Não sei se é por ter convivido durante toda a minha vida com pessoas bastante mais velhas que eu, mas tenho enraizados em mim alguns hábitos e regras de conduta que me custa muito quebrar. Coisas que na minha cabeça advém simplesmente do que acho ser boa educação, mas que se calhar não passam de velhos hábitos e velhas regras que, nos dias de hoje, não fazem sentido ter.
Não se liga para as pessoas depois das 22 horas. Não se começa a comer sem a pessoa mais velha o fazer. Não se dá o número de telemóvel sem se pedir autorização à pessoa em questão. Diz-se "com licença" ou "bom dia" quando estamos a sair de um elevador com pessoas que não conhecemos. Sei lá - são tantas pequeninas coisas que são tão normais para mim que tenho dificuldade em lembrar-me delas. Na verdade, só quando alguém as quebra é que eu me apercebo que elas existem dentro de mim.
Nos últimos dias tenho sido confrontada com todas as minhas "regras intrínsecas" envolvendo telemóveis. Não sou jornalista, mas como estou a trabalhar num sítio muito pequenino em que é preciso fazer de tudo, ser qualquer coisa parecida com jornalista é uma das atividades que tenho (esta semana foi tudo o que fiz, uma vez que o site onde vou trabalhar a maior parte do tempo ainda não está pronto). Posto isto, muito do que tenho de fazer é ligar para as pessoas - o que, para mim, é uma dor quase semelhante a beliscões consecutivos em todas as partes do meu corpo. Eu sou má a lidar com pessoas no geral, mas sou ainda pior a falar ao telemóvel - e tenho de me preparar psicologicamente antes de fazer cada chamada, respirar três vezes e ganhar coragem de cada vez que clico no botãozinho verde. (E agora vocês perguntam-se: e porque raio escolheste essa profissão? Acreditem, há dias em que me pergunto o mesmo). Mas a verdade é que já me sinto a melhorar e sei que é uma questão de tempo até esse desconforto me passar.
Mas enfim, aqui o busílis da questão está mesmo na transmissão despreocupada de números de telemóvel. Talvez eu pense como uma criatura do século passado, mas para mim um número de telemóvel ainda é algo pessoal. Mas, só no meu primeiro dia de trabalho, deram-me meia dezena de números de telefone para quem ligar, onde se incluíam figuras públicas - e eu fiquei um bocadinho atarantada. Talvez sejam muitos traumas juntos: detestar falar ao telemóvel, não gostar de falar com estranhos e achar sempre que sou chata e estou a incomodar as pessoas. Mas a verdade é que eu só pensava como iria abordar a questão e como eventualmente seria despachada a pontapé: "olá, eu sou a Carolina, colaboradora de um jornal ...", "mas como raio é que conseguiu o meu número?!?!?!".
Esta conversa ainda não aconteceu (a figura de quem falei foi, por acaso, super simpática e atenciosa), mas sei que um dia será o dia. Talvez pense à imagem daquilo que gosto que façam comigo. Vejo o telemóvel como uma coisa privada e não gosto que ande nas bocas do mundo - mas já percebi que, metendo-me neste universo, o meu telemóvel não será diferente do dos outros e fará parte dessas trocas infindáveis sem qualquer aviso prévio ou preocupação. Admito que me faz confusão. Sinto que estou a entrar na esfera privada de alguém e que os outros podem eventualmente entrar na minha - e, por isso, percebo que não gostem e tenham tendência a correr-me a pontapé.
Se calhar sou eu que sou retrógrada, já ninguém pensa assim e estamos de facto num admirável mundo novo. Ou então as pessoas têm simplesmente dinheiro para ter mais do que um telemóvel e o problema fica automaticamente resolvido. Mas, para mim, que me vejo obrigada a ligar a torto e a direito para pessoas que nunca vi à frente (e que eventualmente também vão guardar o meu número na lista delas) não deixa de ser estranho.