Ninguém disse que ia ser fácil
Tenho optado por não falar muito do trabalho - porque, de facto, não há muito para falar. É um trabalho, com as suas coisas boas e más, como qualquer outro. Acho que, à partida, tinha três grandes vantagens quando comecei a trabalhar: primeiro, é o facto de estar na minha área (aliás, nas minhas duas áreas); segundo, porque tive sorte com os meus patrões, chefes e colegas; terceiro porque tinha muita, muita vontade de trabalhar e começar esta nova fase da minha vida. Acredito que, por efeito daquilo que as pessoas nos dizem (que trabalhar é terrível, que o mercado de trabalho é quase canibal, que a vida de estudante é a melhor coisinha de todo o sempre), uma pessoa saia da faculdade quase desanimada pela fase seguinte da sua vida. Caraças, não é fácil entrar numa vida que a generalidade das pessoas não gosta! Mas eu, pela primeira vez na vida, fiz uma mudança que queria e ansiava - que é, definitivamente, a mais difícil de todas (o que diz muito da minha pessoa). Porque, de facto, a passagem da faculdade para o mercado de trabalho é dura - há muita coisa que muda: o tempo disponível, as responsabilidades, até o nosso estatuto perante os outros.
O primeiro mês passou e correu lindamente - eu acho que um bom início é já meio caminho andado para tudo o resto correr bem e levarmos as coisas com serenidade e vontade. Mas, a partir daqui, acabaram-se as novidades: já caiu o primeiro dinheiro na conta, o primeiro contrato já está assinado, já conhecemos as pessoas, o nosso trabalho, o nosso escritório e o nosso lugar. Agora é encontrar defeitos em tudo o que parecia impecável. E, acima de tudo, ser atingida pelo cansaço: não só o físico e o mental, mas também o cansaço das pessoas, dos lugares, das tarefas, das embirrações, das mesquinhices, da quantidade de vezes que somos obrigados a sair fora da nossa zona de conforto.
Porque eu não sou uma miúda de metades. Ou desisto à partida ou dou tudo de mim - e eu tenho-me mesmo esforçado imenso no que diz respeito a este trabalho. Exploro tudo o que sei, que aprendi e que sei que poderá estar ao meu alcance; não olho para o relógio às horas de saída, não digo não a trabalho ao fim-de-semana, trabalho pela noite se for preciso sem que me digam "por favor" ou me dêem uma ordem. Digo-vos mais: trabalhar é viciante e há dias em que eu chego a casa sem conseguir desligar do trabalho e continuo como se nada fosse.
Mas isso não quer dizer que não haja dias difíceis. E maus. Acima de tudo, tenho-os pelo tal cansaço e por um desequilíbrio constante na minha vida, que ainda não consigui pôr direito. Faz-me falta o ginásio para limpar a cabeça, o stress do dia-a-dia e para eu não ver uma lontra de cada vez que olho ao espelho (que é algo que mexe muito comigo, e aumenta de dia para dia - um dia a menos de exercício e um dia a mais em comida); fazem-me falta pessoas da minha idade, mulheres e sítios bonitos - e eu explico: trabalho normalmente num escritório escuro, frio e antigo que me entristece, normalmente só com senhores que são bastante mais velhos que eu (daí a necessidade de tudo o que disse atrás); e, acima de tudo, fazem-me falta os meus pais e a minha casa. Quando cá chego, tudo o que quero é agarrar-me a eles e ao sofá e ficar assim, congelada, porque é o momento de conforto mais feliz do meu dia.
Mas escolho não falar sobre esses dias maus, porque se por um lado acho que deitando as coisas cá para fora (chorando, berrando e conversando) elas melhoram, também acho que há dores e problemas que crescem quando falamos deles. Eu sei, racionalmente, que todos os problemas e dores que enfrento no dia a dia são coisas pequenas - mas também sei que de pequenas coisas se constroem castelos e eu não quero isso para mim. Opto por partilhar as coisas boas, os momentos felizes dos meus dias, os prós do meu trabalho, em detrimento de tudo o que é mau - porque é para isso que quero olhar, é isso que quero fique gravado em mim.
Detesto que me digam o quão difícil vai ser a vida, que façam previsões de tudo aquilo que tenho por viver e que olhem para mim com cara de totós quando falo entusiasticamente sobre o trabalho, por eu estar a tentar aproveitar e realçar tudo o que de bom esta vida tem e tentar esconder (de mim e dos outros) todas as coisas más que a vida de trabalhadora acata. Eu sinto-as na pele, mas opto por ignora-las, porque escolhi ver as coisas de outra forma. Pela primeira vez na vida, tento ver o copo meio-cheio. Mas de cada vez que caio, parece que tenho sempre alguém a dar-me as boas vindas ao "dark side", como quem diz: "eu bem te avisei".
Ninguém me disse que ia ser fácil nem eu acredito em contos de fadas. O que eu sei é que, quaisquer que sejam as dificuldades, eu quero (e vou) conseguir. Quero é chegar ao fim desta aventura (independentemente do dia em que isso for) e pensar que a maioria dos meus dias foram felizes - mesmo naqueles em que as pequenas coisas más ganharam maior dimensão e eu optei por as ignorar.