Salvador Sobral: o coração mudou mas a alma continua a mesma
Foi quase uma histeria quando vi "Matosinhos" na listagem dos próximos concertos do Salvador Sobral. "Liga, marca, anda lá!", dizia-me a amiga que acabava de me mandar a publicação, quase tão ansiosa como eu. E eu liguei para o teatro - uma autêntica prova de amor, porque fazer chamadas para pessoas que não conheço está no meu top de coisas que menos gosto de fazer nesta vida.
"Já está esgotado, menina", disseram-me do outro lado da linha. "Mas como assim, ele anunciou há minutos no facebook!", respondi atónita. Pelos vistos as pessoas foram passando e comprando bilhetes, quando viam a cara dele a passar nos ecrãs do teatro. "Estou aqui a ver e só resta um lugar, mas como queria dois só a posso pôr em fila de espera", contou-me depois de todas as explicações. É o lugar solitário, vítima de todas as pessoas que compram lugares em número ímpar e das outras que se recusam a ir sozinhas a espetáculos. "Reserve-mo!", disse logo. "Mas não eram dois?", respondeu a senhora um bocadinho confusa. "Passa a ser um".
E assim fui sozinha ao concerto do Sobral, com o último bilhete disponível de toda a plateia - mal sabendo que no dia anterior haviam de marcar outra data extra, mas sempre com o orgulho de ter comprado para o primeiro espetáculo. Aliás, esta foi uma das coisas que ele frisou: é parvo marcarem datas extra para os dias anteriores à data original, pois quem fica a perder são os "fãs a sério", que correram a comprar bilhetes para o primeiro espetáculo. "Já vim cá ontem, estou cansado, e este espetáculo vai ser uma porcaria - o que é injusto para vocês, que foram os primeiros a comprar", dizia ele em tom de brincadeira.
Mas a verdade é que o "novo" Salvador, mesmo cansado, tem muito mais energia que o antigo - e é incrível ver essa evolução, ver o quanto estava guardado por detrás daquela doença. Se achavam que ele era estranho antigamente, com todos aqueles gestos de mãos e formas de cantar, nem se aproximem de um concerto dele neste momento - em que ele salta, grita e faz trinta por uma linha para expressar aquilo que quer. A música não lhe sai só pela voz - sai-lhe pelos poros, nos movimentos, nos olhos, na expressão. Acho que é o músico que conheço que mais transparece aquilo que canta. Sente. E isso, embora seja estranho (infelizmente), é incrível. Se há coisa que detesto nas grandes bandas é tocarem só por tocar - já não se sente a alma, nem neles nem nas músicas que tocam. Parece que só ouvem o dinheiro a cair nas contas bancárias de cada vez que enchem um estádio, sem sequer saberem em que cidade estão, e prontos para passar para outra.
Não sei se o Salvador adora os fãs - ainda se nota alguma "amargura" por tudo o que aconteceu na Eurovisão e eu sinto, pelo que vi pela plateia, que a "seleção natural" ainda não está totalmente feita e há muita gente que ainda só vai mesmo ouvir a "Amar Pelos Dois". A ascensão mediática não lhe foi fácil, ainda para mais com algumas das coisas que ele foi dizendo e toda a situação de saúde pela qual passou. Mas uma coisa é certa: ele adora cantar e isso sente-se a léguas. E é ótimo que ele ainda continue a dar espetáculos pequenos e mais intimistas, como fazia na época pré-festival - pela proximidade com as pessoas e pela acessibilidade financeira que este tipo de espaços proporcionam. Mesmo eu tendo ficado na última fila do teatro, senti-o bem pertinho, e isso - para quem gosta mesmo - não tem preço.
Este concerto foi o abrir de portas do novo álbum - ele cantou várias músicas novas, entre portuguesas, castelhanas, inglesas e até francesas - e acho que só podemos esperar coisas maravilhosas. Desde letras e melodias bonitas, a uns ritmos um bocadinho diferentes (lembrou-me o Jamie Cullum a fazer rap e percussão no piano), até ao espaço já conhecido que ele dá aos seus músicos para darem asas à sua arte e terem um pouco o foco centrado neles. Por saber que será um concerto bem diferente, mas por não o querer perder por nada deste mundo, já tenho o meu bilhete para o Coliseu do Porto, onde ouvirei o álbum inteiro e já com as músicas no ouvido.
Isto porque eu não sou não sou dada a paixões - as cenas espontâneas, efémeras e super intensas não são muito a minha praia. Eu quando gosto, gosto a sério - algo para valer, de forma racional e duradoura. Sempre disse que Portugal tinha ganho a Eurovisão... mas eu ganhei o Salvador e não o vou largar tão cedo.
Por falar em Salvador, já ouviram a maravilhosa canção que ele e a Luísa Sobral têm no novo álbum dela? Oiçam, por favor!!, a Só Um Beijo no Spotify. Vai ser só a melhor coisa da vossa segunda-feira.