Sexta-feira foi um dia importante porque, de alguma forma, pus fim a um ciclo. Algures em Março deste ano decidi que ia deixar o trabalho onde estou há quase dois anos e todos estes meses têm sido de preparação para a minha saída. Sexta foi o dia em que, para todos os efeitos, deixei tudo pronto para ir embora; a data que defini para ter tudo em ordem para que o meu trabalho continuasse a ser (bem) feito pelos outros, para que a minha ausência provocasse o menos impacto possível. É tempo de férias. Vou descansar as ideias, ficar morena, desfrutar da ausência de stress e do “pling” dos e-mails a caírem na caixa de correio. Até porque sei que depois nada vai ser como dantes: ainda volto ao escritório, às pessoas que me viram nascer enquanto “trabalhadora”, mas agora quase em modo consultora, para ajudar a lançar mais um projeto. Depois, talvez, o adeus definitivo. Até lá, férias, descanso e viagens, pontuadas por momentos de trabalho, para não esquecer a sensação ;)
Tomar a decisão não foi fácil, dizer que me ia embora não foi fácil, estar estes meses a trabalhar e a saber que estava a preparar a minha própria saída não foi fácil. Acima de tudo, para mim, foi difícil sentir que sou substituível. Não é que, racionalmente, não o soubesse; mas uma das coisas que mais me puxava a trabalhar era saber que fazia parte de algo maior que eu, mas do qual eu era uma peça fundamental. E deixou de ser assim. Passei pelo processo de escolha das pessoas que me iam substituir e ensinei-as até chegar o dia em que praticamente as minhas funções ficaram vazias. Passei-lhes tudo. Do trabalho chato e mais burocrático, passando pela escrita e a parte criativa, assim como a gestão da parte online, entre tantas outras coisas. Algumas que eu ajudei a criar de raiz e que, tenho a certeza absoluta, ninguém conhece melhor que eu. Era quase o meu bebé... que mudou de colo.
A verdade é que eu nunca escondi de ninguém que esta seria uma fase da minha vida passageira, até por sentir que o meu caminho já estava traçado há muitos anos, ainda eu não me tinha desviado de todos os planos iniciais. Para além de que, para mim, é inconcebível trabalhar num sítio a vida inteira (a menos que seja um negócio nosso, do qual não nos podemos "despedir" assim de um momento para o outro) - muito menos na fase em que eu estou, em que preciso de movimento. Tenho muitos anos pela frente, em que vou querer paz e sossego, e não acho que agora seja altura para isso. Tenho 23 anos, trabalho há tempo inteiro há dois, e tenho medo de estar a perder "os melhores anos da minha vida" com responsabilidades crescentes e chatices diárias (ainda que muito minhas), que me tinham vindo a tirar alguma qualidade de vida nos últimos tempos.
Cheguei a um ponto em que comecei a desenhar o meu futuro e a pensar "vai ser só isto?". Fiz todo o meu percurso sem pausas ou paragens. Acabei o secundário, fui para a faculdade; apesar de ter vacilado muito nos meus três anos de curso, completei tudo sem deixar nunca uma cadeira para trás e segui para estágio; no estágio propuseram-me trabalhar, eu disse que sim, e é assim que estamos até agora. Já tinha algumas responsabilidades no meu trabalho atual e uma carga de trabalho valente, que sempre tentei articular com tudo aquilo que queria fazer no dia-a-dia, graças a uma flexibilidade de horários, por vezes, quase heroica. Mas ou parava agora ou continuava com a minha vida estilo maratona, sem parar para respirar.
Percebi que este ia ser o gap da minha vida. Estou entre o trabalho que escolhi e o trabalho que vou ter que fazer (que também escolhi, mas que foi algo "naturalmente imposto" pelo meu dia-a-dia, pela minha infância e pelo estilo de vida que quero manter). Perspetivei o meu futuro a médio prazo enquanto empresária e vi que aí sim, a minha vida vai ser dura; aí é que eu tenho mesmo de trabalhar aos fins-de-semana, fazer horas extraordinárias, passar almoços de amigos ou saídas em prol de um negócio bem sucedido. Aí é que eu vou suar as estopinhas, dar o tudo por tudo - porque aí as coisas dependem de mim e o meu sucesso deverá ser proporcional ao meu esforço (ou assim o esperamos..). Aí é que eu vou sentir o peso da responsabilidade, quando tiver pessoas a meu cargo, salários para pagar e um orçamento para gerir.
Há dois anos fui trabalhar porque quis e voltava a fazer o mesmo - vá-de retro a faculdade! Tive sorte em quase tudo e quase tudo foi incrível. Mas comecei a sentir peso nas costas - da responsabilidade, do medo de não estar a aproveitar estes anos, de estar a levar uma vida apressada e demasiado seguida. Olhei à minha volta e apercebi-me que quase todos os meus colegas estavam a "viver a vida", independentemente do sentido que dessem a essa frase - a namorar, a viajar, a ir de erasmus, a fazer voluntariado num país qualquer que eu nem sei precisar no mapa, a ir de boleia pela Europa, a marcar férias sem terem de se preocupar com o facto de só terem 22 dias úteis para as gozar. E olhei para mim, a levar uma vida sedentária que podia ser a de alguém na casa dos seus trinta e tal anos, e disse que se calhar era a altura de acordar.
É engraçado, porque eu sempre tive escolha. Fui livre de fazer o que quis quando terminei a licenciatura e, curiosamente, acabei por me prender a mim própria. Nos últimos tempos senti-me acorrentada ao trabalho e quando percebi que podia estar a gozar dessa forma os últimos anos de alguma liberdade, quase que entrei em pânico. E quando digo "liberdade", refiro-me a poder ir de férias sem ter de avisar com três meses de antecedência e sem ter de contar os dias úteis; a poder ficar a dormir um bocadinho mais de manhã por ter estado a tossir a noite inteira; a poder empenhar-me com afinco em algo que me está a dar realmente prazer, como é o caso do piano. No fundo, é ter flexibilidade e menos responsabilidade em cima dos ombros.
É claro que tudo isto é muito bonito, se descontarmos toda a carga emocional que esta decisão acarreta. Vai-me custar não ver o meu nome impresso num jornal mensal, a assinar um qualquer texto; vai-me doer não ter uma credencial do Portugal Fashion sem o "P" de press; vai ser duro deixar de ter a companhia diária de algumas pessoas que me enriqueceram, pessoal, profissional e culturalmente; e, acima de tudo, vai-me fazer muita falta sentir-me essencial em algo - ser importante numa estrutura, estar mais que integrada nela, fazer parte de algo (essa coisa em que, ao longo da minha vida, sempre fui tão má). Até porque a lista de coisas que aprendi nestes dois anos é infindável. Vão ser lições que vou carregar para a vida. Uma das mais importantes (e que eu já sabia, mas que continuo a confirmar) é que nem tudo é preto ou branco, como eu quero ver. Não gosto de cinzentos, mas aprendi a resignar-me (um bocadinho, vá...) que eles existem. Nem a minha saída vai ser preto no branco: não trouxe as coisas todas, não deixei as chaves. Vou voltar, tenho trabalho em mãos (já não tenho é as rotinas) e não sei se algum dia vou sair por completo. Mas para alguém como eu, que gosta dos tons nos seus extremos, isso é confuso. Por um lado bom, porque não é algo abrupto; por outro, o vai-não-vai causa-me instabilidade.
Estou por isso a passar uma fase incerta, entre a alegria de um futuro que eu acho que vai ser risonho e a dor de deixar um trabalho que me deu muito; entre as certezas de um presente com um dia-a-dia de rotinas e de um futuro que terá de ser totalmente governado por mim; entre a vontade de ver o que vem aí e a saudade que já se aloja dentro de mim; no fundo, entre saber se tomei a decisão certa ou a decisão errada. Tem sido também uma lição de "adultismo": tomar uma decisão, leva-la avante e arcar com as consequências. Respirar fundo, ganhar coragem e enfrentar o boi pelos cornos. Ficar magoada. Aprender a curar-me. E saber andar em frente.
Tenho vários planos para o que vem aí mas não sei timings nem nada em concreto. Lá está, é tudo um bocadinho cinzento, e isso inquieta-me profundamente. Ao ponto de não me apetecer escrever - algo que aconteceu muito ao longo dos últimos meses - por ocupar tanto espaço na minha mente. Vai ser uma aventura. Agora é concretiza-la, não me deixar ficar pelas ideias e fazer desta oportunidade aquilo que eu realmente quero dela.
Estou a dar-me tempo para viver a vida. O momento é agora.