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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

30
Ago17

Siracusa e os vestígios do Império Grego [Sicília]

Tive uma pena enorme de só ter ficado um dia na Sicília. Acho que trocava facilmente os dois dias que tive em Malta ou em Dubrovnik por esta ilha italiana onde quero, definitivamente, voltar. Há uma coisa muito importante nos cruzeiros e que é preciso ter em conta: é preciso tomar decisões, prescindir de ver algumas coisas para poder visitar outras. Não há tempo para tudo. Em sítios pequenos e com pontos de interesse próximos, é mais fácil de resolver: mas eu sinto que podia correr a Sicília de uma ponta à outra sem me cansar e, por isso, tivemos mesmo de decidir onde queríamos ir, o sítio que achávamos que valia mais a pena. (O mesmo aconteceu em Nápoles - conto noutro texto).

Aqui tínhamos uma ajuda: os meus pais conhecem bem a Sicília e sabiam bem aquilo que me queriam mostrar primeiro. Nós aportamos em Catânia, mas decidimos ir numa tour até Siracusa. Ao todo, tínhamos umas oito horas na ilha e elas tinham de ser bem usadas - e se era para ir para longe, mais valia ir numa tour, porque assim tínhamos garantias de que o barco não partia sem nós. Não havia hipóteses de ir, por exemplo, até Palermo, a capital - só para terem uma noção, apesar de ser uma ilha e fazer parte de Itália, a Sicília é cerca de 80 vezes maior que Malta! Se era para sair de Catânia (que, relativamente a outras cidades, é mais pobre em monumentos) havia duas hipóteses: ou ir para norte, para Taormina, ou ir para sul, para Siracusa. Nós escolhemos a segunda opção, a terra de Arquimedes - um sítio que os meus pais tinham adorado, maioritariamente pelas ruínas gregas, que ficava a cerca de uma hora de carro do sítio onde estava o barco.

O meu pai sempre me disse que se eu queria ver resquícios da civilização grega não era à Grécia que tinha de ir, mas à Sicília. E, embora não saiba o estado de conservação das coisas na Grécia, há de facto muito resquícios deste império para ver nesta ilha - os mais populares estão em Siracusa e em Taorimina. Como já tem vindo a ser recorrente nestes meus textos (e na história), muitas das ruínas foram devastadas por terramotos - em particular no século XVII, segundo o nosso guia. Ainda assim, estão em óptimo estado de conservação por isso, para quem gosta de história, aconselho vivamente a visita!

A chegada a Catânia correu logo bem. Quando fui tomar o pequeno almoço olhei pela janela e algo que me pareceu familiar. Olhei melhor e percebi que o que via, uma escultura na parede, só podia ter uma assinatura: Vhils. Uma das paredes do porto, gigante, tinha o olhar de um velho, num tipo de arte que não tem outro autor senão o nosso português. Fiquei logo super contente por ter algo nosso num sítio que eu já sentia que ia gostar muito.

 

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A obra é feita em oito silos de cereais e é a maior que Vhils já fez.

 

Tudo nesta viagem correu bem. O nosso grupo era pequeno, o que facilitou imenso a dinâmica e os passeios - devíamos ser uns 16 - e o guia era absolutamente espetacular. Culto, cheio de graça e tipicamente italiano - tudo o que um guia pode ter de bom! Durante a viagem viemos sempre à conversa com um rapaz porto-riquenho, com cerca de trinta anos, que viveu uns meses em Portugal e que era apaixonado pelo nosso país, história e cultura - e sabia mais sobre o nosso passado do que a grande maioria das pessoas da sua idade. Fiquei impressionada!

A nossa primeira paragem em Siracusa foi no Parque Arqueológico de Neapólis, onde se pode ver o teatro grego e o anfiteatro romano, assim como a Orelha de Dionísio e outras grutas muito interessantes. As fotos abaixo dizem respeito ao teatro grego - aqui só se encenavam peças e não havia microfones para ninguém: tudo estava estudado para a acústica ser perfeita. Não se percebe muito bem, mas estavam a decorrer trabalhos no centro do teatro, porque todos os anos se faz lá uma peça, aproveitando as estruturas originais. A forma, as portas, as bancadas e os subterrâneos do teatro são perfeitamente percetíveis - aguentaram não só a passagem do tempo mas também as explorações e a retirada de materiais (enormes pedras) no século XVI, que serviram para fortificar a cidade.

 

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No teatro grego, do século V a.C.

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No teatro grego

 

Nas fotos abaixo pode ver-se o anfiteatro romano onde, aqui sim, ocorriam lutas entre homens e animais. Este está em muito pior estado de conservação - as ervas tomaram conta do sítio - mas mesmo assim, de um dos lados, as bancadas são percetíveis e os subterrâneos (de onde os animais saíam e onde eram mantidos durante dias sem comida, para terem fome quando fossem lutar) também.

 

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No anfiteatro romano, que data de II d.C  e é o maior na Sicília

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Anfiteatro romano

 

Outra das coisas incríveis neste parque é a Orelha de Dionísio - uma gruta artificial, com 23 metros de altura, feita provavelmente à custa de muito trabalho escravo e que serviria originalmente para armazenar água. Foi-lhe dado este nome pela sua forma e porque tem uma acústica incrível - falando normalmente dentro da gruta, parece que estamos a cantar uma ópera, devido ao eco que se reproduz de forma altíssima. Diz-se que Dionísio punha lá os seus prisioneiros, saía da gruta e ficava cá fora a ouvir aquilo que eles diziam/gritavam - algo que, por razões físicas que não sei explicar, já não acontece hoje, mas o efeito sonoro dentro da gruta e o seu enorme impacto visual já valem a visita.

 

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Orelha de Dionísio

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No interior da Orelha de Dionísio

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Nos caminhos do parque arqueológico

 

Depois partimos para Ortigia, no centro de Siracusa - mais precisamente à Praça Duomo, onde tivemos algum tempo livre, que voou sem darmos conta. Deu para comermos um gelado (o calor era, uma vez mais, abrasador), entramos numa igreja mais pequena, a Chiesa di Santa Lucia alla badia, que tem uma das pinturas mais famosas de Caravaggio, o Il seppellimento di Santa Lucia, e demos uma voltinha pelas vielas, cheia de lojas giras, com detalhes e souvenirs que arrebataram o meu coração. Por falta de tempo não entramos na Catedral, muito bonita por fora, também dedicada a Santa Luzia. 

 

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Praça Duomo

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Chiesa di Santa Lucia alla badia

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Fachada da Catedral

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Detalhes

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Nas ruelas de Ortigia

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O nosso guia

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Catedral

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Também havia coches por lá

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Mais vielas

 

Esta foi a única visita que fizemos que incluía almoço - aprendemos o ano passado que, se pudéssemos evitar fazer refeições nas excursões, o faríamos. Ainda hoje não sei, por exemplo, aquilo que comi na Finlândia - mas sei que não voltava a repetir, uma vez que nem a comida nem o sítio eram grande coisa. Fui um bocadinho receosa para este almoço mas, como tudo nesta visita, foi tudo bom: ficamos numa mesa só os três, com vista para o mar, num restaurante muito simpático chamado La Terrazza Sul Mare, que fica no topo do Grand Hotel Ortigia, bem no centro de Siracusa. Comemos uma massa com tomate e camarão e um filete de robalo, ambos bem feitos e apaladados, o que deu para desenjoar das comidas do barco. 

 

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As águas cristalinas da Sicília

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O Vulcão Etna, sempre a fumegar

 

A Sicília é, sem dúvida nenhuma, um dos sítios onde quero muito voltar, alugar um carro e correr de uma ponta à outra. Pareceu-me ter tudo aquilo que gosto: águas lindas, história e um aspeto pitoresco, com aquelas típicas ruelas italianas que tanto vemos nos filmes. Correspondeu a todas as minhas expectativas, a tudo aquilo que tinha ouvido: até o facto dos sicilianos serem uns loucos a conduzir (o nosso guia atirava-se para o meio da estrada para os obrigar a parar e nós podermos atravessar em segurança, era de rir!). Descobri ainda que a Sicília tem um dialeto próprio que contém muitas palavras iguais ao português - mais uma razão para lá irmos. Acho que ninguém se vai arrepender!

29
Ago17

Meu querido mês de Agosto

Este Agosto foi estranho e muito atípico para mim que, pela primeira vez na vida, tive de fazer alguma coisa durante um mês onde sempre tive férias. Foi estranho, confuso, mas bom, até porque percebi as maravilhas de trabalhar enquanto tudo está de férias.

Trabalhar em Agosto é não apanhar trânsito na comum hora de ponta, mesmo nas piores estradas; é ter lugar à porta do prédio onde trabalhas e ainda escolher qual a melhor sombra; é não receber vinte emails por hora, mas receber de volta muitas mensagens com o assunto “Férias / Vacations / Vacances”; é teres silêncio no escritório porque está tudo de férias; é ter metade das coisas para fazer e deixar a vida correr.

Mas trabalhar em Agosto, principalmente quando tens 22 anos e os teus amigos ainda estudam, é ver o pessoal todo de papo para o ar enquanto tu tens de ir para o escritório; é ter muito sono quando vamos tomar café a um dia da semana e começar a olhar para o relógio quando batem as 23h; é ver as agendas deles vazias, prontas para umas férias improvisadas, e tu teres de fazer contas à vida; é acordar para ir trabalhar, ver os instastories, e perceber que a maioria das pessoas que segues está, àquela mesma hora, a sair do Lick ou do Bliss, algures em Vilamoura. Mas tudo isto só seria mau se eu fizesse muitas destas coisas nos meus tempos de estudante – e não fazia.

Tudo o que queria fazer este mês, fiz – com mais ou menos stress, adiantando mais ou menos trabalho, a correr ou devagarinho, com mais ou menos tempo do que queria… fiz tudo. Provei o sabor a férias enquanto trabalhava, num mês de Agosto sossegado – e descobri que a cidade é maravilhosa de se viver nestes meses onde todos se retiram para outros pontos do país e do mundo.

Ontem, quando cheguei ao trabalho, já não tinha os lugares de estacionamento todos só para mim e soube que, apesar de Agosto ainda não ter chegado ao fim no calendário, já se finou. Acabou a calma, começa a vida, a agitação, a correria do costume. E a mim está a custar-me a acordar desta calmia, desta desorganização organizada, deste arrastar bom, deste misto de trabalho com cheiro a férias – ainda que mais dos outros do que minhas.

Meu querido mês de Agosto… não sabia o quanto eras bom. Até para o ano.

 

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(Gerês, Agosto 2017)

23
Ago17

Este trabalho não é para mim

Durante este ano de trabalho nunca acordei e pensei "este é o trabalho perfeito para mim". Apesar disso, considero que foi um ano do caraças, onde aprendi até à ponta dos cabelos - e, confiem, eles estão enormes! - e em que foram muitos raros os dias em que não me apetecia ir trabalhar, conviver com os meus colegas e fazer as tarefas que, com o tempo e o hábito, me foram sendo destinadas. No meio dos dias atarefados, de todas as novidades - o salário, o IRS, os recibos, o médico do trabalho, as viagens, o chefe, os colegas, o patrão, as quezílias, as histórias, as férias, as folgas e as faltas -, sempre tive dias de recaídas, em que me perguntava "porquê que aceitei isto?" ou ia mais a fundo e questionava o raio do curso que tirei. Comunicação. Eu, de facto, precisava de um curso intensivo de comunicação com os outros: mas não era para o exercer exaustivamente para o resto da vida!

Este trabalho não é para mim. Eu não nasci para ser jornalista, porque isso implica ir muitas vezes contra aquilo que eu sou. E isso faz-me sofrer. Sofro porque não quero falar com as pessoas, ligar às pessoas, chatear as pessoas. Mas depois também sofro porque tenho prazos de entrega, porque tenho de mostrar trabalho, porque as coisas têm de sair feitas - e bem feitas - independentemente dos dramas pessoais de cada um. E eu não sou de falar, mas também não sou de falhar. E dentro de mim vive-se constantemente este confronto de titãs, entre o não-quero-fazer e o tens-de-fazer

E sim, na vida vamos ter eventualmente de ultrapassar estas questões - quer em termos profissionais como pessoais. Mas eu estou a faze-lo todos os dias, e isso desgasta-me. Todos os dias estas metades de mim lutam, de espadachim em punho, até o tens-de-fazer ganhar, já com a ponta afiada apontada à garganta do não-quero-fazer. Ele, já sem ar, com as lágrimas nos olhos, o nó na garganta e o desespero no âmago lá faz o que tem a fazer, a muito custo. E quem vê de fora diz que os resultados são bons, que as conversas fluem, que eu sou simpática e natural - nem desconfiando que parte de mim está com uma lâmina encostada à jugular.

Quando alguém me diz "tem de falar com", o meu coração pára por um milissegundo. Lá vamos nós: mais uma moedinha, mais uma voltinha. Principalmente nas férias o "ter de falar com" é ainda pior: eu sei que estou a ligar para pessoas que estão de férias sobre matérias relacionadas com o seu trabalho - e isso chateia-me, porque eu não quero falar de trabalho quando tenho os meus dias de descanso. Eu tenho esta mente "antiquada": não gosto de ligar para ninguém depois das 22h a menos que seja uma emergência, evito ligar à hora das refeições porque para mim são horas sagradas, assim como tento não ligar fora das horas de expediente. Sei que hoje em dia isso significa muito pouco, mas eu tenho esses valores enraizados em mim e de cada vez que clico no botão verde para ligar a alguém, sabendo que essa pessoa está no seu tempo de folga, para mim é matar-me um bocadinho. É ir contra aquilo que acredito. É fazer aos outros aquilo que não gosto que me façam a mim - e eu sempre levei este ditado muito a sério.

Este trabalho não é para mim. Eu não tenho língua de perguntador, eu tenho pânico de falar com os outros ao telemóvel, eu detesto a sensação de estar a chatear alguém, eu evito contactos físicos a todo o custo. Lutei durante muitos meses com o termo "jornalista"; no meu cartão não tem qualquer identificação do meu trabalho, quando me apresentava era simplesmente como colaboradora do jornal. Mas o bloco na mão, os meus textos e as perguntas tiram a dúvida à maioria. Começaram a apresentar-me como jornalista, a identificar-me como jornalista e eu, há um par de meses, tive de me render. "Olá, o meu nome é Carolina Guimarães e sou jornalista", digo, enquanto me dói a alma. Faço-o porque facilita a vida aos outros, não porque sinta que seja verdade. Eu, na realidade, sou tudo menos jornalista. Sou apenas uma miúda que gosta de escrever e que tem pânico de não cumprir com a sua palavra e com aquilo que é para ela mais sagrado: o trabalho. Ainda que este não seja para ela. Porque o tempo é um pau de dois bicos: habitua-nos a fazer coisas que inicialmente tínhamos mais dificuldades (e eu já melhorei muito!), mas também nos dá mais certezas sobre aquilo para o qual fomos ou não feitos para fazer ou ser. E eu sei que este trabalho não é para mim - embora o continue a fazer, eu própria de espada na mão, lutando contra as minhas duas metades. 

16
Ago17

Malta, o país das varandas bonitas [La Valleta e Mdina]

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A paragem em Malta ficou marcada por uma série de peripécias. Foi um país de que gostei bastante - honestamente não esperava - mas, infelizmente, para além da beleza do local, há toda uma série de coisas que me vêem à cabeça quando penso neste destino, onde passamos dois dias.

Começou com o facto de perdermos a excursão onde íamos, que passaria por Valleta e Mdina, a atual e antiga capital do país, respetivamente. Fizemos a visita toda por Valleta, com um guia óptimo e com piada, que tornava aqueles caminhos ao sol e os locais abafados em algo muito tolerável. Quando já íamos para o autocarro para nos dirigirmos para Mdina vejo a minha mãe a vasculhar a carteira - de segundo para segundo com um ar de pânico crescente - e a perceber que não tinha o porta-moedas com ela. Moral da história: o resto da visita guiada foi para as urtigas. O mais importante? Sim, a minha mãe encontrou a dita, mas depois daquilo ficamos os três completamente desgovernados. Não tínhamos um mapa, não sabíamos o que fazer ou para onde ir, e estávamos todos nervosos e irritados - ora por a minha mãe quase ter perdido a carteira, ora por termos perdido a visita por causa de uma distração.  Precisamos de mais de uma hora para alinhar os chakras e definir um plano de ataque próprio - que passou por conhecer melhor ambas as capitais. É lógico que em La Valleta, onde tínhamos estado com o guia, já tínhamos todo um enquadramento sobre a história da cidade que valorizou muito mais o passeio: e em Mdina fomos sem rede, simplesmente admirando a beleza e a pureza da antiga capital. 

A verdade é que para perceber o que vemos em Malta precisamos de saber um bocadinho de história (prometo não vos maçar). Aquilo que vemos mal aportamos é, para além de uma cidade toda em tons de areia, um grande muro. Uma muralha alta e gigante que, aparentemente, circunda a ilha (na verdade é só uma pequena parte). E ela existe porque durante 250 anos a ilha foi habitada por cavaleiros, que contra todas as expectativas conseguiram travar a entrada de inimigos - incluindo os otomanos, que na altura da invasão a malta tinham quatro vezes mais homens que os malteses. Um tanto ao quanto obcecados com a questão da segurança, os cavaleiros construíram não uma, não duas... mas dezoito muralhas, o que tornava o acesso à cidade totalmente impossível. E é parte dessas construções (que não foram destruídas na Segunda Guerra Mundial - Malta foi o país mais bombardeado a partir do momento em que Itália anunciou guerra à Inglaterra - que deteve malta até 1964) que ainda hoje vemos e que fazem de Valetta parecer algo grandioso quando, na realidade, não o é. 

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Vista do barco, à chegada

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Do outro lado de La Valleta

 

Há uma coisa que é impossível não notar em todo o país, que é coerente em cada recanto: a cor das paredes de todos os edifícios é em tons de areia, feitos de uma mármore não polida que, com a erosão do tempo, dá a ideia de todo o país ser mais antigo do que aquilo que parece. A mim, faz-me lembrar aqueles filmes romanos ou estilo Príncipe da Pérsia - não por estarmos no meio do deserto, mas precisamente por a cor principal ser este castanho muito pálido. Só uma coisa contrasta: as varandas. Aí os malteses capricham e escolhem as cores que querem: e há desde o verde tropa, passando pelo amarelo e pelo vermelho. Nunca vi um país com tantas varandas estilo marquise - assim uns paralelepípedos a sair para fora do edifício. Mas, por favor, quando eu digo "marquise" não pensem naquelas coisas horrorosas e metálicas que temos em Portugal: estas são bonitas e primam sempre pelos detalhes. Em Malta vale a pena olhar para cima e apreciar as paredes.

 

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Varandas, varandas e mais varandas em La Valleta

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Varandas, varandas e mais varandas em Mdina

 

Mas falando de sítios em concreto: em Valleta visitamos o Palácio, que é ainda hoje a residência oficial do Presidente da República e a St. John's Co-Cathedral, que é uma das catedrais mais bonitas que vi na vida. Mais do que a grandiosidade, aquilo que impressiona acima de tudo é quantidade de detalhes e de altares lá presentes (ao estilo barroco). Esta era a igreja de todos os Cavaleiros da Ordem de Malta e há muitas referências às várias nacionalidades que compunham esse grupo. Para além disso estão também presentes várias pinturas de Caravaggio - um pintor mas também cavaleiro que morreu cedo, por ser um assassino, mas que pintava com um realismo quase assustador. A visita a esta igreja é, para mim, obrigatória. 

 

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No Palácio

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O altar principal em St. John's Co-Cathedral

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St. John's Co-Cathedral (a falta de luz não ajudou à foto...)

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Teto em St. John's Co-Cathedral

 

Olhando de longe, La Valleta parece muito maior do que Dubrovnik, mas a nível prático o tempo que se despende numa, passa-se noutra. Aqui as ruas são incomparavelmente mais largas e com muito comércio e marcas clássicas, tipo Pandora ou Pull&Bear - ao estilo Rua de Santa Catarina ou Rua Augusta. Mas fugindo do centro, aquilo que há é casas: e quando nos fartamos de ver cor de areia e varandas bonitas... é sempre mais do mesmo. O que até bom, porque significa que moram de facto pessoas lá dentro, ao contrário daquilo que vi na Croácia. Porque apesar de se verem muitos turistas - principalmente quando chega um navio - as pessoas acabam por se diluir melhor nas ruas mais largas da capital ou estar enfiadas em autocarros de tours.

 

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Nas arcadas em frente ao Palácio

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No centro de La Valleta

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La Valleta

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Teatro em La Valleta, que foi completamente destruído na guerra. Optaram por o manter assim, para memória futura, e transformaram-no num teatro ao ar livre

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La Valleta

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A entrada em La Valleta, com o parlamento à direita

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La Valleta

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La Valleta

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La Valleta fica muito elevada em relação ao porto e o resto do país, por isso construíram um elevador que em alguns segundos sobe e desce, evitando muitos quilómetros a pé ou escadas. O preço para subir é de dois euros, para descer não existe controlo. Compensa e as pernas agradecem, principalmente quando não há muito tempo

 

O mesmo se sente na Mdina, para onde fomos de autocarro (público) - foi a solução mais imediata que encontramos para dar a volta à excursão perdida e até foi giro para ver uma Malta que não se vê tanto nas tours: as pessoas, os trabalhadores, as ruas com comércio local e pouco turístico, casas, descampados. Esta é uma vila medieval, com menos de uma dezena de restaurantes e lojas de souvenirs. Não sei se fui eu que tive sorte ou se é mesmo assim, mas a pouca confusão que apanhei deveu-se a uma visita de estudo que por lá havia - de resto, as poucas ruas da vila estavam praticamente desertas e podia-se desfrutar do silêncio, tirar fotos e apreciar o local sem dramas. De Valleta até lá, de autocarro, é cerca de meia hora - também é possível ir através dos Hop On, Hop Off, que demoram um pouco menos que isso.

 

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À entrada de Mdina, com os típicos coches

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No centro de Mdina

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Mdina

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Noivos em Mdina

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Mdina

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Detalhe nas paredes de Mdina. Este é um símbolo religioso que se vê à porta de muitas casas - gostamos tanto que compramos um como souvenir

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Nas ruas estreitas da Mdina

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Nas ruas estreitas da Mdina

 

E eu sei-o porque no dia seguinte foi num destes autocarros que andamos. A minha ideia inicial era ir numa excursão à Blue Grotto, a gruta azul, mas infelizmente quis comprar muito em cima da hora e já não arranjei bilhetes. Portanto o meu plano era ir até lá pelos meus próprios meios, pelo que compramos bilhetes para esses autocarros. A ilha tem apenas 300 metros quadrados (mais pequena que a Madeira), por isso este tipo de tours cobrem praticamente o território todo. Há apenas três linhas e, como estava em Malta e as coisas estavam para correr mal... entrei na linha errada, o que acabou por ditar a não-ida à gruta. 

O erro acabou por correr bem pois passamos por um museu de aviões - o meu pai adora tudo o que envolve guerras e aviação, por isso decidimos que desta vez esta paragem seria para seu bel-prazer e fomos ver o museu que, apesar de pequeno, está bem conservado. Para quem é interessado nesta matéria, Malta tem muita escolha: como foi altamente bombardeada e se aguentou histoicamente - os ingleses davam a ilha como perdida mas o povo lutou e aguentou, ao ponto de serem o único que, de forma coletiva, foram agraciados com uma medalha de honra pelo Reino Unido - há muitas memórias, objetos, fotos e destroços partilháveis, que fazem parte da história do país e deste povo. A entrada neste museu em particular custou 7 euros por pessoa. 

 

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No museu de aviação

 

Voltamos a apanhar o autocarro, com a intenção de voltar ao porto e apanhar a linha certa, mas a viagem foi tão caótica e cansativa que decidimos voltar ao barco e descansar (até porque as visitas à gruta acabavam às 16:30, assim como as voltas no autocarro, pelo que ficava apertado). O trânsito em Malta é um tanto ao quanto caótico, o estacionamento é uma balda e a ligação entre cidades não me pareceu ser irrigada com vias de grande qualidade - ah, e anda-se pela esquerda! Há muitos coches, o que para além de fazer as ruas cheirarem mal, conseguem atrapalhar bastante o trânsito nos sítios mais concorridos - até porque são precisamente estes que têm mais turistas. Só para vos dar uma imagem mental, o motorista do hop on, hop off falava ao telemóvel com o ombro a segurar o telemóvel, uma sprite na mão direita e um dedo esquerdo segurava ao volante - isto com mais de quarenta pessoas a seu cargo, várias (como era o meu caso) sem lugar sentado. E a porta do autocarro ia aberta, caso nos quiséssemos atirar de desespero (foi quase...).
Não achei os malteses particularmente simpáticos. São uma mistura de italianos com turcos, têm na sua maioria uma tês escura e tudo o que era motorista, taxista, coxeiro e etc. tinha um ar muito rude. A língua deles é perfeitamente impercetível - 80% árabe com 20% italiano - o que também não ajuda à convivência (embora a maioria fale inglês).

De todos os países por onde passei, Malta é sem dúvida o mais barato a todos os níveis - as tours, os souvenirs, os bilhetes para museus e a comida eram muito baratos. Um dos ex-libris do país é o vidro - têm peças lindíssimas,  algumas ao estilo Bordalo Pinheiro, que fazem boas recordações. Foi daqui que, sem dúvida, trouxe mais "tralhas" para casa!

Já o disse, mas uma das coisas boas deste cruzeiro foi ter visitado países que se calhar nunca visitaria num passeio isolado. Vale a pena visitar Malta, principalmente se gostam de castelos, muralhas e histórias reais que envolvem tudo isso - assim como quem gosta do assunto "Segunda Guerra Mundial". Apesar da rede de autocarros não me ter parecido má, acho que pode ser uma boa ideia alugar um carro e fazer a ilha de lés a lés, sem a rigidez de horários que os autocarros e outros transportes implicam. Acho que dois dias bem preenchidos chegam para ver muito do que interessante este país tem para ver. E aconselho um guia! A história de Malta merece ser ouvida e, quando bem contada, parece uma série de episódios sem fim.

E eu, apesar de ter gostado muito, fiquei feliz por zarpar. Malta foi sem dúvida a paragem mais atribulada desta viagem e eu só queria ir para o próximo destino - a Sicília.

 

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Num "miradouro" em La Valleta

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O verdadeiro gato maltês - e era gigante!!

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O nosso barco atracado - à esquerda podem ver La Valleta, bem alta relativamente à linha do mar

 

11
Ago17

Os filhos são só dos pais?

A maior parte dos textos aqui do blog surgem por causa de situações que vivenciei e sobre as quais relato coisas ou pensamentos que me surgiram depois ou na altura, que por vezes nem sequer têm muito que ver com o assunto em si. Às vezes, por uma razão ou por outra, não os publico - mas normalmente deixo-os no rascunho até ganharem bolor e eu me fartar deles. Raramente faço o que estou a fazer aqui: publicar um desses textos. Este foi escrito há mais de um ano e na altura não o publiquei para não ferir suscetibilidades. Mas a vida não se faz só de consensos ou paninhos quentes e, por estes dias, lembrei-me muitas vezes daquilo que escrevi.

E onde é que eu vou meter o nariz desta vez? Nos nascimentos e na maternidade. Uhhh, já sinto a minha pele quase a ser esfolada e ainda nem pus a boca no trombone. Na minha opinião, hoje em dia fala-se tanto da liberdade de escolha que tem de ser dada à mãe (do tipo de parto, de amamentar, de trabalhar ou não, de dividir a licença com o pai) que só esconde a enorme pressão que se está a construir à volta destes assuntos. Vejamos a amamentação: toda a gente diz que cada mãe é como é, que podem escolher ("embora o vosso leite seja melhor para o vosso filho!!!"), mas se alguém não amamenta por escolha cai o carmo e a trindade. Para mim essa liberdade é tão grande como aquela que eu tive quando me tentaram praxar, fechada num anfiteatro que não conhecia, às escuras, e com gente a gritar-me por todos os lados. Podemos dizer não, mas estamos sempre condicionadas e com uma clara pressão para dizer "sim". Ou seja: não é liberdade.

Eu sou pouco sensível a todas estas questões porque a cada dia que passa tenho mais a ideia de que não quero ter filhos e que todos esses dramas me vão, felizmente, passar ao lado. Mas há coisas que me tocam (também tenho sentimentos, sim?) e há dias estava a ver uns vídeos antigos, enviados por uma das minhas tias, do nascimento de um dos seus filhos. São coisas filmadas há 25 anos, numa altura em que acho que não havia esta moda de "não visitar pais nem criança mal ela nasce", mas de qualquer das formas a minha família sempre foi (ou costumava ser...) unida o suficiente para querer partilhar estes momentos uns com os outros. E, enquanto via aqueles vídeos passados na maternidade, com a minha tia a olhar enternecida para o seu bebé acabado de nascer, com a cama cheia de gente à volta a soltar "oh"'s, tornei a lembrar-me deste texto que escrevi. Não chorei enquanto via os vídeos, mas a minha garganta estava num aperto sem fim; emocionou-me ver a alegria de todos, num momento partilhado e claramente tão feliz para quem lá estava. Adorava-se o menino, cuidava-se da mãe, mimavam-se ambos e nos corações, ainda que não se vissem a olho nu, transbordava amor por todo o lado. O nascimento é, de facto, um momento incrivelmente feliz para a família do novo rebento. E talvez esteja aqui a questão, no vocábulo "família". Para mim, família, não são só os meus pais e irmãos; são os irmãos dos meus pais, os filhos dos meus pais, os filhos deles, os filhos dos meus irmãos, os respetivos conjuges e, se quiserem, a família que escolhemos: os amigos.

Para mim é inconcebível pensar ter um filho e não o mostrar a todos aqueles que me amaram ao longo da vida, que me aturaram em todos os momentos maus e bons, que partilharam momentos das suas vidas comigo. Não significa que todos tenham que o ver no primeiro, segundo ou terceiro dia ou que encher o quarto de visitas - mas estar um mês sem mostrar a criança ao mundo?! Sei que isso está na moda mas, quando me deparei com uma situação semelhante, fiquei honestamente magoada. Aprendi a lição, respeito, mas não compreendo. E escrevi este texto:

 

"Lembro-me de ter lido num blog qualquer, há uns anos, que depois de uma família ter tido o primeiro filho, decidiu que só um mês depois iria ter a visita dos amigos e familiares e dar a conhecer a nova cria (calculo que avós e pessoas mais próximas tenham sido excepção à regra, "but you never know"). Fiquei parva com o que li - e o sentimento mantém-se até hoje, porque sei que me sentiria magoada se mo fizessem. Sentir-me-ia posta de parte por aqueles pais, que se calhar conheço há uma vida e com quem partilhei tantas coisas, se me privassem de partilhar aquele que seria um dos maiores momentos das suas vidas.

Eu sei que os pais ficam super cansados com a história do parto, sei que habituarem-se aos horários da criança é extenuante, sei que querem ter tempo para "namorar" a sua nova cria - mas, no fim de contas, o que não falta é tempo para isso. Não são as visitas que dão de mamar, não são as visitas que ficam a adorar a criança pela noite dentro, não são as visitas que dão o primeiro banho. Os pais têm uma vida inteira pela frente com aquela criança, vão mima-la e conhece-la melhor que ninguém - enquanto que a família e os amigos, numa fase inicial, só querem dar as boas-vindas do bebé ao mundo e partilhar um momento de felicidade com alguém de quem gostam. Porque, para mim, os bebés não são só dos pais, mas também daqueles que já o amavam enquanto ele estava dentro da barriga - e, antes disso, aqueles que já amavam os pais antes mesmo de eles se juntarem ou decidirem ter um filho em conjunto.

Porque a verdade, pura e dura, é que família e os amigos já lá estavam antes do bebé - e, muitas vezes, antes do companheiro. Estiverem lá nos momentos bons, nos maus, nos fantásticos, nos péssimos e nos menos bons - e, no entanto, naquele que será o momento mais feliz da vida daquela pessoa, são impedidos de o partilhar com ela. É uma escolha e, sendo eles os pais, não há outra opção a não ser respeitar. Mas quem está do outro lado da barricada também tem o direito de não se sentir respeitado, por não ver o seu "amor" correspondido; por se sentir privado de felicitar e conhecer alguém que, automaticamente, já é um bocadinho amado, por ser filho de quem gostamos - de alguém que é sangue do nosso sangue ou, simplesmente, faz parte da "família que escolhemos". 

Não percebo o medo de partilhar um bocadinho da felicidade com os outros; de mostrar o bebé, de terem receio de não ter tempo para estarem sozinhos com a criança, quando têm uma vida juntos pela frente. Não se trata de pôr uma mensagem no facebook, mandar um email estilo "circular" com o tamanho e peso da criança. Trata-se só de a partilhar um bocadinho para quem esteve lá sempre, para quem - quer se goste ou não - já faz parte e quer partilhar a felicidade. Para mim, tudo o que disse acima não são medos. É uma forma pura de egoísmo."

09
Ago17

As incríveis paisagens naturais do Montenegro [Kotor e Budva]

 

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Continuemos pela nossa viagem no Adriático! Depois de sairmos da Croácia foi um tirinho até pararmos em Kotor, no Montenegro. Lá está: este era um país onde nunca iria "do nada", sem estar integrado num plano que me levasse até lá; não acordo e penso "quero tanto ir ao Montenegro!". Mas isso não quer dizer que, depois de pensar no assunto, não tivesse vontade de lá ir - e acabou por ser uma paragem um tanto ao quanto sui generis.

E porquê? Porque Kotor não tem um porto capaz de albergar um navio de cruzeiro. O barco parou numa baía e nós saímos, em tranches, por barquinhos ou nos próprios barcos salva-vidas, o que tornou tudo muito mais engraçado. O meu primeiro pensamento foi "óptimo, assim tenho a certeza de os barcos salva-vidas funcionam!" - a verdade é que eles parecem tão arrumadinhos e fechadinhos que até nos questionamos há quanto tempo é que ninguém lhes liga o motor. Mas enfim, essa parte foi muito divertida e a viagem - de sensivelmente vinte minutos até ao porto - correu muito bem. Os barcos salva-vidas têm uma parte de cima, ao relento, e uma parte coberta em baixo - e tanto na ida como na vinda eu vim em cima, a apreciar as incríveis fiordes montenegrinas, com uma paisagem de cortar a respiração. O espaço para tirar fotos não era muito e, nessas situações, nem sabemos bem o que havemos de fazer: se tirar fotos e recordar aquela paisagem para sempre, ou olhar tudo durante o máximo tempo possível para absorver toda aquela beleza que quase nos parece sobrenatural. É uma dualidade que se põem muitas vezes nestas viagens e sobre a qual penso muito, pelo que tento arranjar um meio termo que nem sempre é fácil de gerir.

 

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Foi, aliás, por causa dessas fiordes e das paisagens que sabia que iam ser lindas que me levantei às cinco da manhã (só "atracamos" às sete). Pus o despertador, abri a pestana e fui logo para a varanda ver tudo o que tinha à minha frente. Esta tinha sido das poucas dicas que me tinham dado sobre este país e eu, que a cada dia que passa gosto mais de beleza natural, não podia perde-lo só para dormir mais um par de horas. Vale mesmo a pena ver. O céu estava nublado, o que por um lado ajudou às fotografias, mas por outro deu, ao longo do dia, alguma falta de nitidez aos locais mais longínquos.

 

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No Montenegro, para além do Kotor, visitamos Budva - uma estância balnear a meia hora de distância, que também tem uma muralha. No caminho para lá deu para perceber um bocadinho de como era o país, ver a parte "real" para além do turismo. Mais uma vez é importante termos em conta que este é um país recentíssimo - nós não temos essa noção porque vivemos num sítio antiquíssimo e pacífico, mas a grande maioria dos países lutou até há bem pouco tempo pelas suas fronteiras e independência (e continuam a lutar...) e isso é muito marcante para a sua cultura. Em 1910 o Montenegro foi considerado um país mas integrou, durante muitos anos, a união Juguslava. Depois desta se ter desfeito, o Montenegro permaneceu "junto" com a Sérvia, de quem só se separou há onze anos (!!!) através de um referendo. Ou seja: estamos a falar de um país que só foi independente já neste século. 

Aquilo que eu notei é que há uma grande falta de desenvolvimento, quase como se navegássemos atrás no tempo. O que tem coisas más, mas também coisas boas: tudo parece mais genuíno. Quando íamos para Budva passamos por estradas com imensos campos, de ambos os lados, pintalgados com casitas muito afastadas umas das outras e por imensos edifícios inacabados, só com as estruturas fundamentais para se manterem de pé. A minha tia (que já lá tinha dito) disse, e bem, que aquilo lhe fazia lembrar a Heidi: algo antigo, com campos e verdes a perder de vista. E sempre com montes a toda a volta, daí o nome: os italianos, quando viram as paisagens, chamaram aquela terra de Monte Negro. Mas depois chega-se a zonas completamente construídas, com casas e prédios e gruas e praia e tudo mais, numa confusão ordenada mas muito pouco simpática à vista. Pareceu-me tudo pouco equilibrado e feito com pouco gosto, de forma completamente arbitrária. Sinceramente, lembrou-me muitas vezes a ideia que tenho da União Soviética, ainda que obviamente mais avançados.

 

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Um dos muitos edifícios meio construídos à face da estrada

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Uma casinha no meio do campo

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O complexo de luxo

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Uma cidade construída à volta de uma praia, considerada uma das melhores do mundo (P.S.: quem fez essa lista nunca visitou o Algarve)

 

Acho que para além da beleza natural óbvia que este país tem, tudo o que é cultural é posto um pouco em segundo plano. Talvez por isso, quando agora me falam em Montenegro, a primeira coisa de que me lembro são as fiordes - mais do que as muralhas ou os edifícios. E, como eles não têm muito para mostrar, tudo o que é digno de referência é-nos dito: como os sítios onde foram feitas algumas das filmagens do 007 Casino Royal ou os apartamentos onde algumas celebridades compraram casa (e dizem-nos os valores e tudo mais).

À ida para Budva fizemos um photo-stop num desses sítios: a Aman Sveti Stefan, uma ilha pequenina e muito bonita ligada à terra por uma pequena passagem. É tão bonita e pitoresca que foi comprada por uma cadeia de hóteis, cujos clientes são por vezes algumas personalidades (tipo Madonna) que alugam o hotel todo para terem privacidade. Ali à volta há muitas praia, cujas águas são obviamente lindas como as da Croácia, mas a qualidade da areia e o espaço nunca são grande coisa.

 

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A ilha Aman Sveti Stefan

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Praia em Budva

 

Budva é uma mistura estranha entre uma estância balnear e muralhas históricas. Fora da muralha vêem-se palmeiras, hotéis e mais hotéis, pessoas de chinelos e toalha ao ombro; dentro da muralha são lojinhas pequeninas, ruas apertadas e feitas em pedra (mais recentes do que querem parecer, uma vez que muito foi abaixo em tremores de terra). Infelizmente não tivemos muito tempo para passear por lá - não consegui correr as ruazitas todas tal como queria - uma vez que estávamos numa visita e de seguida íamos para Kotor.

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Dentro da Citadela, em Budva, com vista para o Adriático

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Dentro da Citadela, em Budva

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Budva

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Budva

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Dentro das muralhas de Budva

 

Dentro das muralhas de Kotor sim, já andei por todas as vielas - também cheias de lojas e muitos restaurantes com esplanadas, recheadas de pratos muito bonitos e com óptimo aspeto. Honestamente, olhando para trás, já fico confusa: muralhas e muralhinhas, igrejas e capelinhas, pedra em cima de pedra com séculos ou milénios de história foi tudo o que mais vi neste cruzeiro. Vi muita coisa com história e, dentro do diferente, tudo acaba por ser semelhante. Neste caso há muito menos turistas do que por exemplo em Dubrovnik, apesar da dimensão ser muito menor: encontram-se recantos sem gente, consegue-se apreciar tudo com menos pressa e sem avalanches de gente, o que é bom. Numa hora calcorreiam-se as ruas e vielas todas.

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A Catedral de St. Tryphon, o ponto central da cidade de Kotor

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O típico bolo de amêndoa, aconselhado pela nossa guia

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Em frente à Igreja de São Lucas, uma das poucas que resistiu aos terramotos

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Recanto em Kotor

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Ruela em Kotor

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Uma das coisas que ficou por fazer foi subir as muralhas, para chegar ao topo do Monte de St Ivan. São 1200 metros de altura, o que se traduz em mais de 1300 degraus - é, por isso, algo para ser feito com tempo, com uma mochila recheada com snacks e bebida e muita força de vontade para aguentar as dores nas pernas. Não tinha nada dessas coisas, acrescentando ainda o facto e estar com os meus pais (que, apesar de tudo, já não vão para novos) e de não ter tempo. Tive pena, porque a vista para a baía deve ser arrebatadora, mas não deu para tudo.

 

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Ínfima parte da grande muralha de Kotor, que dá acesso ao topo do Monte de St Ivan

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Fora da cidade medieval (com as palmeiras - a tal mistura estranha que falei)

 

Apesar de nunca ter alinhavado ir ao Montenegro, acho que vai ser uma visita gira de relembrar daqui a alguns anos, porque penso que daqui a duas décadas vai ser um país irreconhecível. Eles estimam que daqui a cinco anos já vão estar integrados na União Europeia e eu estou em crer que, a partir dessa altura, este país vai sofrer um boost enorme a todos os níveis. O turismo - que representa, atualmente, 22% do PIB - vai de certeza aumentar, porque para além destas cidades medievais eles têm um potencial enorme no que diz respeito a turismo relacionado com a natureza. Têm lá o maior desfiladeiro da Europa, têm as montanhas, têm águas lindas. Enfim, tudo para cortar a respiração. Estou a imaginar uma viagem de comboio por toda a linha junto à baía e até suspiro. Sei que se um dia voltar - e gostava, em particular de percorrer a costa da Croácia até chegar lá - vou notar diferenças. E nessa altura já poderei contar aos sobrinhos que "quando cá vim pela primeira vez não era nada disto, até pareciam os campos da Heidi!". E eles vão perguntar-me: "Quem é a Heidi?". E aí eu vou perceber que estou velha. Mas ao menos - espero - serei viajada.

03
Ago17

Às vezes não sabemos bem quem somos

No dia do meet&greet do Jamie Cullum éramos uns oito, numa proporção ligeiramente desequilibrada entre homens e mulheres. Quando nos mandaram entrar para o backstage informaram-nos de que ele ainda estava atrasado e íamos ter de esperar. Só havia uma forma de ir matando tempo: conversando.
Não fui eu que lancei a conversa - não tenho grande à vontade para isso. Mas a partir do momento em que a "bola" saltou entre todos, tenho para mim que fui a que mais falou - tinha ido ao concerto anterior, era do Porto, já era o quinto espetáculo que via do Jamie... acabou por ser tópico de conversa. E fluiu tudo tão bem, as pessoas eram (no seu geral) tão simpáticas e eu - apesar de estar prestes a fazer algo que até podia ser potencialmente stressante - estava na boa, como se fizesse aquilo todos os dias. Estive a falar com várias pessoas sobre a minha cidade, a trocar impressões sobre música e foi sinceramente bom.

E depois de sair de lá, de ter falado tão bem com tanta gente diferente, pensei: "como é que eu me tornei nisto, como é que eu vim parar a este ponto?". Acabo por não saber quem é que eu sou realmente - aquela que fala tão bem com toda a gente, de conversa fácil e sorriso ligeiro, ou aquela que não tem ninguém para ir com ela a um concerto ou ao cinema numa noite qualquer. Aquela que, de cada vez que diz que é anti-social, toda a gente revira os olhos por achar que é impossível ou aquela que faz scroll down no facebook e só vê gente cujas relações falharam. Aquela que às vezes sente saudades de companhia ou aquela que já se resignou a ficar sozinha. Aquela que tanta gente diz que é tão simpática no primeiro contacto, de conversa fiada e fácil, ou aquela que é intransigente, que não aceita as diferenças, menina do seu nariz, que acha que tem sempre razão, ocasionalmente rude e demasiadas vezes mal-disposta.

Não sei quem mostro ser, mas na minha cabeça sou quase sempre "aquela" miúda da segunda opção. Quando debato este assunto com quem me é próximo, e tendo em conta a que não se chega a nenhuma conclusão, só uma coisa é certa: ou eu tenho uma ideia muito errada de mim ou os outros não me vêem como realmente sou. Porque não me parece que as duas versões possam ser compatíveis.

Ainda assim, há algo indiscutível: acho que cada vez estou mais sozinha. Sim, conheci mais pessoas desde que fui trabalhar, mas perdi outras tantas de antigos círculos de amigos que tinha. Não creio que o balanço seja positivo. E, para além disso, sinto-me preenchida por uma avalanche de críticas, "dicas" e indiretas que não sei digerir - e não sei se sou eu que, num período mais sensível, tenho mais aptência para as ouvir ou se estão simplesmente a acontecer com cada vez mais frequência. Porque eu mudei ou porque eu tenho de mudar, porque trato mal as pessoas, porque não ligo, porque não respondo, porque não vou, porque não faço, porque não avanço, porque não saio da zona de conforto, porque sou chata, porque sou quadrada, porque sou mentalmente velha, porque quero tratar de tudo, porque sou pouco democrática, porque sou uma control freak.

E, no final do dia, quando tudo mói cá dentro, só há espaço para perguntar: sou assim tão má pessoa?

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