A escrita é como um divã do psiquiatra
Desde que me conheço que sou introvertida, fechada e que tenho muita dificuldade em falar com os outros. Tenho vindo a melhorar, principalmente em conversas de circunstância, mas é-me muito complicado deixar que entrem na minha esfera privada, partilhando pensamentos mais profundos ou - o pior de tudo - sentimentos de todos os géneros.
Durante muito tempo guardei tudo para dentro de mim, qual panela de pressão. Acho que não explodia, mas como havia uma ebulição constante, não era feliz. Considero que não tive uma adolescência difícil (e muito menos uma infância infeliz!), mas carrego muitos problemas dessas fases da minha vida - houve momentos e situações que me marcaram profundamente, que me mudaram enquanto pessoa e que potenciaram aquelas características de que falei acima. Principalmente a nível social; acho que todos os problemas que tenho de interação com outros vieram desses primeiros anos de vida.
Apesar de ter melhorado a muitos níveis e de já conseguir partilhar algumas coisas com pessoas próximas, há muito que fica por dizer. Não me conhecem e, como escrevo aqui todos os dias, até posso parecer uma tagarela - mas acho que, a não ser em dias especialmente iluminados ou quando há muito para dizer em pouco tempo, me posso considerar uma pessoa caladinha. Mas é mesmo aqui, neste blog, que afogo as minhas mágoas e deito tudo cá para fora. Quer dizer, quase tudo. Há coisas que o meu filtro interno não deixa nem nunca deixará passar, mas tenho a noção de que passei a ser muito mais "leve" a partir do momento em que comecei a escrever.
Evito falar sobre assuntos muito sérios e pesados - e, acreditem, há "issues" que tenho que se espelham em coisas bem negras. No entanto, dou por mim a desdramatiza-los em posts normais, em tiradas que às vezes até podem passar ao lado dos comuns dos mortais. São frases que vêm diretamente do meu âmago, lá bem do fundinho do meu ser e que representam assuntos muitas vezes guardados a sete chaves, para não haver hipóteses de me assombrarem por mais tempo. Ontem, por exemplo, escrevi:
"Sei que tudo isto remonta a muitos problemas que tenho e tive: eu sempre fui um desastre a educação física, sempre fui gozada, sempre fui a última ser a escolhida para as equipas, sempre fui a menina que fica no banco de substituição, sempre fui aquela que fica com o professor porque não tem par ou que fica num trio, a "incomodar" os outros dois. Estas "brincadeiras" deixam marcas - e não são superficiais."
Foi no contexto de um texto banal, ainda que o assunto me magoasse. Esse parágrafo surgiu como surgem todos os outros, naturalmente, mas dei por mim a chorar enquanto teclava e relembrava todos os anos em que passei por isto e em que "engarrafei" toda a mágoa que aqueles atos simples do dia a dia me causavam. Mas assim, tão simplesmente, tornei o assunto em algo mais ou menos normal, dando-lhe menos valor.
Abri essa gaveta, arejei-a, fechei-a. E ao abri-la assim tão naturalmente, fiz com que se esvaziasse, perdesse peso - e de todas as vezes em que isso acontece, sinto-me inevitavelmente mais leve. A melhor parte é que o faço respeitando os meus tempos - os tempos certos -, de forma natural e sem ser a ferros, puxados por conversas que me magoariam invariavelmente. Este blog é o meu psiquiatra interno e esta cadeira onde agora me sento é o meu divã. Não pode haver melhor.