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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

30
Mar23

Chávena de Letras: "Mãe, Doce Mar"

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Li este livro rapidamente na tentativa de não esmorecer a leitura, pois rapidamente me apercebi que o estilo de escrita não era o meu favorito. Já tinha lido João Pinto Coelho, mas se a memória não me falha, nem o "Perguntem a Sarah Gross" (que adorei)  nem "Os Loucos da Rua Mazur" (gostei menos) tinham uma escrita tão poética como este "Mãe, Doce Mar". Aqui, tinha muitas vezes de reler a frases para entender o seu significado; sinto que, principalmente no início da obra a articulação das frases era rebuscada, tornando até a compreensão da história um pouco mais difícil. Um exemplo:

 

"Fora o mar que me arrastara e cercara a toda a volta, mas deixando à tona de água até as certezas mais firmes, agora cascas de noz à deriva no oceano. Podia dizer o mesmo daquele pedaço de terra para onde Catherine me levara. Era a ilha do tesouro ou o meu cesto de gávea, esse posto de vigia de onde eu me observava, com a distância que falta aos marinheiros de água doce."

 

Senti isto na primeira metade do livro. Não sei se foi por me habituar, mas na segunda tudo fluiu muito melhor - menos paragens para reler, mais cadência na narrativa e, consequentemente, mais vontade de continuar a leitura.

E a verdade é uma: que história bonita. Triste, mas bonita. As personagens são bem desenvolvidas, com uma história de fundo que justifica os seus comportamentos e forma de estar, tornando tudo muito coerente. Não adoro a forma como a história está construída, com muitas analepses em diferentes tempos, mas sei que só assim se consegue entregar o final que o autor pretende. João Pinto Coelho é sempre um autor para manter debaixo de olho.

28
Mar23

Contra as raposas velhas: remar, remar!

Aprendi que devo falar com muito pudor sobre o meu trabalho. Sou sempre muito contida nas apreciações e opiniões que teço, não vá ofender o mais próximo. Não me apetece comprar guerras. Sei que,  aos olhos da maioria, estou numa posição de favorecimento constante - e não vai ser o meu discurso que vai mudar (ou, simplesmente, suavizar - o que já não era mau) as teorias de Marx e companhia, que ainda hoje agudizam o gap que existe entre patrões e trabalhadores. Tenho pena que, quase a um quarto do século XXI, isto ainda venha à baila num país desenvolvido - mas não me iludo e sei que provavelmente este paradigma nunca se vai alterar. Teria muito para dizer - mas, para isso, teria que ouvir também, e nesta fase que atravesso não tenho energia para tanto.

O facto de não escrever sobre o meu trabalho faz com que, na maioria dos dias, não escreva de todo - porque muito do que me apoquenta, muitas das minhas reflexões, giram à volta deste mundo. Quer eu queira, quer não, é na fábrica que passo a maior parte do meu dia - e é lá que nascem os meus maiores problemas. Cedo defini balizas sobre o que escrever ou não - e pus um risco bem visível sobre este tema depois de ter escrito um post que achei inofensivo (e instrutivo) sobre a construção de currículos mas que, na área dos comentários, deu pano para mangas.

Hoje, no entanto, quebro a regra para poder desabafar. Não sobre um problema do ponto de vista de um patrão ou de um emprego - mas sim sobre uma questão geral que assola a indústria onde trabalho (a têxtil) e, infelizmente, a sociedade em geral.

A mentira. Aliás, permitam-me o vernáculo: a merda da mentira! A falta de transparência. A ganância. A falta de vontade de deixar tudo claro; a premeditação, o costume, o tão habitual que é o normal. E, no fim de linha, a incapacidade de percebermos que temos de romper ciclos para passar para o próximo nível.

Cresci a ouvir os clientes ligarem em repeat mode para os comerciais para saberem os prazos de entrega de um determinado produto. "É já amanhã", diziam eles, sabendo que só passado quatro dias é que entregavam a mercadoria. Mesmo na altura, do alto dos meus sete ou oito anos, percebi que não o faziam por mal - mas a pressão do cliente era tanta que se rendiam à evidência de que do outro lado só se iriam calar quando lhes dissessem o que queriam ouvir. 

Vejo diariamente jogadas sujas, que repudio sempre. Pedir cotações de algo e perceber, por comparação, que alguém me está a dar um preço inflacionado para ver se cola - mas, quando confrontados, "falam com a administração" e conseguem um valor significativamente mais baixo; ou então, pura e simplesmente, mandar o rececionista dizer que "estamos numa reunião até ao final da tarde" quando passamos o dia todo ao computador no nosso escritório.

Isto são só o exemplos próximos, do meu dia-a-dia, com que sempre lidei. Há tantos outros que me poderia lembrar se quisesse. Têm todos um elo comum: a falta de honestidade. E o problema aqui é que, em qualquer fase que apanhemos o comboio, somos obrigados a adequarmo-nos àquilo que está instituído - e isso, normalmente, implica mentir também. 

Eu sou nova, ocupo uma posição de poder dentro de uma instituição (que é pequena, mas o tamanho não importa) e, como tal, sinto a responsabilidade moral de fazer parte da mudança - uma mudança transversal, que passa por ações e por mentalidades, por um estreitamento do gap patrão-funcionário e cliente-fornecedor. E por isso, quando assumi que era isto que queria fazer da vida, decidi partir a roda. Enquanto patroa, não quero ficar-me pelo escritório e não conhecer o chão de fábrica. Não quero que me tratem por doutora ou engenheira (que, na verdade, não sou), mas pelo nome que me deram quando nasci. Não quero reger pelo medo, mas pelo respeito e pelo exemplo. Quero condições dignas para todos, quero equilíbrio, quero abertura para se darem opiniões e reportarem problemas. Quero a verdade - mesmo que isso tenha consequências.

Defini que o rigor nos prazos e a transparência tinham que ser o nosso mote. Se o cliente quer uma malha para dia 24 e eu só a posso entregar dia 26, então o negócio não acontece. Se o cliente liga a perguntar se eu estou e se eu estiver, de facto, disponível, eu atendo - e não mando alguém mentir por mim. Se a malha vai com uma quantidade de defeitos maior que o aceitável, a crise antecipa-se: fala-se ao cliente, explica-se a situação, propõem-se solução e não se espera simplesmente que eles não notem.

Os conservadores apontar-me-ão o dedo e dirão que, no meio deste jogo, sou eu quem sai a perder, porque os outros não jogam no mesmo tabuleiro que eu, muito menos com as mesmas regras. Mas como é que queremos que algo mude se não formos os primeiros a acreditar na mudança? O facto de eu me reger por determinados valores não quer dizer que esteja delirante, a viver num mundo irrealista: sei com que linhas é que o meu negócio se cose. Pretendo é mudá-las. E acho que a única forma de o fazer é dando o exemplo, mostrando que é possível ser-se honesto e transparente - mesmo que, em primeira instância, possa parecer que o prejuízo chega primeiro que o ganho. Como na agricultura, penso que temos de ter paciência - plantar para depois colher.

Não sei se esta é uma guerra que se possa ganhar - a inércia das raposas velhas é tão grande e forte (e, infelizmente, já com grandes heranças) que é difícil deixar de sentir que estou sempre a remar contra a maré. Sinto alguma mudança no ar - acho que as pessoas mais novas, por perceberem os erros do passado, estão a tentar fazer diferente, mas infelizmente a ganância não é uma característica que se extinga - mas sei que, a acontecer, será algo para demorar décadas. Isso não me demove, porque eu não sei trabalhar de outra forma - e se algum dia me adequar aos (maus) padrões de normalidade, dêem-me por favor uma palmada bem dada nas costas e digam-me que já não vale a pena continuar. 

Para mim, o propósito de um negócio não é só fazer dinheiro. É empregar, é criar e distribuir riqueza, é trazer algo de novo - mesmo que esse "novo" seja uma mudança de mentalidade. Eu dirijo uma fábrica velha - velha nas máquinas, velha na infraestrutura, velha nos anos e com muitas pessoas já "entradotas". Mas espero seriamente que não me faltem as forças para, daqui a uns anos, perceberem que apesar de uma carcaça velha, somos feitos de uma fibra moderna e fresca e não de uma carne rija como a das raposas velhas. 

23
Mar23

Chávena de Letras: "Born a Crime"

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Não sou espectadora do Daily Show nem conhecia o trabalho de Trevor Noah como humorista - mas não acho necessário estarmos familiarizados com uma personalidade para gostarmos e simpatizarmos com a sua biografia. O importante é ter algo para contar - e Noah tem quanto baste!

Filho de uma mulher negra e de um homem branco - um crime na África do Sul, em tempo de Apartheid, daí o nome do livro -, o autor explica como sobreviveu (e viveu) num país onde após a ascensão de Mandela se deram passos efetivos para a liberdade mas onde os estigmas se mantiveram durante muitos anos, continuando a existir um enorme gap de oportunidades (e tantas outras coisas) entre pessoas de diferentes cores.  Noah explica muito bem o que é o racismo - e como ele próprio, sendo mestiço, o sentiu na pele (mas fugindo ativamente de estigmas e rótulos).

É um livro rico, cheio de histórias que refletem um país. Noah tem graça a contar as suas experiências de vida e torna leve muitos episódios que devem ter sido muito pesados de os viver na altura. De um par de vídeos que tinha visto do autor, antes de ler o livro, a ideia que tinha era de alguém ponderado, equilibrado e com empatia - e a raiz de tudo isto é descrita nestas páginas, fruto de uma educação livre mas bem conduzida e de um homem que procurou concretizar-se desde muito cedo.

Trevor Noah é novo mas tem já uma bela história de vida para contar - digna de livro e digna de ser lida. Acho que todos podemos aprender algo com este "Born a Crime". Tenho pena que, só tendo o áudio-livro, não tenha conseguido sublinhar algumas ideias que transmite, nomeadamente sobre o racismo, que me pareceram preciosas. Apesar disso, achei a construção da obra um bocadinho confusa, pois pareceu-me que não estava organizada por ordem cronológica.

Sobre o áudio-livro: Noah tem uma voz incrível e que insta à audição; imita os sotaques e vozes de quem o rodeia, o que torna tudo ainda mais dinâmico e aprazível. Os capítulos são muitos longos e por isso não há alturas muito propícias para fazer pausas. A linguagem é de fácil entendimento - já o sotaque do autor exige a alguma concentração, pelo menos no início, e em particular quando entoa as vozes de outras personagens da sua vida, onde tende a intensificar os sotaques e maneirismos na fala. Ainda assim, no geral, é um óptimo livro para se ouvir.

21
Mar23

28 anos, quatro músicas e um desejo

(este post era para te saído ontem, dia 20 de Março - vamos fingir que recuamos uns minutinhos no tempo, sim?)

Faço hoje 28 anos e estes marcos dão-me para introspeções - ainda mais que os dias costumeiros. Os últimos anos da minha vida têm sido de aprendizagens profundas, muitas vezes cravadas a fogo num coração que, apesar de bem protegido por uma carapaça forte, não deixa de ser dócil, mole e frágil.

Há um antes e depois de 2018 na minha vida, ano marcado por dois grandes acontecimentos: o do aparecimento do Miguel e o desaparecimento do meu avô, que levou à minha entrada no mundo da indústria. Nesse ano arranjei uma base sólida emocional como nunca antes tinha sentido, mas simultaneamente atirei-me de cabeça pelas águas movediças da indústria, do patronato e da incerteza constante. Na altura ia a meio dos meus 23 anos. As hipóteses de futuro eram quase infinitas: um primeiro amor e uma primeira relação, a par de uma herança em forma de trabalho e de projeto de vida. Tinha muitas ideias, esperança no futuro e na mudança que estava a acontecer. 

Fast forward para hoje: 28 anos, cinco depois do ano de maior mudança. A vida agudizou-se, extremou posições. O lugar seguro continua cá - agora já sem dúvidas e sem medos, que foram substituídos pela maior das certezas de que escolhi a pessoa certa para estar ao meu lado. Mas o pântano também apurou as suas armadilhas, mostrou-me bem que não estou num navio de cruzeiro, mas num barco a remos onde tenho de puxar pelo cabedal para o fazer andar em frente. Estou sempre à espera de dias melhores, de sossego, mas não sei até que ponto sonho com uma situação idílica; olho para trás e vejo que não tive muita sorte - pandemia, guerra, crise inflacionária - mas será que alguém teve? Será que há de facto períodos em que o coração não mora constantemente nas nossas mãos, em que são mais as noites que dormimos do que temos de insónias? Ou será que foi esta a vida que escolhi sem saber ao certo ao que vinha?

Qualquer que seja a resposta, uma coisa é certa: os últimos meses não foram fáceis. Os últimos anos, por razões várias, também não - a base está lá (estamos todos vivos, temos todos trabalho) mas o desgaste foi maior do que previsto. Faço hoje 28 anos, mas creio que podia estar a fazer 48 e a sentir-me de igual forma: cansada, desgastada, triste e com pouco alento.

Eu não sei se acredito no destino e em todas essas coisas meio-místicas, mas a sensação que tenho é de que algumas coisas veem ter connosco nos momentos em que precisamos. Pode parecer parvo, mas a verdade é uma: nas alturas em que estou mais triste e me deito no sofá a recuperar forças, a probabilidade de estar a passar algum dos filmes do Twilight é grande - não interessa se é no AXN, na Fox Life, no NOS Studios ou no TVCine, mas normalmente estão lá . Não são grandes filmes, mas tenho com eles uma relação emocional tão forte que me aquecem sempre o coração. 

Ultimamente os dias maus têm sido mais que os dias bons. Não costumo ligar a TV na maior parte dos dias (por isso não dou sequer hipótese do Robert Pattinson me entrar pelo ecrã adentro), mas música oiço sempre - quer seja na rádio ou no computador, enquanto trabalho. O Miguel diz, com razão, que a música tem uma capacidade transformadora e empoderadora - quer seja pela vibe que nos transmite ou pela mensagem que tem. Há uma troca de frases muito engraçada em Castle - uma das minhas séries preferidas de sempre - que nunca mais me esqueci: a Beckett pergunta ao Castle "- How do you know you're in love?", ao que ele responde "All the songs make sense". E não é que é verdade? É um bom teste para sabermos como estamos ao nível do coração - mas vai para além disso, pois quando aguçamos o ouvido há muitas canções que passam a fazer muito sentido. E, nos últimos tempos, eu tenho estado atenta ao que ouço.

Janeiro ficou marcado pela "It Ain't Over 'Til It's Over". É uma música da minha infância - a minha memória leva-me logo para dentro do Volvo branco da minha irmã, enquanto andava com ela por aí, provavelmente com a minha cadela Isis a acompanhar-me no banco de trás. A música não passou uma, mas duas vezes seguidas na rádio, tal foi o impacto nos ouvintes, que mandaram mensagens a pedir para repetir a malha. E eu, deliciada, até parei o carro ao sol, para a absorver.

So many tears I've criedSo much pain insideBut baby, it ain't over 'til it's over

It Ain't Over 'Til It's Over, Lenny Kravitz

 

A vida continuou - e em Fevereiro entortou mais um bocadinho. E, na Rádio Comercial, numa daquelas manhãs difíceis, passava a homenagem que fizeram a Jorge Palma, com vários artistas a cantar a sua "A Gente Vai Continuar".

Enquanto houver estrada pra andarA gente vai continuarEnquanto houver estrada pra andarEnquanto houver ventos e marA gente não vai pararEnquanto houver ventos e mar

A Gente Vai Continuar, Jorge Palma

 

A verdade é que as manhãs são as mais difíceis. Dou muitas vezes por mim meio letárgica, aprisionada no meu escritório, sem saber o que fazer e como sair de situações que muitas vezes me ultrapassam. O comboio continua a andar, mas às vezes faltam as perspetivas claras de futuro. No limite, até a esperança. Mas a verdade é que eu entrei num comboio em movimento, que ainda tem combustível no tanque, e enquanto houver estrada para a andar... a gente vai continuar. A lutar. A procurar um propósito. À procura de um constante refill nesta energia que nos faz andar.

Quando vim para a fábrica sabia que tinha muitos desafios pela frente - o facto de ser mulher, de ser nova, de ser neta e filha do patrão, de ter de provar que o meu valor e a minha vontade de superação são muito maiores que um simples fator hereditário. Nunca é isso que me deita abaixo - mas fazem parte de um conjunto de pequeninas pedras que, num todo, muitas vezes atrasam o percurso. E, há dias, estranhei a nova música da Carolina Deslandes que passava na rádio; fiz cara feia, como quando experimentamos uma comida nova, que à partida não nos agrada muito, mas depois dispus-me a ouvir. E ela cantou:

Cuidado com a Carolina
Que vem de punho cerrado
A saia da Carolina ardeu no meio do mato
A história da Carolina é que ela agora veste fato

A Saia da Carolina, Carolina Deslandes

 

Caraças, não foi isto escrito para mim? Não sou eu que visto fatos para ir para feiras e reuniões importantes? Não sou eu que estou tipicamente num cargo de homens, tentando quebrar estereótipos, vícios e hábitos enraizados há sessenta anos? Sou, pois. 

Entretanto, também há um par de dias, passa na rádio uma música que o ano passado me aqueceu muito a alma e o coração, que diz assim:

Vou viverAté quando eu não seiQue me importa o que serei?Quero é viver

Quero É Viver, Sara Correia

 

Porque, de facto, é o que eu quero. Quero usufruir da companhia do Miguel, do ombro dele no sofá; do ritual de fazer a sopa, de fazer comida que ambos gostamos e de ver wrestling à terça feira à noite e ao sábado de manhã, enquanto comemos a nossa regueifa. Quero estar com os meus pais e com os meus irmãos em momentos de partilha. Quero conhecer o mundo. Quero estar com os meus cães, deixar que me sujem as calças e dar-lhes mimo até que se fartem de mim. Quero continuar rituais felizes: quero ir lanchar um cachorrinho ao Gazela, seguido de uma natinha quentinha em Santa Catarina; quero ir às 11h da manhã ao Natário, em Viana, devorar uma bolinha de berlim acabada de sair do forno; quero  comer a minha rufadinha à sexta-feira de manhã. 

Gostava de continuar o projeto que me deixaram nas mãos, gostava de sentir que continuo a fazer um bom trabalho para a sociedade enquanto alguém que emprega e que se esforça por agradar, gostava de me sentir mais útil e capaz em muitos momentos. Mas o que eu quero mesmo é viver para além de todos os problemas - algo que não tenho consigo fazer. Quero usufruir do caminho, e não continuar a andar na estrada só por andar. Quero usar saia quando quero e o fato quando assim o desejo.

Hoje faço 28 anos e o que eu quero mesmo... é viver. E aprender a saborear a vida, mesmo tendo (quase) permanentemente um sabor amargo na boca.

Que venha finalmente a Primavera.

 

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09
Mar23

Chávena de Letras: "Spare"

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Sigo há muitos anos a família real inglesa e, como tal, a fã british que vive dentro de mim não me permitiria passar sem ler este livro. 

Diria que a obra pode ser descrita, rapidamente, em quatro partes: 1) os primeiros 20% são dedicados à infância e adolescência de Harry, obviamente marcados pela morte da mãe, em que se fala da turbulência na escola, a(s) dor(es) na sua relação com o irmão e das indecisões do futuro; 2) os seguintes 30% relatam acima de tudo a sua história militar, as suas idas ao Afeganistão e aventuras por lá vividas; 3) os 20% posteriores incidem no seu retorno e ao reinicio de uma vida dedicada à realeza, sem guerras à mistura (pelo menos daquelas que envolvem armas, porque na família existem-nas em quantidade mais que suficiente), que o voltaram a deixar num limbo, sem saber onde pertencia e como se posicionar interna e publicamente; 4) o que resta é a história que temos mais viva nas nossas memórias - o início do namoro com Meghan, o casamento, os filhos e todo o drama já conhecido com a imprensa.

Há âncoras que estão presentes em todo o livro (e, suponho, na vida dele): primeiro, a mãe - um trauma claramente mal resolvido, que o acompanhará para a vida, e que eu creio que dita muitos dos comportamentos de proteção que teve em relação à mulher; segundo, África - um elo comum em todas as fases acima mencionadas, sempre como um amuleto de escape e clarividência, fazendo depois também a ponte com ações solidárias e visitas com amigos; e terceiro, não menos importante, a imprensa - os vilões da vida dele, ainda antes da morte de Diana, mas principalmente depois do acidente que a vitimou.

Apesar de gostar muito de família reais, e em particular da britânica, nunca achei que a vida deles fosse de sonho; lá por serem príncipes e princesas não quer dizer que vivam como nos contos da Disney. E este livro torna isso bem claro: eles vivem numa gaiola dourada. E das duas uma: ou se opta por olhar simplesmente para o ouro, ou mantemo-nos concentrados no facto de estarmos dentro de uma gaiola, independentemente do seu material. Escolhendo a primeira, segue-se a linhagem; optando pela segunda, encontra-se a nova ovelha ronhosa - e ao Harry assenta-lhe este papel que nem uma luva.

Creio que este livro pode ser lido de várias perspetivas, dependendo do espectro onde nos posicionamos em relação à história do Harry, do "Megxit" e a tudo o que foi veiculado na imprensa. Eu sempre achei que a saída deles tinha sido feita de forma bruta e injusta, mas que era uma decisão ponderada por parte do casal, que se viu encostado contra a parede e completamente espremido pelos tabloides. E eu interpreto a escrita deste livro como o último reduto: ao sentir que não tinha nada a perder, Harry deitou ao mundo a sua verdade, sabendo que os outros intervenientes (nomeadamente a sua família) nada iriam contrapor, pois é esse o seu mote e forma de estar. Com tanta mentira espalhada e impressa em tanta página, percebo que a vontade maior seja dar um grito de libertação - mesmo que ninguém o ouça. 

Neste caso, ouvem alguns - mas acho que poucos o farão da forma que Harry desejaria. Primeiro porque os consumidores de tabloides - sendo que muitos só passam os olhos pelas letras grandes - não vão perder o seu tempo a ler um livro longo como este; segundo porque quem o lê para difundir notícias escolhe a dedo aquilo que quer apresentar aos leitores - e eu tenho a certeza que o objetivo máximo de Harry não era que só se falasse do facto de ele ter queimado o escroto ou que o irmão o tivesse atirado ao chão; terceiro porque é difícil mudar opiniões moldadas durante anos apenas com um par de intervenções (a série e o livro) estratégicas. Ainda assim, é uma oportunidade única para a "plebe" perceber a dinâmica de uma família real, com tudo aquilo que ela tem de bom e de mau; para se entender como é um negócio, como está moldada para gerar espalhafato e gerir expectativas. Mas é, acima de tudo, uma tentativa, uma redenção - e acho que justa, tendo em conta tudo aquilo por que o príncipe passou. Não sei se, de facto, o Harry não tem nada a perder aqui - creio que as ligações familiares devem ter ficado muito fragilizadas depois disto, não só por ele contar episódios chave que mancham amplamente a imagem do pai e do irmão (principalmente) mas por todo o sentimento de não pertença que ele descreve (e que se sente) ao longo do livro, que acaba por ser ainda mais grave que os acontecimentos algo isolados que foram acontecendo entre os três ao longo das suas vidas.

Sobre o livro em si: não li muitas biografias /memoirs e, como tal, não tenho grande termo de comparação. Adorei o prólogo e a ideia de que o livro foi tudo aquilo que ele não teve oportunidade de contar, explicar e fazer ver ao pai e ao irmão - foi um pontapé de saída ótimo, mas que esmoreceu logo no inicio do relato militar da sua história. A segunda e terceira partes são mais lentas, explicativas e, em alguns casos, algo chatas - salvam-se por terem capítulos curtos, que fazem as páginas virar mais depressa. No início do romance com a Meghan parece que o livro ganha outra vida - e daí até ao fim, ainda que com muitas partes tensas, lê-se tudo rapidamente. Ainda assim... é um livro triste - escrito por alguém perdido, onde se lava demasiada roupa suja (embora eu perceba o porquê de ele se ver nesse direito).

Apesar de todas as asneiras que possa ter feito, de algumas más decisões que tenha tomado, acho que será sempre alguém com a qual eu tenho muita empatia. Desculpem, Charles e William... deste lado escreve-vos alguém Team Harry.

22
Fev23

Chávena de Letras: "I'm Glad My Mom Died"

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Este é um livro necessário. Na verdade, só o prólogo diz tudo aquilo que muitos precisamos de saber - embora o que está para trás seja igualmente valioso.

Aquilo que Jannette McCurdy evidencia é algo que, no fundo, todos sabemos - mas é uma verdade pouco proliferada (e até pensada): o papel de mãe é o mais romantizado da história. As mães são sempre heroínas, são sempre boas, sempre bem-intencionadas, são sempre incríveis... Só que não. Porque há más mães. Há mães que vendem os filhos; há mães que os matam. E há mães que maltratam, mesmo quando parece que não o fazem - que era o caso da mãe de Jannete.

Na narrativa desta história percebemos que tudo aquilo pelo qual a autora passou foi feito sob a ideia de que era para o seu bem: as invasões ao ser corpo eram para garantir que não tinha nódulos, a obrigação de trabalhar era para ter uma boa vida e ser feliz, ter de ser magra e pequenina tinha como propósito garantir papéis por muito mais tempo. Tudo para o seu bem. Mas será mesmo o "seu" bem? Ou o bem da sua mãe - ou, simplesmente, para bel-prazer da sua progenitora?

Este foi o primeiro audiolivro que ouvi e gostei muito da experiência. A linguagem utilizada é acessível para quem estiver familiarizado com o inglês (não é preciso ser especialista) e a forma de falar de McCurdy (sendo que o livro é narrado por ela) ainda nos envolve mais na narrativa, uma vez que ela imita as vozes e os sotaques das personagens de quem fala. Esta é a sua história de vida, desde o momento em que começou a fazer castings (passando pelos anos em que fez um programa de sucesso no Nickelodeon) até à altura em que a mãe morreu, quando já tinha enveredado por caminhos mais tortuosos como o alcoolismo e anorexia (entre outros); é a forma de como lidou com tudo o que vivenciou e da forma que arranjou para, depois, conseguir gerir tudo isso.

Apesar de ter adorado o mote do livro e a conclusão a que chega, há dois apontamentos curiosos que quero fazer: 1) não conhecia o trabalho (nem a imagem) da autora, mas por alguma razão não consegui simpatizar com ela - muito embora tenha uma enorme empatia pelo que passou; isto faz com que o livro tenha ainda mais valor para mim - porque o adorei apesar do que senti em relação a quem o escreveu; 2) não acho que o título do livro faça jus à história. Acho que foi escolhido por ser "chocante" e para atrair leitores, mas em nenhuma parte da história ela se mostra feliz pela morte da mãe - é tudo muito mais profundo que isso, e essa complexidade está bem espelhada em todas as páginas do livro. Tudo é pouco linear, tudo é de difícil leitura e análise, escondido por detrás de dogmas, boas intenções e tantas outras ideias pré-concebidas da maternidade - e por isso seria muito difícil resumir tudo num sentimento tão "simples".

Aconselho muito - e em particular o audiobook.

 

(este livro acabou de ser editado pela Lua de Papel, em português, sob o nome "Ainda Bem Que a Minha Mãe Morreu")

06
Fev23

Uma ode ao meu irmão mais velho (e aos outros também, mas este em particular)

A família sempre teve um papel preponderante na minha vida. Com uma personalidade e vida que não se coadunavam com grandes amizades, era muitas vezes o sangue  que ditava quem me era mais próximo. Na verdade, tudo se proporcionava nesse sentido: eu, muito adulta para a minha idade, escutava as conversas à mesa (e tentava entrar nelas) como gente grande - acabando por me distanciar dos outros miúdos, com brincadeiras pouco sérias e levianas; sempre estive rodeada por muita gente, tendo um núcleo familiar alargado, com irmãos e respetivos namorados com quem sempre me dei lindamente; e, indo para além da família direta, tinha uma relação estreita com tios e primos. Para além de tudo mais, sempre tive uma veia solitária, por isso a minha família era praticamente tudo o que me bastava para ser feliz. Este círculo invadia até a escola, pois duas das minhas primas estudaram comigo, na mesma turma, até à adolescência. Sempre juntas, tínhamos uma base que nos unia e que, principalmente entre os dez e os treze anos, chamavam à atenção dos que estavam à nossa volta, tanto crianças como adultos. Recordo quatro pontos em particular:

1) Não éramos só as "três primas" - na verdade chegamos a ser seis primos na mesma escola. E quem ainda tem a memória fresca do liceu recordar-se-á bem do charme que é estar no fim da cadeia alimentar (vulgo: sétimo ano) e ver a malta do 12º (o topo da pirâmide), apontar e dizer: "aquele é meu primo". Na loucura, até podíamos passar e dizer um olá - e só isso já bastava para sermos um bocadinho fixes e, claro, termos uma proteção extra no que aos problemas-de-recreio diz respeito. Isto com um primo. Agora imaginem seis. Éramos quase a família real.

2) Outra curiosidade é que todos tínhamos o mesmo encarregado de educação - e todos éramos impreterivelmente chamados à atenção de cada vez que escrevíamos o nome dele nas nossas fichas pessoas. Não porque estivéssemos errados, mas porque a pessoa em causa tem duas vezes "Santos" no nome - uma feliz coincidência causada por um "casamento homónimo", mas que levanta sempre questões.

3) Outra das ações de charme que lançávamos era termos uma "música de família". Foi uma coisa inventada há muitos anos pelo meu avô materno, que normalmente entoamos nos aniversários como forma de união. Foi passando de geração em geração e, de tanto ouvirmos, a música vai ficando no ouvido. Tem uma letra inventada - com uma espécie nova linguagem, cheia de onomatopeias estranhas - e que sempre causou muita curiosidade. "Como é que conseguem decorar isso tudo?", perguntavam-nos vezes sem conta. Nem nós sabíamos - mas gostávamos de a mostrar aos outros, e toda a gente ficava pasmada como cantávamos, todas, a letra indecifrável de forma tão coordenada;

4) Por fim, espantávamos toda a gente com os números da família (grandes e sempre em crescendo) e com as nossas reuniões familiares - primeiro porque éramos trinta e tal no Natal e depois porque nos juntávamos muitas vezes, algumas sob pretextos que já na altura não eram muito comuns, como a matança do porco ou a desfolhada do milho. Mas era para mim que vinha o destaque quando entrávamos mais em detalhe sobre o nosso núcleo familiar. Somos quatro irmãos (algo que na minha geração já não é assim tão normal) e eu sou a mais nova. Muito mais nova. E a jóia da coroa era quando, já sabendo o contexto dos meus colegas, lhes dizia que tinha um irmão que era mais velho que os seus pais. 

E é sobre este último tópico que venho falar hoje.

Quando nasci, o meu irmão tinha 22 anos. Os outros dois, apesar de mais novos, já eram também graúdos: 15 e 16 anos. Mas o meu irmão mais velho podia ser, efetivamente, ser meu pai. 

Em muitas famílias - nas que têm sorte - há normalmente duas camadas de pais: os que são efetivamente pais e os "pais-pais", os avós. É uma dupla camada de apoio, de ajuda à educação e, claro, uma duplicação do mimo. Eu, infelizmente, não tive isto: os meus avós maternos faleceram cedo e os paternos, embora ainda tenham durado até praticamente aos meus vinte anos, tinham um gap geracional que não permitia grandes proximidades ou brincadeiras. No entanto, e por um golpe de sorte incrível, eu tive, ainda assim, esta duplicidade parental - os meus irmãos. Eram eles que cuidavam de mim quando os meus pais não estavam ou não podiam - e faziam-no com uma responsabilidade e um carinho sem igual, muito por culpa de eu ter sido uma irmã tão tardia. Do ponto de vista meramente biológico, eu podia ser filha de qualquer um deles - e eles trataram-me e amaram-me como tal. 

Podia achar-se que a diferença de idades nos acabaria por separar, mas a verdade é que isso nunca aconteceu. Até todos eles terem filhos, fingiam comigo: um levava-me ao cinema aos fins-de-semana, outra fazia os trabalhos de casa comigo enquanto eu chorava baba e ranho, outro dava-me bolas de futebol autografadas pelos jogadores do Porto e uma trotinete elétrica na altura em que ainda não eram comuns ou estavam na moda. Era mimada e educada por eles como se fosse, efetivamente, deles. E isso é uma dívida que eu terei sempre para com eles - e para com os meus pais, por me terem proporcionado tal sorte.

Teria palavras simpáticas e de amor profundo para com os três, mas hoje dedico-as ao mais velho em particular. Porque hoje é um dia importante, pois festeja o seu 50º aniversário. E isso significa que está na terra, há meio século, uma pessoa deveras especial.

Este era o irmão que, em conjunto com a sua namorada (hoje mulher, hoje minha irmã por osmose), me levava ao cinema com os meus primos; foi o que me levou ao meu restaurante favorito (e caro) quando os meus pais foram jantar fora com uns amigos; foi quem me permitiu ir com ele escolher o enxoval do seu primeiro filho mais velho, como se eu tivesse sequer de opinar; foi o que sempre me levou a sério e me deixou até, em muito tenra idade, embrulhar as loiças de sua casa quando se mudou. Também foi aquele que me disse vezes sem conta para não pôr os pés nos assentos quando entrasse no seu Opel (caso contrário teria de o aspirar), que me disse repetidamente que juntaria prontamente leite no iogurte sólido para que este virasse iogurte líquido quando o que eu pedia era um iogurte líquido (de compra!!!). Foi também ele que perpetuou, durante anos, uma espécie de bullying devido à forma como comia bananas e entrava nos automóveis.  (Todas estas últimas eu estou disposta a esquecer.) No passado, foi tudo isto.

Hoje, é a primeira pessoa a quem ligo quando tenho um problema no carro. Ou em casa. Ou na fábrica (quer seja em questão de finanças, recursos humanos ou tecnologia). Hoje é a pessoa que me aquece o estômago quando a alma está mais triste e é um dos meus companheiros semanais de padel. É o meu braço direito no trabalho, a todas as horas e aflições. É um conselheiro e um amigo sem igual.

O Zé Paulo é a pessoa mais consensual que eu conheço - de todas as pessoas que já conheci em toda a vida. Ainda estou para descobrir alguém que não goste dele - porque será algo digno de verdadeira análise. É o indivíduo mais requisitado de todos os tempos (porque não sou a única a ligar-lhe quando tenho um problema no carro, no frigorífico ou no computador) e tem uma paciência e uma disponibilidade sem igual para todas estas solicitações. É ponderado e calmo. Tem um grupo de amigos que me inspirada e mete inveja (daquela boa, se é que existe, não é Bambi?). E, no meio disto tudo, sempre arranjou tempo para as suas verdadeiras paixões - a mulher e os filhos, os carrinhos e os aviões e agora a mota.

É uma inspiração - e, muitas vezes, a minha força. É uma das minhas pessoas. Uma das que amo, das poucas que verdadeiramente adoro. Que, ao contrário do que possa parecer, não tenho nem palavras para descrever.

Parabéns, Zé. Sonho contar mais 50 na tua companhia. És a nossa sorte grande. 

 

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18
Jan23

Chávena de Letras: "Os Sete Maridos de Evelyn Hugo"

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Gostei deste livro, mas não o amei. Faltou "aquele bocadinho assim" - mas confesso que não sei qual é a falha, pois tinha tudo para dar certo.

Esta foi a primeira obra que li da Taylor Jenkins Reid e não será certamente o última: a autora tem uma escrita fácil mas com peso em algumas passagens - uma gestão que a maioria dos autores não consegue fazer -, que nos conseguem marcar e dar um tom mais sério (e realista) ao livro. A personagem principal está lindamente construída: complexa, simultaneamente crua e polida, dura e real. Não sei se é fácil identificarmo-nos com ela (não é sempre uma personagem simpática), mas acredito que muitos gostassemos de ser como ela - quanto mais não seja pelas ganas que tem de viver a vida como sempre a quis.

A forma que a autora arranjou para nos levar até ao final do livro é subtil, muito inteligente e, mais uma vez, gerida na perfeição: no fundo, estamos todos ali a virar páginas porque queremos conhecer a história dos maridos da Evelyn ou porque queremos saber o porquê de ser a Monique a "escolhida"? É uma premissa que vai pairando ao longo de todo o livro mas que não é o alvo direto da história... E isso só torna tudo mais intrigante.
Apesar de se tratar praticamente de uma narrativa de personagem, que são normalmente obras mais lentas, este é um livro que se lê muito bem e rapidamente.

Ponto negativo para a tradução: não tenho a comparação em inglês, mas há falhas notórias - já para não falar de muitas gralhas ao longo do livro. 

P.S.: Foi a minha primeira leitura no Kobo! Whooo!

Por fim, uma análise rápida que resume toda a história (para quem não gostar do mínimo levantar de véu, não leia esta parte): quão irónico é que, no meio de sete maridos, nenhum deles seja o amor da vida dela? E quantas Evelyn's andarão por aí com o mesmo drama? E quantas estrelas de Hollywood, com aquelas vidas e romances recambolescos, não entrarão neste tipo de esquemas para salvaguardar o seu verdadeiro eu? Este livro deixou-me a divagar sobre o assunto.

16
Jan23

E livros para 2023?

Espero que este ano seja recheado de livros. Depois de em 2022 ter conseguido reavivar este hábito, tenho esperança que estes próximos meses sejam de consolidação. Uma coisa é certa: não me faltam livros nem ferramentas. Haja vontade!

O Miguel ofereceu-me um Kobo no Natal (para quem não é destas novas tecnologias, trata-se de um leitor de livros digital), por isso todas as desculpas que existiam para não ler à noite (a altura do dia em que de facto tenho tempo para o fazer) e não o incomodar tornaram-se inexistentes. E a verdade é que tem resultado: tenho lido antes de dormir e, quando acordo à noite com insónias, tenho-me deixado ficar na cama a ler... e não é que o sono tem voltado? Escuso de ir para o frio da sala e ligar a televisão para me embalar... é um mimo! O facto do Kobo ser leve e de ter opções de luminosidade muito baixas permitem ler em várias posições e sem nos ofuscar ou acordar demasiado. Tem sido muito bom. 

O desafio agora é a gestão de leituras entre o Kobo e os livros físicos - o que se torna ainda mais difícil porque a minha adaptação ao leitor digital foi incrível, estou totalmente apaixonada. Se isto me faz sentir uma traidora do papel? Definitivamente. Mas que hei-de fazer? A verdade é que o Kobo resolve vários problemas: 1) as posições de leitura (um problema real para mim nos últimos tempos) são muito mais versáteis, porque o aparelho é muito mais leve que um livro e muito mais prático, sem folhas dobradas, badanas pesadas e etc.; 2) permite-nos ler nos tempos mortos, porque sendo leve como uma pena ando sempre com ele na mochila. Estou à espera de uma consulta? Leio. Estou a fazer tempo para ir buscar o meu irmão? Leio. Para além disso tem outras coisas boas, que para quem gosta de livros são difíceis de engolir, mas que são verdade: é muito mais amigo do ambiente (adeus, papel!) e também mais simpático para com a carteira, pois os preços são consideravelmente mais baratos (principalmente se lermos em inglês).

É lógico que também tem desvantagens - a maior parte delas de origem emocional. Não tem o toque do papel, o cheirinho do papel, o peso do papel. Não é um livro - e isso não se troca. Perde-se a magia de uma livraria física, do vaguear pela loja ao encontro da nossa próxima leitura; de apreciar as capas, de folhear. Também não existe a variedade em ebooks que há nas versões físicas. Mas, para mim o pior de tudo, é que não se podem emprestar os livros. 

No entanto acho que há lugar para tudo e não temos necessariamente de ser exclusivos de um único método de leitura. Tenho muitos livros físicos para ler (recebi muitos e bons no Natal!) e por isso é imperativo que consiga um equilíbrio entre o papel e o digital. Depois de meditar sobre o assunto cheguei a uma conclusão: no Kobo planeio ler livros grandes, em inglês, promoções imperdíveis e obras cujo interesse não deva ser generalizado (porque não os posso emprestar); em versão física comprarei tudo o resto - livros que não estejam disponíveis em versão digital, obras emprestadas ou que ache que vá querer emprestar ou aqueles que acho digno de serem guardados na estante. A minha intenção é ter o Kobo na mesinha de cabeceira e um livro no sofá; isto faz com que, eventualmente, vá ter de ler dois livros em simultâneo. Nunca o fiz e sempre achei que a minha cabeça ia dar um nó - mas estou neste momento a implementar este meu plano e, até agora, fiz zero confusão com as histórias que estou a ler, por isso creio que não vá haver problemas no futuro.

 

Posto isto, acho que estão definidas as condições para um ano de boas (e versáteis) leituras. Sobre isto, acrescentar ainda quatro objetivos que tenho neste âmbito:

- Como já disse no post anterior, quero ler 18 livros este ano. Estiquei a corda só para não me satisfazer com um livro por mês (que já é bom, mas pode sempre ser melhor);

- Para isso, nada como voltar aos hábitos de criança - a meta é ler todas as noites, nem que seja uma única e singela página;

- Quero experimentar "ler" um audio-livro e um livro de não-ficção - até podem ser a mesma obra, mas quero diversificar estilos (tanto na forma de ler como no conteúdo);

- Por fim, três livros de leitura obrigatória para este ano - já ouvi falar maravilhas de todos e já os tenho na minha estante, pelo que se não os ler não terei nenhuma desculpa: "A Breve Vida das Flores", "Uma Educação" e "A Lista de Leitura".

 

Vou reativar, na barra lateral do blog, os widgets que permitem que acompanhem as minhas leituras atuais e o meu desafio de leitura. E, claro, vou partilhando por aqui as opiniões do que for lendo. Por aí, o que têm para ler este ano?

06
Jan23

Meia dúzia de desejos para 2023

Já passei por várias fases no que diz respeito a resoluções de ano novo. (Ou objetivos. Ou desejos. Não é tudo igual - escrevi-os do mais concreto até ao mais "esotérico" - mas, na prática, são coisas que gostávamos que acontecessem - quer sejam da nossa total responsabilidade na execução ou não). Alturas houve em que era produtivo para mim listar um sem-fim de metas para concretizar no ano corrente, sendo que as analisava uma a uma quando os 365 dias passavam; outras também existiram em que não ditei nenhum objetivo, pois a vida em si já estava a dar demasiado trabalho a resolver-se.

Este ano escolhi um meio termo - seis desejos. Não é uma lista muito grande e a pressão para a executar também não é enorme (senão diria "objetivos", essa coisa mais séria). Mas a verdade é que gosto de me balizar em quase tudo o que faço - e tiro prazer em trabalhar para ser e fazer melhor.

Nesta lista não constam as coisas básicas como os desejos de saúde para mim e para os que me rodeiam ou trabalho; também não contam os objetivos que transitam do ano passado, como manter uma alimentação equilibrada e fazer exercício 5 vezes por semana. Então cá está a meia-dúzia de 2023:

 

- Ler 18 livros. Aumentei a fasquia em 6 livros relativamente ao ano passado, mas acho possível e exequível - se mantiver a genica com que estou agora, até seria facilmente ultrapassasável. Mas falarei sobre este tema num próximo texto.

 

- Aumentar os registos ao longo do ano - quer seja ao nível de fotografias, vídeos ou escrita. Os últimos anos têm sido de vivências poderosas, mas em que tenho monesprezado os registos futuros - algo a que sempre dei muita importância. 2021 foi o primeiro ano em que houve meses em que não publiquei nada aqui no blog, algo que consegui piorar em 2022, com três meses sem um único post; olho para a minha galeria no telemóvel, tenho dificuldade em encontrar uma fotografia minha decente e percebo que aquele aglomerado de imagens se resume a printscreens, questões de trabalho ou fotos que têm o único propósito de me lembrarem de alguma coisa num futuro próximo. Quando faço os apanhados do meu ano tenho sérias dificuldades em recordar-me do que fiz, do que vi, onde fui - porque não tenho registos. 

Para além de mais fotos e vídeos (exclusão feita aos aniversários e ajuntamentos familiares, em que continuo sempre de máquina em punho), gostava de implementar uma ideia que vi algures: escrever um pequeno resumo no fim de cada mês - não só do que fiz e vivi, mas também um apanhado do meu estado de espírito naqueles dias. A verdade é que chegamos ao final do ano com a ideia de que tudo passou a correr - mas também não podemos culpar a memória por não se lembrar do que fizemos ao certo há mais de uma centena de dias. É bom saborear as coisas no momento em que as vivemos - mas será que se as registarmos não tendemos a perpétua-las, a desfrutar ainda mais delas? Eu sempre achei que sim - mas com a correria dos dias, a pressão do tempo e a falta de hábito tenho desconsiderado o poder das memórias no futuro. E gostava muito de mudar isso.

 

- Procrastinar menos - as redes sociais são um autêntico cancro na nossa gestão de tempo. Não sei o porquê de serem tão apelativas, mas basta um pequeno deslize na nossa concentração e, do nada, já lá estamos a fazer scroll, 95% das vezes sem qualquer tipo de proveito próprio - não aprendemos, não ficamos a conhecer nada de novo. O tempo passa e nada nos acrescenta - uma dupla perda, uma vez que tempo é coisa que normalmente escasseia e que coisas interessantes para ver e fazer há de sobra.

Isto acontece-me ocasionalmente em casa, mas é um caso sério no trabalho. A minha função é maioritariamente intelectual - pensar para resolver problemas, pensar para antecipar problemas, pensar para optimizar os processos, pensar para motivar as pessoas. Pensar, pôr por escrito e arranjar forma de tornar tudo real... a parte prática, normalmente, já sai do meu controlo. E não há ninguém que aguente tantas horas a pensar - pelo menos de forma produtiva e útil. E a verdade é que, no meio de um trabalho qualquer, eu apercebo-me que estou a divagar para conseguir ter folga de pensar sobre determinado assunto. E o problema não é o tempo que estou parada - é a forma como o estou a (des)aproveitar. Por isso o meu objetivo é conseguir perceber que preciso de uma pausa e utilizar esse tempo em coisas que me acrescentem - utilizando-o para escrever posts, como estou a fazer agora, por exemplo. Ou a ler. Ou o que quer que seja que não implique redes sociais - o escape mais fácil do mundo, mas também o mais oco.

 

- Experimentar um restaurante novo por mês e tentar consumir mais cultura. Sei que não posso ser a única a quem a pergunta "então onde vamos almoçar?" faz urticária. Gosto de ir comer fora - mas não adoro. Mas uma das razões pelas quais gosto cada vez menos é o facto de ter de pensar onde ir. Um sítio é muito caro; noutro come-se muito; outro cheira a comida; noutro fomos mal servidos da última vez que lá fomos; e ao que sobra não nos apetece ir. E assim se esgota rapidamente uma lista de restaurantes. Nisto (e em muitas outras coisas) sou uma autêntica velhinha e tenho algum receio de experiementar restaurantes novos - mas gostava de mudar isso e de, assim, aumentar a lista de sítios para poder ir almoçar ou jantar fora. A meta é ambiciosa, mas não custa tentar. De resto, também gostava de ir mais ao cinema, ao teatro e a concertos - houve fases da minha vida em que ia a quase tudo isto, mas agora por preguiça, menor oferta ou forretice diminuí significativamente. Vamos ver como corre este ano.

 

- Fazer um esforço consistente para escrever mais. Um dia destes, à noite, tive a ideia maluca de escrever 300 palavras por dia, todos os dias. Lembro-me que era a métrica usada nos tempos de escola, algo que fazia em pouco mais de cinco minutos - mas não acho saudável ter essa pressão acrescida todos os dias em cima de mim, principalmente em alguém como eu, que põe pressão em tudo o que faz. Por isso, sem qualquer meta definida, gostava simplesmente de escrever mais; se conseguisse implementar a minha terceira medida para este ano e evitar procrastinação desnecessária, sei que era meio caminho andado. Mas o trilho restante sou eu - e a minha força de vontade - que tenho de percorrer. Vamos a dia 6 e isto está a correr bem - mas prognósticos só no final do jogo, como dizia o outro. E ainda faltam 359 dias para este acabar, por isso ainda me parece ser um pouco precoce dizer se estamos de facto em bom andamento.

 

- Gostava de ser mais consistente no piano - mas, tendo que escolher, a escrita tem prioridade no meu tempo. No piano sempre fui muito movida por objetivos - que no início era ir a todos os recitais com uma música nova. Mas depois apareceu a pandemia - e adeus musicais ao vivo! - e agora o número de espetáculos é muito mais reduzido, pelo que tendo a protelar a aprendizagens de novas peças porque não tenho nenhuma razão concreta para avançar com mais vontade. No final do ano fiz algum trabalho de forma a arranjar um tempo dedicado ao piano - que é uma das minhas grandes falhas - mas com as festas o hábito desvaneceu-se, pelo que tenho de voltar a fazer um esforço para treinar e para avançar, para não ter aquele sentimento de ficar para trás. Voltar a ter aulas presenciais seria muito positivo também - mas só a estabilidade no trabalho me permitirá eventualmente esse luxo.

 

E por aí, têm objetivos? E sugestões de restaurantes aqui no Porto, para eu tentar completar os meus desejos? Grata!

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