Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

28
Mai25

A dinâmica de cemitério

Foi a minha mãe que me ensinou a perceber o que era o cemitério, o porquê de se ir lá e de me ensinar como se agia num cemitério. Essas idas nunca foram um peso e, por isso, ainda hoje não o vejo como tal. Sim, é um sítio onde passa gente muito triste, a atravessar, provavelmente, os piores momentos da sua vida. Mas isso não faz dele - pelo menos para mim - um lugar pesado.

Quando ainda só tinha perdido os meus avós, visitávamos só o Prado Repouso - um dos maiores cemitérios da cidade do Porto e, para mim, o mais bonito de todos. Parece um parque, cheio de árvores centenárias de copa cheia, com apontamentos de flores que pintalgam de cor as suas avenidas enormes; já para não falar de uma vista rio estonteante! Adoro lá ir visitar os meus avós - não o faço mais vezes porque é longe, porque fecha cedo e porque é um sítio terrível para arranjar estacionamento.

Mas agora, desde o falecimento da minha irmã, que ir ao cemitério deixou de ser uma coisa esporádica; faço-o, pelo menos, uma vez por semana. Felizmente as cinzas dela ficaram enterradas perto de mim, o que facilita bastante este ritual. E, apesar do cemitério onde ela está não me transmitir a paz do Prado Repouso (é um cemitério clássico no centro de uma cidade, praticamente só com pedra), eu adoro a rotina de lhe ir deixar uma vela, cuidar da campa e garantir que está florida e colorida. Não o faço por obrigação ou cadência certa; vou quando posso, quando me apetece e quando o meu tempo (e a meteorologia) o permite. O que acaba por ser com bastante frequência.

Porque, por muito tétrico e estranho que isto pareça, eu gosto da vivência e da dinâmica de um cemitério. Gosto de falar com os meus, de pedir ajuda, de me sentar a conversar e olhar e imaginar as suas respostas na minha cabeça; gosto de chorar com eles, quando preciso. Adoro sentar-me com calma e sem tempo, desfazer as floreiras e redecorar tudo, como quem remexe nos móveis de uma casa e lhe dá um novo visual (e eu que, até há bem pouco tempo, achava que não tinha jeito nenhum para fazer arranjos).

Mas, mais do que isso, gosto de estar num ambiente em que todos partilhamos a mesma dor: o luto. De uma forma ou de outra, todos os que ali circulam estão lá por terem perdido alguém. Dividem a maior dor da minha vida sem saberem nada sobre mim, mas conhecendo a dor de perto. E, não sei bem porquê, isto provoca uma dinâmica já não muito comum na sociedade, quase como quem num café do antigamente: dizemos bom dia a quem deambula com flores, baldes e vassouras; pedimos e oferecemos "lumes" descontraidamente; trocamos bitaites sobre o tempo horrível dos últimos dias, que nos destruiu os arranjos; confiamos no próximo para nos devolver os fósforos e a tesoura que emprestamos, mesmo quando os perdemos de vista até ao outro lado do cemitério. Esta semana um senhor até nos ofereceu as flores que lhe tinham sobrado para arranjarmos a campa. É um sentimento de comunidade que já não se encontra hoje em dia numa cidade. É quase como se fosse um micro-clima, onde há um pacto de paz, sob a premissa de estarmos todos ali por causa do mesmo: a ceifeira que nos roubou uma peça essencial da nossa vida. E isso, dentro da tristeza que tudo isto é, é muito bonito. Ou, pelo menos, eu assim o vejo.

 

PXL_20250527_135842878.jpg

(esta é a minha última "instalação" na campa da minha irmã: um jardim repleto de joaninhas (como ela)  para dar cor e vida àquele espaço, que eu quero que seja de leveza e partilha, e não de peso e tristeza)

19
Mai25

O verdadeiro dia de reflexão

Hoje é o verdadeiro dia de reflexão - este não devia ser o dia que antecede as eleições, devia ser o dia seguinte, para todos percebermos e pensarmos no estado em que está o país.

Tenho trinta anos, gosto de pensar que sou um ser político - gosto de pensar sobre o assunto, de discutir, trocar ideias -, tenho um posicionamento definido e um partido com quem simpatizo mas vou buscar ideias a todos e não considero que nenhum me sirva a 100%. Talvez por isso nunca tenha votado em ninguém ou em algum partido que alguma vez tenha ganho as eleições.

Ontem, ao só desligar a televisão depois da meia-noite, ocorreram-me muitas reflexões. Amanhã tenho um dia importante no trabalho e não tenho tempo para grandes textos e por isso, ao contrário do meu normal, deixo só aqui uns tópicos para pensar hoje, deixar eventualmente a pensar quem me lê e, acima de tudo, no futuro, eu ver o que a Carolina de 2025 achava de tudo o que está a acontecer no país.

 

  • Todos os partidos deviam pôr a mão na consciência e perceber que um partido como o Chega se deve a eles: ao seu mau trabalho, à sua falta de clareza e transparência, à sua ganância, à sua corrupção. À sua definição de democracia. 
  • Gostava, na vida, de ser como a CDU na política: ganha sempre.
  • Posso estar enganada, mas acho que o ódio que se destila em direção aos votantes do Chega não ajuda à causa de quem o destila. As pessoas que votam Chega precisam de compreensão, não de dedos apontados. Não acho que sejam pessoas mais burras ou menos capazes; acho, sim, que terão o copo da paciência e da esperança mais pequeno que os outros, já tendo transbordado. O voto no Chega é um voto desesperado. E, mais uma vez, a responsabilidade é de quem veio antes. Talvez aquilo que seja necessário mudar não é o Chega - é tudo o resto. Quando isso acontecer, este partido desaparecerá por si só, porque deixará de ter as bandeiras, os pregões e os chavões que chamam tanta gente.
  • Adoro o crescimento e a manutenção dos partidos pequenos e sou veemente contra o voto útil. Útil é pensarmos por nós próprios, útil é a pluralidade. Neste sentido, acho ridículo que os partidos votem como um todo no parlamento: nós elegemos pessoas, que concorrem pelos círculos políticos em que estamos territorialmente inseridos, e deviamos conhecê-las, a si e às suas ideias, para nos representarem ativamente na assembleia. Detesto a forma como, em Portugal, votamos no desconhecido, numa massa que pouco tem de homogénea; não gosto da maneira como o nosso sistema está organizado.
  • É necessário mudar a política de fundo. O contexto em que vivemos não é o pós 25 de Abril. A Constituição não é um documento intocável e é preciso atualizá-lo; é preciso deixar de fazer política como há 50 anos, deixar de fazer arruadas e comunicar eficazmente num sítio onde as pessoas ouvem (na internet, em podcasts, em programas de entretenimento, em locais onde estejam pessoas e não fantoches). Os jovens votam no Chega porque nenhum outro soube estar onde eles estão - e se é o único que conhecem, porque hão-de votar noutro?

 

Bom. Dito isto, seja o que Deus quiser.

20
Mar25

Hoje faço anos

Entro nos trinta pesada - muito. No sentido lato e metafórico.

No bolso, o peso do luto da minha irmã, que não tem melhorias lineares - aliás, atravessa agora uma fase bastante agreste. E estes dias, em particular, são muito difíceis de ultrapassar. Ter de lidar com a ausência de alguém que temos como garantido nestes dias importantes é horrível - porque se num dia normal eu até podia nem falar com ela, sei que ela nunca falharia uma chamada ou a sua presença no meu aniversário. Juntar a família e ela não estar ainda é muito duro - e hoje, mais uma vez, luto contra a inércia e esta dor implícita nas nossas vidas, tentando fazer aquilo que acho correto: juntarmo-nos a festejar mais um ano de vida, e tentar andar para a frente. Mas quando o peso da ausência é maior do que todas as presenças... as horas parecem dias a passar. Mas façamos o esforço - sei que seria aquilo que a minha irmã desejaria para nós.

Nas ancas, o peso da comida que como para me confortar, numa busca incessante de algo que alivie a dor, embora nunca nada funcione - o que não impede que continuemos a tentar. 

Na alma, o peso da responsabilidade em que me embebi, no que aos meus sobrinhos diz respeito. Não foi algo que alguma vez me tenha sido pedido, mas foi das primeiras coisas em que me atravessei e com o qual tentei sossegar a minha irmã. O meu sentido de moral, o amor por ela - e a extensão dela, que eles representam - e a minha veia de cuidadora não me deixaram fazer as coisas de outra forma. Na minha cabeça passam imagens de um dia já longínquo em que eu, miúda, estive com o meu pai no palanque da igreja, lado a lado com o padre, e em que me tornei madrinha. Embora hoje em dia tenha um simbolismo muito mais fútil e superficial, como é que alguma vez poderia esquecer a honra que a minha irmã me deu de amadrinhar um dos filhos dela? E isso representa mudanças na minha vida - agilizações, principalmente -, mas é tanto um encargo como um luxo poder mimar e ajudar a educar os meus meninos, passando simultaneamente mais tempo de qualidade com eles.

Na cabeça, o peso da exigência que sempre tive comigo própria, e que me diz que devia estar melhor do que estou. Mais feliz, porque estou viva e saudável. Mais grata, porque posso ajudar quem precisa de mim. Mais magra, porque se já consegui emagrecer no passado, devia conseguir fazê-lo de novo. Mais leve, porque supostamente o pior já passou e neste momento já devia poder respirar como dantes. 

Nos olhos, o peso de um cansaço com o qual não travo uma batalha justa - o reflexo do desequilíbrio da minha vida no último ano e meio e de tantas, tantas noites por dormir (ou, quando o sono me leva, dos pesadelos que me atormentam quase diariamente).

 

Que os trinta me tragam leveza,

sáude, coragem e esperança,

e me ensinem a viver com o que os vinte-e-nove me roubaram.

 

WhatsApp Image 2025-03-19 at 19.55.52.jpeg

(Figueira da Foz, Dezembro 2024) 

23
Fev25

Devia tirar mais fotos?

Debí tirar más foto' de cuando te tuve
Debí darte más beso' y abrazo' las veces que pude

Como a maioria das pessoas que ouve rádios comerciais, cruzei-me com esta música do Bad Bunny há já alguns meses. Aliás, diria que até foram as redes sociais que ma mostraram primeiro, com este refrão em loop, conjugadas com imagens lindas e mensagens supostamente-inspiradoras. É curioso, porque eu não gosto nada da música - aliás, nem me parece música, é mais uma poesia semi-cantada, mas enfim; a verdade é que me tocou e fez pensar sobre o assunto, por isso creio que já concretizou o seu propósito, mesmo não me caindo no goto (sonoramente falando).

Até há um ano eu era a fotografa oficial da família. Sempre que havia um evento qualquer - aniversários, ajuntamentos ou festas -, para além da minha multa em forma de pastelaria, levava sempre a máquina às costas para registar alguns momentos. Tenho vários textos escritos aqui no blog sobre a importância da fotografia para mim, de como gosto de registar algo que vai durar no tempo e ajudar-nos a recordar no futuro. Mais do que tirar fotografias, sou muito preciosista na escolha, arquivo e partilha das fotos e faço esse exercício com tempo e carinho para que, quando quiser consultar aquelas memórias, ter tudo pronto para uma consulta rápida e saborosa. Para além disso faço sempre álbuns de fotos anuais, com o best of de cada ano - um mais generalizado, com os aniversários da família nuclear e etc., e outro só meu e do Miguel, com fotos dos nossos passeios e viagens.

Mas este ano não me apetece tirar fotografias. Forcei-me a fazê-lo em alguns eventos mas as fotos estão empilhadas nos cartões de memória, à espera de chegar a sua vez de entrar no meu programa de edição. Não as edito, não as envio, não as organizo e muito menos as coloco em álbuns. Tenho fotos em eventos em que a minha irmã já estava doente... e outros em que a minha irmã simplesmente já cá não está. E eu ainda não sei lidar com esse degradé de desaparecimento. Aliás, perdi a capacidade de lidar com tudo: ver fotos em que ela estava saudável e feliz dói; ver fotos em que ela estava doente dói muito; ver fotos em que ela já não está dói imenso. Porra: o que é que afinal não dói nesta vida?

E é curioso sentir isto, porque na altura em que ela adoeceu eu tirei muitas fotos. Mais: cheguei a pedir ao Miguel para abrir a pestana e captar os momentos que sentisse que eram especiais. E o meu marido, incrível como foi em todo aquele processo, só me dizia "já tirei". Eu enchi o meu telemóvel de fotos porque sabia que aqueles momentos eram efémeros e queria captá-los, guardá-los, garantir que jamais cairiam no esquecimento. Ao contrário do Bad Bunny, nunca pensei que "devia tirar mais fotos", porque as tirava a toda a hora, nas mais diversas condições - mesmo nos piores momentos. Porque aquele era o meu dia-a-dia e nenhuma imagem me chocava; porque eu sabia que tinha de aproveitar todas as ocasiões para dar "os beijos e abraços, todas as vezes que pude". 

O pior é agora - agora que o tempo está a fazer o seu trabalho, que apaga umas coisas e realça outras, que quase nos altera a memória de forma a que possamos seguir em frente. Mas será que é sempre para melhor? Porque se por um lado o tempo ajuda - uma das frases que mais ouvimos neste percurso - também o é que o desenvolvimento do luto não é linear e coisas úteis e valiosas se perdem neste processo de detox do cérebro. Hoje, por exemplo, tenho muito mais dificuldade em lidar com a morte do que há quatro meses; a ideia dessa passagem como algo que salva da dor, como uma coisa que pode ser positiva e que está ao virar de cada esquina de cada um de nós, está a desaparecer. A morte, naqueles meses, deixou de ser algo que eu receava; aquilo que eu temia era não viver. E isso mudou tudo em mim e era algo que eu gostaria de manter. Mas agora, longe da minha irmã doente e das entradas e saídas dos paliativos, em que o meu presente virou passado e as memórias deixam de ser frescas, começo a encarar a morte como antes: uma coisa distante, terrível, a forma suprema de dor. E isso reflete-se na maneira como olho para as fotografias. Se antes as tirava com o intuito de lembrar as coisas boas, dos momentos extra que tive com ela, hoje observo-as com a dor de quem só perdeu e nada ganhou. Um filtro negativo está a invadir a minha visão e, por muita racionalidade que ponha nos meus argumentos, a emoção da perda e do luto levam a melhor. 

Não sei se me hei-de obrigar a agarrar na máquina e fotografar, de pegar no computador e editar as milhares de fotografias que se acumulam - mesmo que isso seja quase um autoflagelo que sei que culminará com dor e choro - ou se, simplesmente, espero que o tempo continue a fazer o seu papel e aguardar pelo momento em que tudo isto se suavize. A questão é: será que esse momento vai chegar? Será que alguma vez voltarei a pegar na máquina com o mesmo intuito de salvaguardar momentos e memórias para a posteridade ou é simplesmente um hábito que vai morrer? No fundo, na última década, registei a história de uma família unida. Faz sentido parar de o fazer? Será que não me vou arrepender no futuro? Porque a verdade é que, enquanto medito sobre a melhor maneira de lidar com isto, os momentos vão passando. E, sem fotos, vão só ficando memórias. E, como o tempo é traiçoeiro, sei lá eu o que vai restar na minha cabeça daqui a uns anos. Talvez o Bad Bunny tenha (agora sim), razão... e eu deva tirar mais fotos. 

Mas porra. Dói tanto.

 

IMG_20250127_095857_697.webp

19
Fev25

O adeus a Pinto da Costa: uma figura cheia de contraditórios

Este blog anda assim, anacrónico. Está longe do que foi em tempos, sempre em cima do assunto, com textos escritos nos minutos seguintes aos acontecimentos; mas a verdade é que a minha vida está muito longe daquilo que eu alguma vez imaginei. É aceitar e continuar. Por isso, ainda que em contrapasso, venho aqui deixar umas palavras sobre Pinto da Costa.

Há pouco mais de um ano eu estava furiosa: as eleições para a presidência do Porto tinham sido marcadas num dos únicos fins de semana do ano que não passei em Portugal. Eu, que tinha as quotas em atraso e não planeava regulá-las tão cedo, paguei tudo o que tinha a pagar só para ir votar no Villas-Boas - e, quando lançam a data do sufrágio, já eu tinha a viagem para a Islândia marcada.

Lembro-me bem de estar em Vík quando saíram os resultados. A ver a RTP no telemóvel, festejei como se tivesse sido o meu partido a ganhar, porque queria muito que o FCPorto mudasse de rumo. Fiquei mesmo muito feliz. Sou portista desde que me conheço e embora esteja longe da minha fase mais "aguda", continuo a ser sócia e muito simpatizante do símbolo. Daqui a quatro anos recebo a minha roseta de prata, que muito me orgulhará.

Dito isto, é importante frisar que o facto de almejar um rumo novo para o meu clube não quer dizer que despreze tudo aquilo que foi feito no passado. E o passado do Porto - o recente, o médio e longo prazo - tem um nome: Jorge Nuno Pinto da Costa. E a sua presidência foi incrível e gloriosa, mas teria sempre de ter um fim. Há uns dias, a propósito do óbito do nosso eterno presidente, Rui Moreira dizia uma coisa tão verdadeira como interessante; não conseguindo parafrasear, foi algo como: "felizmente para mim [a propósito da presidência da Câmara do Porto], tenho um número limitado de anos em que posso estar no meu cargo, o que não acontece no caso do FCPorto". Continuou explicando que a permanência no cargo tira vida à instituição, assim como a capacidade de atrair novas ideias e pontos de vista, promovendo também coisas menos boas, que todos sabemos que existem em todos os cargos de poder.  

Nunca poderei agradecer ao Pinto da Costa as alegrias que me proporcionou enquanto vencedora da Liga dos Campeões e de duas Taças Uefa, para além de campeonatos nacionais. O futebol tem esta coisa maravilhosa de nos dar alegrias só por uma bola entrar numa baliza. Mas a verdade é que o coração acelera e a dopamina se espalha pelo corpo de forma mágica... e isso é algo que só quem gosta é que sabe explicar. E tal não seria possível sem alguém com visão e ambição no poder e à frente do Porto.

Aquilo que eu gostava que se percebesse é que o facto de se votar pela mudança não é a negação da prestação incrível que Pinto da Costa teve enquanto presidente. Não são duas premissas que se neguem uma à outra - conseguem perfeitamente coabitar. Isto só não acontece em mentes quadradas e que não vêem o FCP como uma empresa, que precisa de ser gerida como tal, e não como uma associação de amigos em que os lucros são distribuídos e não declarados. Para além disso, o Porto também não é uma associação de geriatria: embora perceba que a perda do cargo possa ter impactado negativamente a saúde de Pinto da Costa, também sei que nunca seria benéfico para o clube ter alguém em fim de vida nos seus comandos. Porque a questão é: nós somos portistas ou Pintistas? Qual é o nosso objetivo máximo? 

A falha capital do Pinto da Costa foi a sua saída. O verdadeiro capitão de um barco escolhe o todo em vez de si próprio; olha para as necessidades da organização em vez de observar as suas próprias vontades. E o Porto, que estava em risco de tanta, tanta coisa (financeira, de valores, de podridão interna) precisava de sangue novo - e que pena o Pinto da Costa ter posto o amor pelo seu lugar já tão desgastado acima do amor pelo clube! A ovação que recebeu deitado no caixão, em pleno Estádio do Dragão, poderia ter recebido em vida, enquanto um estádio inteiro lhe agradecia todos os feitos por ele conquistados. Pinto da Costa amava o FCPorto, mas também amava o seu lugar de poder, a sua influência e os seus "amigos" - e o tempo fez com que esta balança fosse ficando progressivamente desequilibrada. Por isto, creio que terá morrido um homem amargurado - algo que teria sido evitado se tivesse sido conduzido da forma correta a uma saída que teria sido colossal e merecida.

Quando recebi a notícia da sua morte fiquei triste - na verdade, até emocionada, com todas as homenagens prestadas. Porque estas discrepâncias são possíveis e existem, pois somos humanos e sentimos muitas coisas, às vezes até contraditórias. Pinto da Costa era um homem com uma eloquência e dom da palavra que eu admirava - mas usava-as muitas vezes no sentido e propósito errados. Pinto da Costa foi um presidente ótimo e histórico, mas precisava de sair ainda antes de ter saído. Pinto da Costa foi, de certeza, corrupto - mas deu mais ao clube do que alguém possa imaginar. Pinto da Costa é uma figura incontornável do futebol e até da sociedade, propulsor do FCPorto mas também do norte do país, pela capacidade que teve de levar o nome do Porto aos quatro cantos do mundo - mas também fez com que os portistas fossem conotados com uma série de adjetivos e ideias menos felizes e, quiçá, injustas para quem do FCP é adepto.

Eu teria votado no Villas-Boas (e todo este processo só fez ver que foi de facto a escolha certa para o clube), mas nunca desprezei o Pinto da Costa e todos os seus anos no meu clube do coração. Que, com a sua morte, se pare finalmente com uma cisão que ele infelizmente ajudou a criar e que não tem razão de ser: porque apoiar um candidato não é negar a grandiosidade de outro. Para um homem tão inteligente, falhou as aulas de lógica mais básicas de filosofia.

Pinto da Costa: a sua ausência será sentida mas o seu legado sempre lembrado. Mas o FCPorto continua - e esse, sim, tem de avançar. Siga!

 

img_1500x1000uu2025-02-17-15-03-23-2193816.jpg

Foto daqui

05
Fev25

5 objetivos para 2025

Sinto que estou a escrever este texto e já a falhar. Um post sobre objetivos para o ano, que foi delineado e pensado logo nos primeiros dias de 2025, que começou a ser escrito a meio de Janeiro enquanto apanhava sol na Avenida dos Aliados e que só foi revisto no início de Fevereiro... é logo uma falta na minha caderneta imaginária. Nunca, em catorze anos deste blog, tal me aconteceu. Mas é o reflexo da minha vida, que ainda está em modo caos e de adaptação, após um 2024 muito duro e traumático, que alterou muita coisa em mim e na dinâmica do meu núcleo familiar. Já estamos em Fevereiro mas o que aqui passei por escrito está, desde Novembro, na minha cabeça. E não me fazia sentido passar à frente os tópicos que gostava que guiassem o meu ano. 

Por isso, e como já vamos tarde, vamos diretos à questão. Então aqui vão os meus cinco objetivos para 2025, para além dos óbvios (saúde, coragem e capacidade de saborear a vida):

 

- Voltar a fazer bicicleta. Em 2024 perdi o hábito que me demorou quase dois anos a construir e consolidar. Foi algo consciente - simplesmente não havia tempo para tudo e eu tive de priorizar e fazer escolhas. Se treinei uma dúzia de vezes durante o ano passado, foi muito. Treinar de manhã, mais toda a higiene que isso implica, rouba-me tempo considerável; tempo que, no contexto do ano anterior, se tornou indispenável para eu dedicar à fábrica ou reforçar o cuidado àqueles que precisaram de mim naqueles meses tão duros. Para além disso faltavam-me as forças; tudo o que eu tinha era direcionado para um propósito e ao final do dia sentia-me totalmente drenada, morta de cansaço. Agora com a vida mais estabilizada preciso de voltar a encaixar este velho, bom, mas doloroso hábito. Preciso de emagrecer mas, acima de tudo, quero sentir-me bem comigo própria e estar em paz com a visão devolvida pelo espelho. Independentemente do efeito que o exercício tem na saúde física, a verdade é que o impacto psicológico é enorme: posso até nem estar mais magra mas, depois de uma semana a treinar, o espelho "diz-me" logo: "ufa, assim estás muito melhor!". E a verdade é que a vida é muito mais feliz quando estamos bem connosco próprios.

- Continuar a ler - sem constrangimentos nas linhas da história ou medo de contornos mais difíceis. Li menos em 2024 do que em 2023 - nada de surpreendente. Aliás, de admirar foi ter conseguido ler 21 livros! As noites em branco foram as que mais contribuíram para o progresso da leitura; podia dizer que o tempo de espera em hospitais também ajudou, mas a verdade é que nunca consegui ler grande coisa enquanto esperava - o "plim" das chamadas para as consultas ou exames, principalmente nos hospitais públicos, é tão constante que tolda a concentração. Mas este objetivo vai para além dos números: aquilo que eu gostava era de não estar tão balizada e limitada nas minhas escolhas de leitura, por via dos assuntos tratados em cada livro. A verdade é que me coibi de ler tudo o que envolvia mortes, doenças, perdas ou temas muito pesados, porque sentia que não precisava de mais esse peso na minha vida, com tudo o que se estava a passar à minha volta. A questão é que a grande maioria dos livros gira à volta destes assuntos ou, no limite, toca neles superficialmente, limitando-me enormemente a escolha e fazendo com que quase só tivesse lido romances de cordel que, não me fazendo mal, também não me acrescentam. 


- Investir na minha formação de vida. Quem ler isto acha que quero tirar um novo curso, mestrado ou doutoramento... ou fazer crescer o meu currículo. Não estou nessa fase da vida e espero nunca lá chegar. Que deus me livre de voltar à faculdade, a não ser quando for velhota e vá para lá como mero desporto. Mas sinto falta de aprender coisas novas - e, acima de tudo, de estar focada em algo. Ter um objetivo.

Por isso é que, no final do ano passado, decidi que ia aprender a costurar. Isto já não é uma coisa nova - é uma veia que já cá anda há muitos anos (tive uma máquina de costura pequenina, comprada nos chineses, que a minha mãe me ensinou a operar quando eu tinha uns 10 anos - e fazia as minhas próprias malas, bem pirosas, cheias de coisas que comprava nas retrosarias da baixa) e que também se liga muito com a área onde trabalho e que tanto gosto. Mas a verdade, pura e dura, é que fui influenciada. Há mais de um ano que sigo uma conta que transforma roupa antiga (peças de vestuário, lençóis, mantas, cortinados, etc.), em roupa magnífica... e eu sou louca pela ideia de transformar algo pobre, velho e abandonado numa coisa nova, com brilho e magia (daí gostar tanto de indústria). E pronto: de tanto ver, decidi que queria fazer igual - ou, pelo menos, ter capacidades para tal. (Se quiserem espreitar, a página chama-se Poppy Lu).

Mesmo a nível profissional sei que esta é uma componente em que tenho várias lacunas, pois sinto que se soubesse mais sobre a parte de confeção (que costuma ser a etapa produtiva seguinte àquela em que eu trabalho) poderia potenciar mais a minha empresa do ponto de vista comercial. Por outro lado, acho que hoje em dia temos a tendência de não saber fazer nada - há sempre quem faça por nós, basta pagarmos. Antigamente, ainda que de forma muito dividida e injusta, os homens tinham um conjunto de capacidades e as mulheres outras; a verdade é que, entre um casal, normalmente quase tudo se fazia. Não que fossem auto-suficientes, mas safam-se para o básico (as mulheres cozinhavam, costuravam, limpavam; os homens reparavam coisas, entre madeiras, metais e canalizações); mas hoje nem sentido crítico para o básico temos! E, para mim, sentido crítico é pensar: "estão a cobrar-me quase dez euros por fazer uma baínha?!". 

O meu objetivo é ir para além dos arranjos básicos - que quero aprender a fazer para me capacitar e não ter de os pagar, claro - mas também peças mais estruturadas. Cresci no meio de tecidos, malhas e trapos e acho que há em mim muita criatividade que tem, literalmente, pano para mangas.. e gostava de lhe dar espaço para crescer. Para além disso ando há anos atrás de um hobbie que me preencha e que tenha a capacidade de me desligar do mundo - não encontro isso na escrita, na leitura ou a tocar piano, por exemplo. E a verdade é que, nas minha primeiras aulas de costura (estou na Maria Modista), isso aconteceu: as três horas de aula passaram num ápice... e eu encantada da vida!   

Para além da costura, gostava de aprender coisas com quem sabe e ficar inspirada para fazer igual: já há mais de um ano que subscrevo os cursos da BBC Maestro (tenho a meio o curso do Ken Follett sobre a escritas de bestsellers) e gostava muito de levar dois ou três a sério e retirar algum sumo daquele projeto que me parece muito interessante. A ver vamos se tenho tempo para tudo!


- Mudar o visual do blog e reaprender a escrever. Já tenho, há muito tempo, uma ideia do visual que quero para um blog mais fresco e renovado - e quando digo muito tempo são quase dois anos, o que quase torna esta ideia que ainda não se tornou realidade em algo velho. Estou destreinada no que a programação básica diz respeito, tenho menos tempo e, admita-se, paciência. Gosto muito deste tom verde seco que me acompanha há já vários anos mas acho que é tempo de mudar. Que 2025 traga a mim a inspiração!

Mas, mais importante que isso, que me traga a facilidade de escrever - porque de nada me serve ter um espaço bonito e renovado se não crescerem coisas novas cá dentro. Porque quando digo que preciso de reaprender a escrever, o que quero dizer é que preciso de "reajustar" tudo o que está à volta da escrita. A verdade é que eu não escrevo por falta de ideias (publicaria um a dois textos por semana, com facilidade) e, muitas vezes, também não é por falta de tempo. O problema está no contexto e na envolvência: desde que saí do meu quarto e de casa dos meus pais que toda a logística da escrita se modificou para mim... e dou por mim a ter dificuldade em escrever noutros computadores que não o meu. É parvo, não é? Nós somos mesmo animais de hábitos, de rituais, de rotinas. Eu gostava de escrever no meu recanto designado, com um bater de teclas muito específico, sozinha, sem horas... tinha uma forma e timings específicos para rever os textos, que publicava com uma cadência que me fazia sentido. Era tudo como eu gosto: organizado, pensado, estruturado. Mas a minha vida toda mudou.

Foi uma mudança para melhor mas que acaba por ter os seus tempos muito mais preenchidos e panos de fundo diferentes, que eu ainda hoje não consegui repor ou reproduzir neste meu dia-a-dia de adulta, trabalhadora, dona-de-casa, mulher, namorada, amante, filha, tia, etc. Tem sido difícil e triste ver cair uma parte de mim que me dizia tanto - que fez com que mudasse o rumo da minha vida! - mas, de facto, não tenho encontrado alternativas para encaixar uma atividade que me dá gozo mas que me toma muito tempo... e que só me satisfaz completamente quando é feita da forma como idealizo, o que nem sempre é possível. Já me tentei reinventar várias vezes (mudar horários de escrita, criar locais mais recatados para escrever) e, quando acho que estou num bom caminho, falho outra vez. Mas ainda não estou pronta para deitar a toalha ao chão. Vamos tentar que 2025 seja uma reviravolta. 


- Talvez 2025 seja o ano em que, finalmente, crio uma marca minha. Se a vida me tem ensinado a não fazer demasiados planos, também me tem demonstrado que não há "a" altura certa e que adiar as coisas que desejamos ad eternum não é uma boa ideia. Por isso, se tudo correr bem e me sobrarem algumas forças, talvez nasça um projeto novo no segundo semestre deste ano. Fingers crossed!

 

Bom 2025 - ou, aliás, felizes restantes onze meses deste ano. Ainda é muito tempo... e ainda vale, certo?

10
Jan25

Adeus 2024

Todos os finais de ano faço um balanço sobre os 365 dias que passaram e uma lista daquilo que fiz, para registar para a prosperidade. E se por um lado me custa romper a tradição, por outro não acho que faça muito sentido dedicar mais palavras a um ano tão miserável como 2024. Foi, de longe, o pior ano da minha vida: e não pareceu um ano, pareceram três. A primeira parte, de Janeiro a Março, teve a minha mãe muitíssimo doente, com perspectivas de futuro atrozes e praticamente depende de terceiros para (sobre)viver; a segunda parte, de Março a Outubro, a testemunhar o declínio rapidíssimo da minha irmã, que havia de culminar na sua morte; e a terceira parte, de Outubro até ao final de ano, numa espécie de alívio sem rede, um misto de sentimentos muito difícil de descrever e ainda pior de gerir. Acho que posso compará-lo à saída de um recluso de uma prisão onde esteve a cumprir a nossa pena máxima: há alívio por finalmente sair daquele pesadelo, mas é inegável o medo que se sente do futuro por nada ser igual ao que era dantes. A realidade, como a conhecemos até então, muda completamente; as dinâmicas entre as pessoas são diferentes, o peso que carregamos às costas, fruto da experiência, é muito maior. O mundo, em si, é o mesmo... mas parece completamente alterado. 

Foi tudo tão mau, tão mau que eu não consigo compreender como é que 2024 foi bom para alguém. Testemunhei, de longe, os episódios mais dramáticos, tristes e traumáticos da minha vida - daqueles em que nos beliscamos e pensamos: "isto só pode ser um pesadelo". Não foi um, não foram dois, foram dezenas: de berros, choro, dor física, dor emocional até ao pânico máximo de ver alguém a morrer à nossa frente. Vi o verdadeiro desespero nos olhos daqueles que me rodeavam vezes sem conta. Tomei, e tomamos em conjunto, decisões pesadas e atrozes que, se não tivessem sido feitas em determinados contextos (que já nem hoje consigo reproduzir), me pesariam na consciência até ao resto dos dias. Falei da morte como quem fala da máquina de lavar a roupa. Fiz de médicos, amigos. Dos irmãos, companheiros de trincheira. Da minha irmã, o foco principal da minha vida.

Só escrevo hoje, mais de uma semana passada desde o novo ano, porque a transição de 2024 para 2025 não foi fácil. Lembro-me bem dos primeiros minutos de 2024, passados com lágrimas nos olhos e medo do futuro, porque sabia do estado de saúde da minha mãe e temia que a minha vida mudasse muito; foi a primeira vez que, na virada do ano, sabia que não adiantava de muito pedir desejos, porque a única coisa que importava era manter viva quem me deu vida - e sabia que, para isso, ainda iríamos todos sofrer muito. O que eu não sabia era o quanto; o que desconhecia era que a vítima de 2024 seria outra, numa viragem da lógica da vida que custou ainda mais a superar. Sabia que 2024 ia ser difícil, mas longe de imaginar que ia ser aquilo que foi. Um pesadelo tornado realidade.

No entanto, é difícil fechar um ciclo onde sabemos que deixamos coisas valiosas que jamais vamos poder reaver. Custa saber que os anos avançam e que a minha irmã não avança com eles. Os dias vão passando e as metas vão-se ultrapassando: já foi o primeiro Natal, agora o primeiro ano novo, e ainda tantos "primeiros" estarão para vir que dói só de imaginar. Ela faria anos a 27 deste mês e eu já tremo só de imaginar.

E, por muito estranho que pareça, já tenho saudades do pior ano da minha vida, porque sei que há momentos que nunca mais poderei reviver e mãos que jamais poderei apertar. E por isso, daqui para frente, só peço uma coisa: que 2024 seja, para sempre, o pior de sempre.

Para não ficar sem cumprir a minha tradição, aqui fica a lista de 2024. A verdade é que, olhando bem, acabo por ter um catálogo ainda vasto de eventos culturais, passeios e viagens. Fiz muitas dessas coisas puxada pela ponta dos cabelos: era eu que as marcava e era eu quem me obrigava a ir, porque sabia o risco que corria se só me cingisse à dor de ver a minha irmã doente e à tarefa de cuidar dela. Procurei entreter-me, rir-me ainda que sem muita vontade, e tentar ser feliz em micro-momentos, ainda que o panorama geral fosse de caos total - e acho que foi isso que me permitiu continuar em pé após a partida da minha irmã. 

 

Em 2024, eu:

- Adoptei oficialmente um gato na fábrica;

- Passei mais de metade dos dias do ano em hospitais, entre consultas, visitas hospitalares, recados e acompanhamentos a imunoterapia, quimioterapia e radioterapia;

- Fui ao espetáculo da Bumba na Fofinha e vi outro concerto dos Candlelight;

- Fui à Islândia e à República Dominicana;

- Passeei na Apúlia, em Aveiro, em Viana do Castelo, em Óbidos e em Lisboa;

- Vendi muita coisa na Vinted;

- Fui até ao Algarve mas quase não fui à praia - aliás, fui a um hospital também por lá, só para não ter saudades;

- Fui ao Comic-Con;

- Pensei em construir casa mas desisti da ideia;

- Dei duas ninhadas de gatinhos;

- Era para ter feito um cruzeiro, mas acabei por desmarcar;

- Aprendi a pôr catéteres;

- O Panzer tirou o rabo e a Milú foi esterilizada;

- Dei muito colinho aos três novos primos que se juntaram à família;

- Planeei um funeral e escrevi, pela primeira vez, um elogio fúnebre;

- Voltei ao terminal de cruzeiros de Matosinhos, desta vez com o Miguel;

- Fiz uma visita ao Museu do FCPorto;

- Tentei aprender a tricotar, embora sem grande sucesso;

- Fiz a árvore de Natal mais bonita que me lembro;

- Comi vários pães com chouriço e aprendi que, talvez, haja uma coisa ainda melhor: o pão com queijo em forno de lenha, uma especiaria que só há na feira medieval de Santa Maria da Feira e que para o ano talvez faça com que vá lá todos os dias....;

- Fui ver as duas primeiras etapas da volta a Espanha, que partiu de Lisboa e arredores;

- Fui muitas vezes ao cemitério;

- Não cozinhei comida decente durante vários e vários meses e fui mais vezes almoçar fora do que nos últimos cinco anos da minha vida;

- Descobri os meus gelados favoritos;

- Fiz mais uma tatuagem;

- Dei muitas vezes banho, sequei muito cabelo, vesti muitas vezes, calcei muitas vezes...;

- Fiz tranças em todo o cabelo;

- Fui três vezes a um parque de trampolins;

- Rapei o cabelo à minha irmã;

- Subi meia dúzia de vezes para a bicicleta estática lá de casa - mas o Miguel convenceu-me a andar cinco minutos na rua, ainda que eu já achasse que não sabia andar de bicicleta;

- Fiz muitos pensos, muitos curativos, dei muitas injeções e muita medicação;

- Fui picada por uma vespa;

- Fiz madeixas no cabelo, para tentar esconder as muitas brancas que tenho, mas não garanto ter adorado o resultado;

- Perdi a minha irmã. A perda, e o evento, mais colossal da minha vida. 

 

IMG-20241117-WA0005.jpg

23
Dez24

A história de um legado e os votos de um Feliz Natal

Há dias, em consulta, percebi que a minha irmã me deixou muita coisa em vida (as experiências, as memórias, o amor) mas que, na sua morte, me deixou também um propósito. Um legado. Não que alguma vez me tenha pedido alguma coisa: a morte dela não teve nada que ver com os filmes, com mensagens inspiradoras e bonitas, uma moral da história ou recadinhos para ler em fases mais tardias, com mensagens preciosas que no futuro nos guiarão a vida. A sua partida (e o caminho até lá) foi só uma experiência aterradora e incessantemente triste, pois morreu uma mulher que não queria morrer, naquilo que nos pareceu um processo eterno mas que na realidade foi um ápice. Não houve tempo para pedidos ou recados porque, na verdade, também não houve tempo para uma mentalização firme daquilo que estava acontecer. A vida engoliu-nos para um buraco negro; e nós ficamos com a cabeça à superfície mas perdemo-la a ela. Ainda hoje estamos a aprender a respirar.

Cada um está a reaprender a usar os seus pulmões gerindo o seu luto e as suas batalhas. Eu fui trabalhando em muita coisa ainda enquanto cuidava da minha irmã e consegui transformar muito daquilo que vivi com ela em coisas verdadeiramente positivas. Juro que falo a verdade quando relembro muitos momentos que seriam aparentemente maus com imensa alegria. Porque chegou uma fase em que eu já só queria colecionar sorrisos e memórias, independentemente do local onde estava ou da tarefa que estávamos a fazer; era indiferente se estávamos na quimioterapia ou no sofá... O importante era o sor(riso) dela e as nossas mãos dadas.

O que sobrou dessa forma de estar foi a vontade de continuar a recolher momentos. Já não o posso fazer com ela, mas ainda consigo fazê-lo com os outros, aqueles que importam na minha vida. A morte precoce da minha irmã mostrou-me que a fava pode sair em qualquer fatia do bolo-rei, inclusive a nossa: e eu sinto-me responsável por aproveitar os dias que me restam (independentemente se são 30 ou 25 mil). Se ela já não pode, como é que eu me posso dar ao direito de não o fazer? Como é que isso seria honrar a memória dela? Eu sinto-me responsável por viver, por saborear, por ser feliz... Porque ela já não pode sê-lo. Porque eu não sei o dia de amanhã.

E assim percebi que transformei o evento mais trágico e triste da minha vida numa missão. Que ela, sem querer, me deixou um legado. E isto tem mudado tanto, tanto a minha forma de ver a vida e de fazer as coisas; tem alterado os meus objetivos a curto e a longo prazo, mudou a forma de eu olhar para os outros, para o trabalho e para os problemas. E isto é algo porque passamos, talvez, na adolescência - o adequar das nossas prioridades e preocupações àquilo que almejamos ser, àquilo que queremos ver na sociedade e nos outros. E é algo desestruturante para mim estar a refazer todas estas narrativas agora, já adulta; do nada, olho para uma coisa qualquer à minha volta e percebo que já não me identifico com a forma como pensava há um ano, e tenho de fazer de novo todo o caminho para me posicionar de acordo com aquilo que sou hoje, depois de ter vivido o que vivi. É confuso, cansativo e transformador; requer tempo e espaço mental... mas eu sinto que não tenho alternativa senão fazê-lo. Isto também é parte do luto - albergar todas as alterações decorrentes daquela morte. Por isso é um caminho que tenho feito com a calma possível e paciência - embora, tal como uma adolescente, me irrite com muito mais facilidade com todas as pessoas que não estão alinhadas com a minha nova linha de pensamento.

O que me leva ao Natal. As festividades de 2023 ficarão eternamente encapsuladas para mim, pois foi a última vez na minha vida em que as passei com a minha família de raiz-nuclear: os meus pais e quatro irmãos. É irrepetível. E por isso valorizo-o muito mais. Se houve chatices, desentendimentos, zangas? Houve. Se olhando para trás e tendo em conta aquilo que perdi, se isso importa? Zero. Quando as circunstâncias assim obrigam nós temos facilidade em priorizar as coisas; e aquilo que outrora foi relevante deixa de o ser.

O exercício que tenho tentado fazer é determinar prioridades certas logo desde início; que não seja preciso um evento trágico para as alinharmos da forma como sempre deviam ter estado. O Natal é um poço sem fundo de chatices, de fretes, de inconvenientes, de zangas e de mal entendidos. Tudo serve de desculpa: as prendas, as famílias, a casa onde fazer a festa, o tamanho do bacalhau. Passam-nos a mensagem de que é a época mais mágica do ano quando, em adultos, passa a ser a altura mais chata de todas. Agora pensem que uma das pessoas mais importantes da vossa vida morre hoje. Têm a certeza de que se querem chatear sobre o número de prendas que cada um dá ou se vale a pena fazer finca-pé para não juntar a família dos dois lados? Acham mesmo que é isso que importa? 

Por isso, o meu desejo para este Natal é longo mas claro: que aproveitem os vossos rituais e tradições como se fosse o último Natal. Que desfrutem da família e da unidade que formam, independentemente se são três ou trinta e três. Que refaçam o protocolo as vezes que forem precisas para encontrarem consensos, meios-termos e equilíbrios; que deem o braço a torcer as vezes que forem precisas mas que dialoguem se a conclusão a que chegam não vos trouxer o mínimo de paz de espírito ou justiça. Que procurem a felicidade em locais e momentos onde nem sempre ela reina - mas onde vive, ainda que mais escondida. Porque tudo isto, sim, é amor: é aprendizagem, flexibilidade, adaptação, união e equilíbrio. 

Que esta época seja recheada de todos estes ingredientes e de menos intrigas. 

Feliz Natal.

08
Dez24

Chávena de Letras: "O Homem que Passeava Livros"

500_9789892354576_o_homem_que_passeava_livros.jpg

Este não foi um livro pela qual me conseguisse apaixonar. Desde o início que se denotava uma nota triste, sempre com a velhice e a degradação que ela provoca por detrás de todos os capítulos; o contraste com a vivacidade de Schascha só vem acentuar ainda mais as dificuldades de Carl.

É gira a relação que existe com os livros - em particular com a distinção de algumas personagens icónicas - mas não o suficiente para me ter conquistado. Lê-se bem, apesar dos capítulos relativamente longos para este tipo de obra, mas o gosto com que se fica na boca, em particular no final, não é muito bom - ainda que não seja um final infeliz (o que é curioso).

Lê-se, mas não acrescenta - principalmente se tivermos com a alma mais triste à partida.

04
Dez24

E agora, o Natal?

Acho que neste momento da minha vida preencheria os critérios para ser oficialmente um grinch de Natal. Sei que o que maioritariamente desmotiva e entristece as pessoas nesta quadra é aquilo que outrora já as motivou: o ajuntamento, a celebração conjunta, a partilha com aqueles de quem mais gostamos. (Isto se tirarmos a parte das guerras familiares, gestões de famílias e, claro, sogras). A partida dos pais é, pelo que vejo, aquilo que faz a distinção dos Natais-felizes dos Natais-por-obrigação; diria que a morte dos nossos pais é a queda do conceito basilar de família, o fim do Natal como o conhecemos desde crianças, e trazemos para a época toda a nossa dor e sentido de perda.

Felizmente ainda tenho os meus pais comigo, mas este ano, como sabem, vai faltar-me uma peça essencial - uma que, tal como quem me fez nascer, faz parte do meu Natal desde que eu me lembro de existir. A perda dos progenitores é algo certamente muito marcante na vida de qualquer um... mas é expectável. A morte de um irmão não. Mesmo no meu caso, em que temos idades bastante díspares, eu sempre olhei mais para o facto de estarmos assentes na mesma linha genealógica e não propriamente para a idade; na minha cabeça, a partida de qualquer um de nós seria igualmente trágica e pesada e a ordem com que iríamos seria aleatória, pois estamos todos no mesmo ramo da vida. É claro que as coisas não funcionam assim: uma diferença de 15 ou 22 anos é demasiado grande para não ser notada a longo prazo - mas nunca a minha ideia foi perder a minha irmã com 45 anos. 

A aceitação desta realidade é como o luto: vai e vem. Nuns dias melhor, noutros pior. Mas mal a minha irmã partiu eu deixei logo assente que o Natal era para se realizar nos moldes normais - porque apesar de eu já me considerar com habilitações suficientes para ser um grinch de Natal - daqueles que rosnam de cada vez que se fala das refeições, daqueles que reviram os olhos sempre que se comenta a lista de prendas ou dos que fazem cara feia durante os dois dias de festa -, não me fazia sentido descartar (pelo menos sem luta) aquela que é a minha época favorita do ano "só" porque a minha realidade mudou e o nosso contexto familiar estará eternamente mais pobre. Não me faz sentido que, no meio de tanta tristeza, eu prescinda de algo que sempre me trouxe tanta alegria e calor. Até porque o Natal não são só dois dias - o Natal é toda uma época que, por sinal, começa cada vez mais cedo. Se passar a aliar o Natal a esta perda vou passar a viver dois meses miseráveis todos os anos - e que bem é que isso me vai fazer?

A verdade é que agora que os dias se aproximam eu percebo que a teoria é mais fácil do que a prática. A minha vontade de fazer as árvores não é igual à que tinha anteriormente, tenho ouvido poucas músicas natalícias e as prendas estão muito mais atrasadas do que o costume. Eu estou, obviamente, mais triste do que nos outros anos. Perdi a minha irmã há mês e meio e é tudo muito fresco - e no Natal terão passados apenas dois meses e vamos estar todos inevitavelmente tristes. Não há volta a dar, ainda por cima sendo o primeiro sem ela. Mas a felicidade é uma escolha. E eu escolhi - independentemente das minhas oscilações de humor diárias e desta perda que pesará sempre mais do que eu gostaria de carregar - que quero ser e estar feliz. Por mim e por ela.

Escolho fazer a árvore e decorar a casa com amor, escolho cozinhar os doces com a minha mãe no dia 24, escolho continuar a escolher criteriosamente os presentes que dou. Defini que queria fazer uma série de atividades com a minha sobrinha, quero ir ver as luzes, passear, comprar castanhas e usufruir. Quero sentir o frio nas orelhas e o quente no coração. Porque a verdade é que o Natal é demasiado longo para ser mau e demasiado bonito para ser desperdiçado. E porque nunca sabemos quando será o último. Mais vale aproveitá-lo.

 

Natal_Dez2023-60.jpg

Pesquisar

Mais sobre mim

foto do autor

Redes Sociais

Deixem like no facebook:


E sigam o instagram em @carolinagongui

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Leituras

2025 Reading Challenge

2025 Reading Challenge
Carolina has read 3 books toward her goal of 24 books.
hide


Estou a ler:

O Segredo do Meu Marido
tagged: eboook and currently-reading
A Hipótese do Amor
tagged: currently-reading
I'm Glad My Mom Died
tagged: currently-reading
Spare
tagged: currently-reading

goodreads.com

Arquivo

    1. 2025
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2023
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2022
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2021
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2020
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2019
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2018
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2017
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2016
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2015
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2013
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2012
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    1. 2011
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D