O medo de me tornar numa pessoa desinteressante
O "Up in the Air" (não é o da Disney, mas sim o do George Clooney e da Anna Kendrick) estreou quando eu tinha 14 anos e marcou-me muito. Lembro-me de o ter ido ver ao cinema, de vir para casa e chorar - e depois de escrever um post estilo este, naqueles que foram os meus primeiros tempos de escrita. Tinha só 14 anos, mas revi-me totalmente no que ali via - e na altura disse-o, sem vergonhas: "acho que isto vou ser eu no futuro". Não me referia ao trabalho horrível que a personagem principal tinha - que era, no fundo, despedir pessoas (era contratado por empresas para fazer despedimentos coletivos em todo o mundo e por isso passava a vida a viajar, nunca estava em casa, não tinha amigos, mulher ou filhos - apenas uma família que ignorava); falava - já nessa altura! - de de viver para o trabalho, ser "casado" com ele (embora, ao contrário do filme, a minha família vá estar sempre em primeiro lugar).
Ou seja, o facto de eu achar que nunca me vou casar ou ter filhos não é de todo uma ideia nova para mim - simplesmente sinto que esteve sempre comigo. Não quer dizer que não mude, não quer dizer que seja uma opinião para a vida ou muito menos uma decisão: é apenas um feeling, algo que tenho há muitos anos e que acho que não me reduz enquanto pessoa ou mulher - simplesmente sou como sou e posso ter outros milhões de gostos e afazeres para além da vida de casada e de mãe. Mas, em contraposiçãom tenho o trabalho, algo recente para mim mas que sempre soube que ia ser a minha praia, o meu porto seguro (independentemente de até poder não ser seguro, de eu ter dúvidas ou de existirem dias maus - é simplesmente terreno onde eu sempre soube que me ia conseguir levar avante, porque é o que sei fazer bem) - e que, para o bem e para o mal, ocupa uma grande fatia da minha vida.
Mas ultimamente, nos poucos encontros que tenho com pessoas amigas ou família, dou por mim a falar de trabalho. Das minhas viagens de trabalho, dos meus colegas de trabalho, das minhas tarefas no trabalho, nas minhas complicações no trabalho, nas peripécias do trabalho. E tenho medo de me estar a tornar só nisto, quando - apesar de todos os defeitos que sei que tenho -sempre me achei uma pessoa interessante, que tem uma resposta minimamente correta e coerente para tudo, que não sabe muito de nada mas que com aquilo que vai ouvindo, lendo e falando consegue ter uma opinião sobre algo e manter uma conversa interessante. E agora: trabalho. A muleta de sempre: o meu porto seguro quando todos os outros portos parecem despovoados e inseguros, mas que é provavelmente uma seca para quem está à minha volta. E quando rebobino mentalmente as conversas que tive, e se a minha percepção for a correta, quase tenho vergonha de mim própria por aquilo que hoje em dia faço.
Tenho medo de só me tornar nisto, quando acho que sou muito mais que isto. Tenho medo de ser aquela pessoa chata num grupo de amigos que (já) mal conhece que só fala do escritório, do patrão e dos dramas da vida laborar. Tenho medo de estar a crescer e de, ao mesmo tempo, estar a ficar mais pequenina.