico, que nos encheu de orgulho: das centenas de pessoas que por lá andavam tínhamos quase a certeza absoluta que éramos as únicas que percebiam o que lá dizia. Não é todos os dias, hã?
A entrada do Castelo, rodeada por água. Este tipo de paisagem, neste monumentos, é muito comum no Japão; recordo-me, por exemplo, do Palácio Imperial em Tóquio ou do Castelo de Nijo em Quioto.
A fronte do edifício, muito ornamentada com a talha de ouro e os seus telhados com formas tipicamente japonesas
Um templo dentro do Castelo
Detalhes em frente ao templo. É muito comum este tipo de estátuas estarem mais brilhantes em determinados sítios, pois muitas pessoas crêem que esfregando-as terão mais sorte na vida.
Muito amor à frente do edifício mais popular do Castelo
Figuras em representação das batalhas no Japão
Vestígios da cultura e língua portuguesas no Japão (em cima o calção e em baixo o "escritório")
No topo do Castelo
A vista do topo do Castelo e o contraste da história com os edifícios contemporâneos
Posando em frente ao Castelo
A visita ao Castelo ficou ainda marcada por outro episódio engraçado, que acabou por satisfazer (melhor do que alguma vez esperamos) um dos nossos desejos: vestirmo-nos de gueixas e samurai (nós, raparigas, e ele, respetivamente). Em Quioto a oferta era imensa - tanto para comprar fatos, como para alugar, ou até fazer sessões fotográficas muito pomposas, em que éramos maquilhadas e penteadas exatamente como elas. Achamos que o dinheiro e o tempo empregues nisto não iam valer a pena - e muito menos andar o dia todo vestidos com roupa desconfortável e uns chinelos de bradar aos céus.
Mas à saída do Castelo deparamo-nos com um pequeno cenário verde e um conjunto de roupas e acessórios que, em menos de um minuto, fazia de nós japoneses da antiguidade - e por tuta e meia, comparado com aquilo que tínhamos visto em Quioto. Nem pensamos duas vezes. Foi muito divertido e o resultado das fotos giríssimo.
Nos entretantos fizemos várias paragens - uma delas foi no Umeda Sky Building, onde ponderamos subir, mas o preço não era convidativo. E, verdade seja dita, as vertigens também não. Na foto abaixo não se percebe muito bem, mas as duas "linhas" que cruzam o "círculo" são escadas rolantes. Ao ar livre. A não sei quantos metros do solo. Com as correntes de ar que lá devem correr, deve ser uma boa experiência para cardíacos - pelo que decidimos não arriscar e ficar só lá em baixo, a ver.
Enquanto apreciávamos o edifício, mais uma história gira para contar: ao ver que falávamos português, um senhor que estava sentado próximo de nós abordou-nos (também muito por culpa do seu cão, a quem comecei a dar festinhas - a ressaca e as saudades dos meus já eram muitas, nesta fase). Perguntou de onde éramos e, surpreendentemente, sabia onde ficava Portugal. Mais: já tinha ido a Espanha, há muitos anos atrás. Arranhava bastante bem o inglês - melhor do que alguns funcionários de hotel - e falou-nos também do edifício que tínhamos à frente. No fim, sacou do bolso uma máquina fotográfica analógica, daquelas descartáveis, e perguntou se podia tirar-me uma fotografia com o seu cão. Perguntei-lhe o nome do bichinho: "Kokurochan, do you remember?", disse-me, como quem pede para eu não me esquecer. E a verdade é que não esqueci. Já o meu nome ele não sabe, mas ficará para a posteridade com uma fotografia de uma portuguesa com o seu cãozinho.
Umeda Sky Building
O senhor, o Kokurochan e eu, enquanto nos explicava algo sobre o Umeda Sky Building
A paragem seguinte foi America Mura. Todos concordamos que, de todos os sítios que visitamos no Japão, este foi aquele em que nos sentimos mais desconfortáveis. Dizer inseguros é um exagero... mas a sensação que tivemos sobre as pessoas que nos rodeavam não foi, de todo, boa. Este é o sítio dos jovens em Osaka e corresponde bem ao estereótipo dos miúdos com penteados malucos, cabelos coloridos e rádio nos ombros com música hip-hop japonesa; há direito a freaks, graffitis nas paredes e tantas outras coisas "modernas", que dispensava no Japão que tanto gostei. Existem muitas lojas e restaurantes, numa mistura entre as montras de Dotonbori e a loucura americana, que claramente inspira este bairro. Gostei de conhecer, mas está longe de ter sido um sítio que me conquistou - e há muitos outros que o podem substituir, tanto ao nível das lojas (tem algum anime, mas nada comparado com Akihabara em Tóquio) como de restauração.
America Mura
Uma das ruas de America Mura
Montras ao estilo de Dotonbori em America Mura
America Mura
Percebemos rapidamente que Osaka não tocou, a nenhum de nós, no coração. Tínhamos, como em toda a viagem, dois dias de roteiro bem delineados, mas improvisamos - optamos por ir a alguns sítios, prescindimos de outros - de forma a deixar o segundo dia livre. Para quê? Para ir à Universal Studios, que tem um dos poucos "Castelos de Hogwarts" de todo o mundo, assim como todo um espaço temático dedicado ao Harry Potter - saga de que todos somos fãs. Eu nunca tinha ido a um parque de diversões, prefiro manter as montanhas russas e esse tipo de divertimentos longe de mim, mas estávamos a falar de Harry Potter. E pronto: cedi.
Antes irmos para os estúdios - e depois voltar a Tóquio, onde dormiríamos a nossa última noite no Japão - fizemos a nossa última paragem num templo óptimo para portistas, o Namba Yasaka Shrine, cuja arquitetura é em forma de dragão.
Depois foi entrar no comboio (não na plataforma 9 3/4, mas foi o que se arranjou) e seguir para o mundo encantado de Hogwarts. A entrada no parque rondou os 70 euros - e, claro, tinha muito mais do que Harry Potter. Tinha a vila dos Minions, espaços dedicados ao Homem-Aranha, uma réplica dos bairros americanos dos anos 50, o espaço "interdito" do Jurassic Park e também do Shark, entre tantas outras coisas - muitas que nem sequer vimos, porque íamos com um objetivo muito definido: Hogwarts.
E, de facto, a caracterização é só incrível. Tinha desde a estufa das aulas de herbologia (que servia de espaço para as longas filas de espera), passando pelo Sorting Hat e o retrato da mulher gorda, que dá acesso à sala comum dos Griffyndor; tudo isto acaba numa incrível viagem (que é, na verdade, uma pequena montanha russa) que, numa mistura entre imagens projetadas num ecrã gigante e o nosso próprio movimento nos dá a sensação de que estamos mesmo em cima de uma vassoura a voar com o Harry, o Ron e a Hermione. Não faltou a snitch para apanhar nem os dementors para nos assustar. Foi só incrível, algo inexplicável por palavras. Só um senão: toda a narrativa da história desta viagem (que deve ter durado pouco mais de cinco minutos) era toda feita em japonês, pelo que não percebemos nada. O que vale é que as imagens não precisam de tradução - e, como se sabe, valem mais que mil palavras.
A zona que envolvia o Castelo era igualmente incrível - com particular destaque para o Olivander's, onde também há uma pequena exibição e onde um sortudo/a pode até ganhar uma varinha. Todos os detalhes são pensados ao pormenor e os espaços são realmente bonitos. Não falta a loja de brincadeiras dos gémeos Weasley, das guloseimas, dos materiais de escola ou sequer a Butter Beer. Diagon Alley está ali em peso, até com direito a "neve" no topo dos edifícios, e é só incrível.
Como sei que esta parte só interessa a alguns - e, àqueles que interessa, a curiosidade é muita - deixo uma série de fotos que tirei na galeria abaixo, onde só têm de clicar nos botões (direita ou esquerda) para percorrer as fotografias.
E assim terminou a nossa passagem por Osaka - sem uma paixão desmesurada, mas com muito divertimento à mistura. De todas as cidades que visitei, será certamente a que menos recomendo - mas há locais, como o Castelo de Osaka, que me ficaram no coração e que adoro.
Não há arrependimentos nesta viagem. Houve coisas que gostamos mais, outras menos - e isto nem sempre foi consensual - mas foi bom conhecer tudo. Fazer tudo. Provar tudo. Tentar tudo - principalmente absorver toda a magnífica cultura japonesa.
Só ficam duas coisas: saudade. Mas, acima de tudo, a felicidade por termos ido.