Nápoles foi a penúltima paragem do cruzeiro que fiz em Julho (lembram-se? aquele sobre o qual eu disse que ia escrever mundos e fundos e ainda não escrevi nem metade do que queria e já estamos quase no fim do ano?). No entanto é uma cidade sobre o qual eu vos posso contar pouco ou nada. Porquê? Porque tal como já tinha escrito num outro post, um cruzeiro implica escolhas: e as horas que tínhamos em Nápoles eram reduzidas e as visitas guiadas em questão não eram brilhantes na oferta que proporcionavam. Podíamos ir a Pompeia e ao Vesúvio, mas não sobrava tempo para uma visita a Nápoles; o mesmo acontecia com Capri - era sair do nosso barco, entrar noutro para ir a Capri e voltar rapidinho, sem tempos para atrasos ou desvios - e apesar de eu querer muito conhecer esse sítio, a visita era tida como extenuante e o meu pai poderia não a conseguir fazer; a outra opção era ficar pela cidade, mas não conseguíamos ver mais nada nas redondezas e, segundo a maioria, Nápoles não é uma cidade tão bonita como outros ex-libris italianos (embora seja das maiores cidades de Itália).
A nossa decisão acabou por recair sobre Pompeia, que fica a cerca de meia hora de carro do porto de Nápoles. Não queríamos ir ao Vesúvio e, se quiséssemos, também não poderíamos ir: devido à quantidade elevada de incêndios que existiam na altura, as visitas de turistas estavam interditas. Isto fez com que o nosso grupo fosse enorme, uma vez que se juntaram as visitas de Pompeia com aquelas que iam também ao vulcão, o que não ajudou particularmente. Pompeia é gigante, muito ainda está por escavar e descobrir, mas a quantidade de visitantes é proporcional ao seu tamanho: são aos milhares e milhares de cada vez. É muito fácil perdermo-nos do grupo enquanto tiramos uma foto ou quando desaceleramos para termos mais cuidado a andar num sítio qualquer, por isso toda a atenção é pouca.
A nossa visita durou umas três horas - o que só dá para ver uma ínfima parte do local - mas, mesmo assim, foi bastante dura. Estava um calor abrasador (talvez o mais intenso de toda a viagem) e o facto de sermos um grupo de 50 pessoas, de estarmos rodeados de outro grupos (inclusivamente de outros barcos, com placas e números iguais aos nossos), algumas ruas serem muito estreitas, sem sombras, com degraus enormes e o chão completamente desnivelado não ajudaram.
Começámos por entrar numa oficina de camafeus, que existia à entrada das ruínas. É um negócio típico daquela zona e é apenas uma forma de nos arrancar ainda mais euros do bolso. Há, de facto, peças incríveis - mas também muito caras. Como típicos italianos dão descontos, regateiam os preços, mas eu resisti à tentação de trazer algo para casa - até porque quanto mais pequenas são as peças, mais caras se tornam, porque o nível de trabalho e de pormenor são maiores. Logo à entrada vimos um artesão a fazê-los, como podem ver na foto abaixo.
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Artesão a esculpir o camafeu
Para quem não conhece, uma breve contextualização: Pompeia era uma cidade do império Romano que, no ano 79, foi totalmente destruída devido a uma erupção do Vesúvio. Só no século XVIII é que se descobriu a cidade soterrada e começaram as primeiras escavações que, até agora, resultaram no que está à vista de todos: um conjunto enorme de ruínas, objetos, vestígios e corpos desse tempo, que se mantiveram intactos e conservados no meio da lava e das poeiras.
A nossa guia era muito simpática e energéca, mas eu tento sempre pôr um filtro em quase tudo o que ela (e os outros) dizia. Ela contava-nos o que é que se faziam naqueles espaços, muito detalhadamente, e eu pergunto-me sempre se de facto as coisas eram mesmo assim. De qualquer das formas, tudo o que aqui escrevo foi o resultado daquilo que ela nos disse. Para começar, ela adiantou-nos que para ver bem Pompeia eram necessários dois dias - nós vimos o que pudemos em três horas. Abaixo podem ver o campo onde os lutadores/gladiadores treinavam - os pilares e algumas paredes estavam em bom estado de conservação.
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Praça de treinos
Uma das coisas comuns em ruínas romanas eram os banhos. Também em Pompeia se via bem o espaço dedicado à limpeza e relaxamento das pessoas, inclusivamente com aquilo que ela chamou de "balneários". Estas zonas estavam cobertas de mármores que, já não me recordo bem quando, foram pilhadas e utilizadas em palácios.
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Atrás de mim estão "os cacifos", que serviam para guardas as roupas
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Banhos romanos
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O teto e uma janela - onde existia vidro, algo raro para a época - também na zona dos balneários
Não sei como é que funcionam as visitas sem guia, mas eu não aconselho. É provavelmente oferecido um mapa, mas aquilo é tão grande - aliás, é uma cidade, basta dizer isso - que é muito fácil perdermo-nos e tudo parecer igual (que é). É necessário estar com alguém que conhece para nos despertar a atenção para alguns pormenores muito interessantes e nos fazer ver certas coisas que, a olho nu, seriam só mais um conjunto de pedras.
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Uma das ruas de Pompeia
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Aqui conseguem ver-se as marcas deixadas no chão pelos carros de mercadorias que andavam nas ruas principais de Pompeia, que mostram o grande movimento que havia nas principais ruas da cidade
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Não resisti a tirar uma foto estilo Beatles, versão pedras-de-Pompeia em vez de passadeira-em-Liverpool
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Uma padaria, onde se percebem claramente para que servem todas estruturas: à esquerda, o forno; no centro, uma mó, para fazer farinha, que era geralmente movimentada por burros, que andavam ali às voltas
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Uma casa de banho pública - e sim, aqueles calhaus são sanitas
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Numa das ruas, onde uma arcada permaneceu intacta
Existe também a possibilidade de visitar o interior de uma ou outra casa. Um desses espaços - diria eu, o mais "polémico" - é o bordel. Segundo o que nos disseram, Pompeia era uma cidade onde se faziam inúmeras trocas comerciais, por isso ia lá gente de todo o mundo, que não falava latim. O bordel era um sítio popular entre os negociantes de outros países e as prostitutas comunicavam com eles através de imagens que estavam pintadas nas paredes, sobre as posições que cada um queria assumir - pinturas essas que ainda podem ser vistas. Dá também para ver os quartos, com camas de pedra que deviam ser deveras confortáveis, e também o quarto de banho, onde elas se lavavam. O caminho para o bordel estava indicado nas ruas com pénis esculpidos no chão ou nas paredes. Os símbolos fálicos eram muito comuns na altura e eram tidos como amuletos da sorte e de fertilidade - mas, pelos vistos, neste caso específico, diziam mesmo respeito aos caminhos para fazer os homens mais felizes ;)
Outro dos locais que se pode visitar é a Casa da Pequena Fonte - um espaço que teria dois andares, onde se incluía o tal terraço com a fonte (muito bonito, cheio de desenhos tanto nas paredes como no chão, feitos através de pequenos mosaicos - um pouco à semelhança do que se vê em Conímbriga). A estrutura da casa não é muito percetível, mas com a explicação da guia consegue-se imaginar bem onde seriam os quartos, a sala ou a casa de banho.
Um detalhe importante: havia canalização em algumas ruas! Há coisas inacreditáveis na civilização romana e ainda se conseguem ver os canos de água que passavam nas ruas, em direção às casas.
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Uma das pinturas presentes nas paredes do bordel
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Um dos quartos do bordel
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Na Casa da Pequena Fonte
Uma das zonas mais movimentadas de Pompeia é a praça central - uma coisa enorme, cheia de pilares, que dá para perceber a imponência daquilo que foi a cidade. É lá que está também um dos sítios que tem sempre mais gente: o local onde estão os corpos "petrificados". Na verdade, só um dos exemplares que lá está é que é real - todos os outros (e serão uns cinco, ao todo - onde se inclui um cão, um velho e uma criança) são réplicas das "carcaças" que foram encontradas nas ruínas. Não é nada que impressione, não há sangue ou algo semelhante a vivo ali, até porque se não olharmos com atenção nem percebemos bem do que se trata - a única coisa que pode chocar são as posições em que os corpos se encontram, claramente em forma de sofrimento. É muito difícil sequer de imaginar o que é ver uma quantidade imensa de lava a vir na nossa direção e sabermos que a morte é a única saída.
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Na praça central
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A praça central (se bem me recordo, a estátua não é da Roma Antiga)
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O cão petrificado
Perguntam-me várias vezes se a ida a Pompeia vale a pena. Eu digo o seguinte: depende. Depende dos gostos de cada um, no interesse em história antiga. A visita a esta cidade é um injeção de conhecimentos (ou supostos conhecimentos, lá está) sobre a forma de vida da Roma Antiga e é de facto incrível ver tudo o que tinham para a época. Nós achamo-nos muito evoluídos, mas por vezes esquecemo-nos que já naquela época eles tinham sistemas de canalização e outras "tecnologias" que nos deixam de queixo caído. Mas se a visita não for bem feita, se não tiverem alguém que de facto perceba do assunto ou conheça Pompeia ou se simplesmente não se interessam por estes temas, talvez não valha a pena. As opiniões dividem-se mas, pessoalmente, gostei. Tive pena que o nosso grupo fosse tão grande e estivesse tanto calor - penso que fora dos meses da época alta a visita seja incomparavelmente mais agradável, por isso tentem ter isso em conta se estão a ponderar uma ida lá.
Quando voltamos a Nápoles, e apesar de ainda faltarem um par de horas para sairmos do porto, fomos para o barco. Olhando de fora, eu sei que isto parece um desperdício: estar numa cidade e não aproveitar para a visitar. Eu própria penso assim - e dou o litro sempre que viajo - mas, também por isso, chego a um ponto em que estou toda rota. Aqui já estava com mais de uma semana de cruzeiro no lombo, cheia de horários trocados e duros, assim como muitos quilómetros nas pernas - e o calor matou-me, não podia com um gato pelo rabo. Aproveitei para dormir uma sesta, fazer a mala (que tinham de ser entregues antes do jantar - só as vimos no dia seguinte, quando saímos do barco) e preparar-me para o dia seguinte, onde faríamos uma paragem hiper-rápida e resumida em Roma.
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À saída, uma das escavações ainda a decorrer