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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

19
Nov18

Salvador Sobral: o coração mudou mas a alma continua a mesma

Foi quase uma histeria quando vi "Matosinhos" na listagem dos próximos concertos do Salvador Sobral. "Liga, marca, anda lá!", dizia-me a amiga que acabava de me mandar a publicação, quase tão ansiosa como eu. E eu liguei para o teatro - uma autêntica prova de amor, porque fazer chamadas para pessoas que não conheço está no meu top de coisas que menos gosto de fazer nesta vida.

"Já está esgotado, menina", disseram-me do outro lado da linha. "Mas como assim, ele anunciou há minutos no facebook!", respondi atónita. Pelos vistos as pessoas foram passando e comprando bilhetes, quando viam a cara dele a passar nos ecrãs do teatro. "Estou aqui a ver e só resta um lugar, mas como queria dois só a posso pôr em fila de espera", contou-me depois de todas as explicações. É o lugar solitário, vítima de todas as pessoas que compram lugares em número ímpar e das outras que se recusam a ir sozinhas a espetáculos. "Reserve-mo!", disse logo. "Mas não eram dois?", respondeu a senhora um bocadinho confusa. "Passa a ser um".

E assim fui sozinha ao concerto do Sobral, com o último bilhete disponível de toda a plateia - mal sabendo que no dia anterior haviam de marcar outra data extra, mas sempre com o orgulho de ter comprado para o primeiro espetáculo. Aliás, esta foi uma das coisas que ele frisou: é parvo marcarem datas extra para os dias anteriores à data original, pois quem fica a perder são os "fãs a sério", que correram a comprar bilhetes para o primeiro espetáculo. "Já vim cá ontem, estou cansado, e este espetáculo vai ser uma porcaria - o que é injusto para vocês, que foram os primeiros a comprar", dizia ele em tom de brincadeira.

Mas a verdade é que o "novo" Salvador, mesmo cansado, tem muito mais energia que o antigo - e é incrível ver essa evolução, ver o quanto estava guardado por detrás daquela doença. Se achavam que ele era estranho antigamente, com todos aqueles gestos de mãos e formas de cantar, nem se aproximem de um concerto dele neste momento - em que ele salta, grita e faz trinta por uma linha para expressar aquilo que quer. A música não lhe sai só pela voz - sai-lhe pelos poros, nos movimentos, nos olhos, na expressão. Acho que é o músico que conheço que mais transparece aquilo que canta. Sente. E isso, embora seja estranho (infelizmente), é incrível. Se há coisa que detesto nas grandes bandas é tocarem só por tocar - já não se sente a alma, nem neles nem nas músicas que tocam. Parece que só ouvem o dinheiro a cair nas contas bancárias de cada vez que enchem um estádio, sem sequer saberem em que cidade estão, e prontos para passar para outra.

Não sei se o Salvador adora os fãs - ainda se nota alguma "amargura" por tudo o que aconteceu na Eurovisão e eu sinto, pelo que vi pela plateia, que a "seleção natural" ainda não está totalmente feita e há muita gente que ainda só vai mesmo ouvir a "Amar Pelos Dois". A ascensão mediática não lhe foi fácil, ainda para mais com algumas das coisas que ele foi dizendo e toda a situação de saúde pela qual passou. Mas uma coisa é certa: ele adora cantar e isso sente-se a léguas. E é ótimo que ele ainda continue a dar espetáculos pequenos e mais intimistas, como fazia na época pré-festival - pela proximidade com as pessoas e pela acessibilidade financeira que este tipo de espaços proporcionam. Mesmo eu tendo ficado na última fila do teatro, senti-o bem pertinho, e isso - para quem gosta mesmo - não tem preço.

Este concerto foi o abrir de portas do novo álbum - ele cantou várias músicas novas, entre portuguesas, castelhanas, inglesas e até francesas - e acho que só podemos esperar coisas maravilhosas. Desde letras e melodias bonitas, a uns ritmos um bocadinho diferentes (lembrou-me o Jamie Cullum a fazer rap e percussão no piano), até ao espaço já conhecido que ele dá aos seus músicos para darem asas à sua arte e terem um pouco o foco centrado neles. Por saber que será um concerto bem diferente, mas por não o querer perder por nada deste mundo, já tenho o meu bilhete para o Coliseu do Porto, onde ouvirei o álbum inteiro e já com as músicas no ouvido.

Isto porque eu não sou não sou dada a paixões - as cenas espontâneas, efémeras e super intensas não são muito a minha praia. Eu quando gosto, gosto a sério - algo para valer, de forma racional e duradoura. Sempre disse que Portugal tinha ganho a Eurovisão... mas eu ganhei o Salvador e não o vou largar tão cedo.

 

Por falar em Salvador, já ouviram a maravilhosa canção  que ele e a Luísa Sobral têm no novo álbum dela? Oiçam, por favor!!, a Só Um Beijo no Spotify. Vai ser só a melhor coisa da vossa segunda-feira.

18
Nov18

Felicidade aos molhos

Oito bebés. A Molly deu à luz oito bebés. 

Sabíamos que ela estava grávida há algumas semanas mas eu decidi não contar nada até os ver cá fora e digerir toda a informação necessária. Porque não tínhamos a certeza de quem seria o pai das crias - tendo em conta a relação extra-conjugal que  minha cadela vive com o vizinho - e porque eu, como qualquer "mãe", projetei nela os meus próprios medos: acima de tudo, um pânico enorme de que lhe acontecesse algo terrível durante o parto e eu a perdesse; depois medo pelos pequenos, medo que ela sofresse; e pena que ela não soubesse racionalmente aquilo em que se estava a meter. E, claro, já estava a sofrer antecipadamente por aquilo que irá acontecer: a procura de alguém que os queira, a preocupação de que cuidem deles e os amem e, claro, a dor de um dia deixar de os ter debaixo da minha asa.

Lidei com isso até quinta-feira, dia em que percebi nitidamente que ela tinha entrado em trabalho de parto. Só às 17h é que nasceu o primeiro bebé - mas eu estive com ela desde as 9h da manhã, à espera que tudo evoluísse. Não tenho problemas com o que estão a pensar neste momento: "és louca!". Eu sei que é só uma cadela para a maioria das pessoas. Para mim é "a" cadela e eu tinha de estar lá para ela como ela está lá para mim, em todos os momentos. Eu precisava de ter a certeza de que nada lhe acontecia (li muita coisa durante aquelas horas para já estar prevenida de antemão), de que os bebés nasciam bem - e porque queria testemunhar aquele momento. Porque eu queria estar lá e porque eu sabia que ela queria que eu lá estivesse - caso contrário não me perseguia pela casa nos breves minutos em que eu me ausentava.

Foi um dia longo e cansativo, com o rabo alapado à tijoleira, até ao momento em que ela quase se atirou para cima de mim e eu vi o primeiro a sair. Valeu todos os minutos de espera. Ao todo, entre as 17h de quinta-feira e a 1h da manhã de sexta, saíram cá para fora oito cãezinhos pretos, quatro meninas e quatro meninos - claramente filhos do vizinho, um labrador preto (uma prova evidente do adultério da minha cadela).

Ontem, infelizmente, chorei (literalmente) a morte de um menino. Agora a contagem de um a sete é uma constante sempre que os vejo, na ânsia de não perder mais nenhum. Tem sido um namoro e uma preocupação sem igual. Passo a maior quantidade de tempo possível com eles, e é a primeira coisa que faço quando acordo e a última antes de me deitar. Não quero ir trabalhar, não quero ir às aulas, não quero sair de casa - quero ficar ali, com eles, e aproveitar estes momentos em que eles parecem uns ratinhos, porque sei que daqui a nada já me estão a morder com os seus dentinhos afiados e a correr pela casa inteira. Tenho aproveitado muito, tirado muitas fotos e pretendo guardar estes momentos para sempre no meu coração. São filhos da Molly, mas é quase como se fossem "meus".

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13
Nov18

Menos telemóvel, mais vida

Há uns estudos quaisquer que dizem que um hábito se perde em 21 dias - se quisermos e fizermos por isso, claro está. Mas a verdade é que me bastaram cinco dias para perder hábitos há muito enraizados - e sim, estou a falar do telemóvel (prometo que este é o último post desta "saga"). De tal modo que, neste momento (em que vos escrevo do meu novíssimo Xiaomi Pocofone, com o qual já lido há uns dias) ainda tenho o meu smartphone quase em modo de default - ainda não mudei backgrounds, ainda não instalei o Instagram ou o Feedly, ainda não abri o YouTube. Só tenho, para já, o mínimo necessário para comunicar com os outros e dar-lhes conta de que não morri - e mesmo nesse campo impus-me novas regras.

No que diz respeito às apps, tirei o som e os alertas para as notificações de conversas de grupo (algo que somos incapazes de controlar e que nos pode levar à loucura em dias menos bons), estou a todo o custo a tentar tirar o som do Messenger do Facebook (que me parece impossível, mas continuo à procura) e, quando instalar o Instagram, ainda vou pensar no que vou fazer. Deixei de levar o telemóvel para a casa de banho (não pela razão óbvia ou por estar traumatizada com o que aconteceu ao outro - deixei-o cair por tê-lo no bolso, algo que nunca faço, e que resultou de uma mudança de rotinas esporádica - mas sim pela quantidade de tempo que passava a ver porcarias) e, de uma forma geral, de o carregar de um lado para o outro - o facto do telemóvel ser grande, me cair facilmente dos bolsos e não ser tão "maneirinho" contribui muito para este facto.

Eu não estou a dizer que estas são mudanças definitivas - mas são as mudanças que me apetece fazer agora. Habituei-me a não ser incomodada. E habituei-me, acima de tudo, a não esperar que alguma coisa caia no telemóvel - e acho que é aqui que reside a grande questão. Porque a maioria das vezes que eu clicava no ecrã principal não era para "ver as horas" - era, sim, uma constante procura por novidades, por algum tipo de contacto. Para ver se era lembrada.

Criei este hábito - diria que à semelhança de 90% das pessoas - por várias razões: primeiro por culpa dos dois anos em que trabalhei no jornal. O meu e-mail era um rodopio constante, havia novidades (não necessariamente boas) a cada refresh que fazia e eu habituei-me a checkar consecutivamente o telemóvel à espera de problemas por resolver - e, durante muito tempo, não os ter foi complicado para mim. E segundo devido à questão da socialização, ainda que aparente, que as redes sociais e as apps de comunicação nos dão. Eu sou uma pessoa só e estas aplicações são uma óptima muleta para alguém cuja parte social não é muito forte; sem falarmos com ninguém parece que conhecemos as pessoas, sentimo-nos muitas vezes integrados. Tem também uma forte componente de aprovação - quando publico alguma coisa fico sempre na expectativa de quem vai gostar ou comentar; talvez porque me sinta insegura em alguns aspetos (nomeadamente físicos) e porque sou tão humana como os outros e também gosto de ter a aprovação de quem me rodeia. Mas até no blog esta constante expectativa se aplica; ainda que a questão da insegurança não seja tão pertinente porque acredito mesmo nas ideias que aqui partilho (e defendo-as com unhas e dentes, se assim for necessário), espero sempre ansiosamente por comentários e interações - no fundo, um feedback por parte de quem me lê, para confirmar também que alguém o faz. Passava a vida a abrir o site, ou a atualizar o e-mail para ver se caía qualquer coisa. E eu quero que isso acabe. Quero não precisar disso para me sentir bem. 

E por isto, todo este atraso em relação ao telemóvel é muito mais que um simples atraso. É uma tentativa de desconexação. Não completa - continuo a falar com as pessoas, a responder às mensagens, a passear no facebook enquanto estou na fila de espera de qualquer coisa. Mas para já, que ainda não atingi o equilíbrio e tenho medo de voltar aos velhos hábitos, estou a ir passo a passo. Que, é como quem diz, app a app. É o processo de perceber que não estar ao telemóvel a vasculhar a vida e as opiniões alheias é poder ler os livros que deixei de ler, é poder trabalhar as músicas de que desisti a meio no piano, é escrever mais, é dormir mais. Há, de facto, poucos "menos" nesta equação. Talvez menos dependente. E isso basta.

 

(Sobre o meu novo Xiaomi: para já estou hipersatisfeita, estou a gostar do toque e do software (não me custou nada a mudança de iOS para Android) e as perspetivas, de tudo aquilo que li, são as melhores, dadas as características técnicas. É maior do que eu queria - gosto e telemóveis pequenos -, mas hoje em dia é tudo feito à grande, por isso não havia grande escolha. Não é uma marca fancy como o iPhone, mas está ligado há dois dias e ainda tem praticamente metade da bateria - algo que o iPhone nem no início de vida poderia sonhar. E não me venham com argumentos ao estilo "ah, é chinês...". Não que não seja verdade - mas o quê que não é chinês nos dias de hoje?)

09
Nov18

Um mundo com demasiada informação (da rubrica #Viver sem telemóvel mas a trabalhar para ter um)

Depois de ter visto o meu telemóvel ir por água abaixo - literalmente -, e sabendo que nessa situação são normalmente poucos os sobreviventes, comecei logo a pensar que outro telefone poderia comprar. Uma coisa era certa: eu estava aberta a novas experiências, e comprar um iPhone não ia voltar a acontecer. Muito para além de gostar ou não do telemóvel ou do interface, o iPhone tem o problema dos serviços adjacentes (iCloud e iTunes) que são capazes de levar até um santo à loucura - principalmente se esse mesmo santo tiver um computador que não seja Apple.

Lancei-me por isso ao mercado dos telemóveis de braços abertos, pronta para experimentar as maravilhas da Huawei, passando pela competição renhida da Xiaomi, dos rejuvenescidos Nokia e até pela Samsung, da qual nunca fui fã. E aqui começa o problema: num universo de centenas de telemóveis - mesmo que consigamos reduzir a gama devido ao fator preço - qual escolher?

Comecei por fazer o típico: ligar ao meu irmão, a pessoa em quem mais confio nestes tópicos, a pedir a sua opinião. Foi ele que me apresentou ao GSM Arena, cujas opiniões acabaram por pesar bastante na minha decisão final. O drama é que todos estes sites que avaliam telemóveis são eternamente insatisfeitos: há sempre alguma coisa que está mal, há sempre detalhes que faltam, há sempre uma lista demasiado grande de desvantagens - e pior, há sempre uma comparação com outros modelos, dentro da mesma linha e preço, que eventualmente também nos podem satisfazer (mas que também têm uma lista recheada de prós e contras). 

Chegamos a este ponto e, para além do problema inicial de escolher um telemóvel, ainda temos outro: lidar com a quantidade soberba de informações que temos nas mãos mas que, em vez de nos esclarecerem como era suposto, só nos confundem mais. Do nada, caímos num silo que em vez de ter cereais tem nomes de processadores, tipos de entrada USB, tamanhos de RAM, polegadas e diagonais de ecrã, chipsets XPTO, câmaras que vêm aos pares, não sei quantos miliamperes de bateria, cartões SD para se enfiar em vários sítios diferentes... a par dos testes à luz solar, dos altifalantes, da rapidez, da qualidade do som, da duração da bateria, da câmara fotográfica de dia e de noite, do modo de desfoque, de retrato, de paisagem, de panorama, da utilização do HDR, da qualidade do vídeo com 1080p a 30 fps ou 60 fps, com ou sem estabilizador... E, wow!, não conseguimos respirar! E se depois chegamos a alguma conclusão - algo altamente improvável, dado que o nosso cérebro está feito em papa depois de processar tamanha quantidade de informação -, ainda vemos todas as promoções em vigor, todos os sites meios rafados que têm preços altamente competitivos mas cuja confiança é duvidosa ou cujo local de envio fica do outro lado do mundo, o que é um bocado chato tendo em conta que precisamos do telemóvel para ontem. Cansativo, hun?

A verdade é que neste momento vivemos num mundo com demasiada informação sobre tudo. Há dez anos, quando se queria adquirir um telemóvel ou um carro, compravam-se revistas, analisavam-se as características e liam-se as críticas - limitadas a um espaço relativamente curto, dentro de uma ou duas páginas; tudo o resto eram opiniões com base em experiências pessoais, do indíviduo X que tinha tido imensos problemas com determinada marca ou de outro que adorava o carro Y. Mas hoje o espaço é ilimitado e não há só duas ou três revistas sobre o tópico - há milhares de fontes para escolher. Qual é que a mais fiável? Qual é aquela que procura um telemóvel com características semelhantes àquelas que nós próprios queremos?

Cheguei à conclusão de que este processo é um ciclo vicioso. Li várias críticas (em sites estrangeiros e portugueses) a uma seleção de meia-dúzia de smartphones, vi vários vídeos do youtube ("Porque é que NÃO deve comprar este telemóvel", "Porque é que este smartphone é o melhor do ano", "Comparação entre o Huawei X e Z") - e tudo isto nos leva a ainda mais conteúdos, ora porque não percebemos uma coisa, ora porque diferentes artigos se contradizem em determinado detalhe ou simplesmente porque nos são sugeridos e "mais um também não faz mal a ninguém". Até que parei. Percebi que já tinha tirado tudo o que podia dali: já tinha feito uma shortlist, já tinha feito os prós e os contras mais importantes de cada uma das minhas escolhas, já tinha todas as pré-informações possíveis e imaginárias e já tinha aprendido uma série de coisas novas ("nodge" e "chipset" passaram a fazer parte do meu vocabulário, por exemplo). 

E daí segui o derradeiro conselho do meu irmão: "vai a uma loja, experimenta o telemóvel, vê se gostas do interface, da maneira como fica na mão... e depois decides". E foi assim. Não é curioso como, no fim de tudo isto, depois de todas as horas de pesquisa, e de comparações... tudo se volta a resumir à vida real? Ao "feel" da coisa, para lá de todos os gigas, processadores e cenas geek-racionais? Somos criaturas complexas, não é verdade?

04
Nov18

Viver sem telemóvel

Ontem de manhã o meu telemóvel caiu na sanita.

 

Pronto, um parágrafo foi bastante para se rirem? Já contraíram o abdominal o suficiente à minha custa? Olhem que essas gargalhadas de gozo que estão a soltar neste preciso momento podem voltar-se contra vós - o karma é lixado, e eu estou em crer que muito telemóveis no mundo visitam diariamente sanitas alheias, por isso é melhor terem cuidado. 

Fiz tudo aquilo que dizem que se deve fazer nestas situações - tirei-o logo da água, sequei-o, tirei-lhe todas as capas e partes que podia retirar, aspirei-lhe todos os orifícios, coloquei-o no meio de sílica gel para absorver a humidade e no meio do arroz. Neste post não me quero concentrar nas hipóteses de sobrevivência do meu telemóvel (que, a meu ver, serão poucas) mas sim em como vivi estes dois dias sem telemóvel - um estudo interessante nos dias de hoje, que praticamente só é possível em alturas como estas, por obrigatoriedade.

Admito que é com surpresa que digo que me senti muito bem. Não houve cá suores frios pela síndrome de abstinência nem senti falta de, ao longo do dia, estar sempre a carrega-lo comigo. Na verdade, senti-me até algo aliviada: não me era possível ser contactada e isso não era culpa minha - e por isso tinha carta branca para não ver o que me diziam, não me sentir culpada por não responder, não ver, não atender. Porque a verdade é essa: os telemóveis fizeram com que estejamos contactáveis a 100%, a toda a hora, de todas as formas, em praticamente qualquer lugar do mundo - e, se não respondemos a esse chamamento, ou somos mal-educados por não dar resposta, ou uns totós afastados das tecnologias. 

O Miguel Araújo escreveu há uns tempos uma crónica na Visão a propósito disso e sobre o facto de não atender o telemóvel de forma deliberada, que convido a que leiam aqui (mas só depois de acabarem o meu post, está bem?). Escreveu: "Eu quase não atendo o telefone. Aquela solicitude de falar imediatamente, de estar disponível para uma conversa não solicitada é algo que eu reservo para as pouquíssimas (4 ou 5) pessoas da minha mais exclusiva intimidade. Tudo o resto (tudo!) fica resolvido com mais delicadeza, eficácia, celeridade e concludência através das outras mil maneiras que o mesmo dispositivo permite", que enumera posteriormente. Depois acrescenta: "Mas telefonar, convenhamos, soar um alarme que pede resposta imediata por parte do nosso semelhante, é quase sempre inconveniente, nos dias atarefados que correm. (...) Entendo que um telefonema convenha a quem liga. Mas dificilmente convém a quem se destina. E isso, na sua essência, é indelicado."

Na verdade, eu estendo as palavras dos Miguel dizendo que é indelicado, como um todo, esperar uma resposta imediata de alguém, qualquer que seja o meio de comunicação. E, para mim, há regras "invisíveis" que atenuam este novo paradigma, mas que aparentemente são ignoradas por quase toda a gente (um exemplo é contactar alguém depois das 18h acerca de coisas de trabalho, sabendo à partida que a pessoa em questão já não está a trabalhar - escrevi sobre isso neste post). Nesse sentido, aproveitei este momento para ter paz e não ser consumida com notificações. O meu pai emprestou-me um telemóvel antigo, em que nem sequer coloquei o meu cartão ou instalei qualquer tipo de aplicações - só os meus pais e os meus irmãos têm o número, em caso de haver alguma emergência. Não anunciei no facebook que não tinha telemóvel, não dei alternativas de contacto, não providenciei outro número; para o mundo, hibernei. Dei-me a esse luxo.

E é engraçado ver como a função primária do telemóvel - contactar e ser contactado pelos outros - não é de todo aquilo que sinto mais falta. Ontem dei por mim em três momentos a sentir a falta do smartphone: o primeiro foi ter sentido necessidade de uma sessão de meditação promovida por uma aplicação que tinha instalado (não perguntem - um dia hei-de escrever sobre isto, mas ainda estou muito no início); o segundo foi quando me deitei, altura em que queria escrever um texto que estava a começar a surgir na minha cabeça; e o terceiro foi quando acordei a meio da noite e precisei de ver as horas, momento em que tive de ligar o candeeiro para conseguir ver os ponteiros no meu relógio de pulso que já tinha deixado estrategicamente na mesinha de cabeceira. As coisas mais óbvias e que supostamente me fariam mais falta - para além das comunicações -, aquelas que me gastam mais tempo no dia-a-dia, foram aquelas de que mal me lembrei: nem facebook, nem instagram, nem whatsapp e as suas cansativas conversas de grupo. Foram coisas corriqueiras, de utilidade pessoal e não de procrastinação.

É lógico que isto não vai durar para sempre - e é óbvio que a minha despreocupação com o telemóvel não é assim tão grande. Chateia-me tê-lo deixado cair, aborrece-me e entristece-me plenamente a possibilidade de perder algumas coisas de que não tinha feito backup e irrita-me ter de gastar dinheiro noutro telemóvel quando ainda queria que este durasse dois anos para o conseguir "amortizar" por inteiro. Mas às vezes não temos escolha. E é bom ver que, afinal, até vivo muito bem sem uma coisa que já parecia uma extensão de mim. Melhor que isso: perceber que até gosto de viver sem ela.

 

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03
Nov18

"Então estás a gostar de voltar à faculdade?"

Este ano voltei à faculdade. Toda esta reentré foi diferente do normal, por muitos motivos, mas em particular por estar a direcionar a minha vida para aquilo que, calculo, será o meu futuro profissional - trabalhar nos negócios de família. Achei que tirar algo relacionado com gestão - já que não o fiz na licenciatura, em que divergi completamente desta área - era essencial, pelo menos para ter uma ideia daquilo que precisarei de saber no futuro. 

Escolhi um curso executivo - não queria nada teórico, nem que me obrigasse a teses ou a encher mais chouriços do que já enchi na minha anterior vida académica. A ideia é ser prático, intensivo, incisivo; ir direto à questão, abordar os temas de caras e não andar às voltas.  

Isto seria o sonho de qualquer um que tem no seus tempos académicos recordações incríveis; mas não para mim. Custou-me dar este passo, porque tenho bem vivas as memórias dos meus tempos de faculdade. E embora não seja um bicho-papão de sete cabeças, não é algo que eu quisesse reviver. Fi-lo por necessidade, por saber que era algo que me podia fazer falta no futuro (todos sobrevivemos sem um curso, mas conseguimos viver melhor com as ferramentas que ele nos dá). E por isso inscrevi-me.

"E estás a gostar?", pergunta-me toda a gente. Sinto que todos me fazem esta pergunta e tiram logo as devidas conclusões quando olham para a minha cara, que não mente. Mas a verdade é que a minha cara de "quase não" não presta as devidas explicações que devem ser dadas neste caso. Eu estou a ser guiada por um objetivo futuro, a médio-longo prazo; e faz parte da existência humana querer a satisfação imediata das coisas, algo que me é impossível neste momento. Portanto é preciso decompor esta pergunta "simples" em várias partes para poder ter uma ideia real daquilo que eu sinto. "Está a dar-te gozo tirar este curso?" Não. "Estás a gostar de voltar aos estudos, de ter aulas, exames e trabalhos por fazer?" Nem pensar! Ao longo dos anos fui-me apercebendo de que apesar de adorar aprender, não tiro o menor prazer em ter aulas no seu formato clássico - e muito menos estudar para exames ou fazer trabalhos de grupo. Tenho sentido muitas dificuldades em ter força de vontade para organizar as aulas e estudar. "Mas achas que este curso terá utilidade futura e que te pode trazer algum tipo de vantagem?" Claro que sim. E é esse o meu foco.

Não tem sido fácil voltar a um sítio (ainda que figurativo) onde não fui feliz. Reencontrei-me com a frustração de não perceber as coisas, bati outra vez de cabeça com algumas matemáticas e com aquele sentimento que já me tinha esquecido de querer muito entender algo e não conseguir; voltar a ter o ritual de pegar nos livros, ter hábitos de estudo, está a ser duro (lembro-me que no meu último ano de faculdade já foi uma agonia fazer resumos e passar horas infinitas agarrada a um determinado tema); e, claro, há dias em que nem sempre é fácil estar atenta durante as três horas de uma aula. 

Mas a verdade é que, dentro do que já conhecia, houve muito de novo para mim: pessoas diferentes daquelas que conheci no passado (o grupo - com quem simpatizei à partida - é muito heterogéneo, quer em termos de formação, ramos de trabalho ou idades); umas instalações incríveis (passar de um polo que nem um café tinha para um local com salas de aula com fichas elétricas em cada lugar, dois projetores e cadeiras almofadadas e de rodinhas é quase um sonho); disciplinas que sempre me assustaram mas que não me fazem pensar "para que é que eu estou a gastar o meu tempo nisto?"; e num horário que não me é simpático (chego tarde a casa, privo-me de jantar com os meus pais e chego ao final da noite com demasiada energia). Mas aquilo que mudou, acima de tudo, fui eu: já não sou uma caloira assustada com o desconhecido. Não houve dramas com a praxe, não houve a necessidade imediata de me integrar; não há dúvidas, não me pergunto diariamente "porque é que estou aqui?" e não ponho em cima da mesa desistir a qualquer momento.

A modos que é isto. A minha nova passagem pela faculdade é como este texto: uma mixórdia complicada de sim's, não's, talvez, depende's. E esperança. Apesar de tudo, acho que esta nova aventura tem conseguido fazer com que eu limpe a má imagem que, ao longo dos anos, fui construindo sobre o mundo universitário - o que, só por si, já vale a pena.

 

(agora vou estudar - escrever este texto foi só uma desculpa para me escapar ao cálculo financeiro pela enésima vez. já vos disse que estudar tem sido muito difícil?!)

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