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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

19
Set24

A fotografia no corredor

Não sei precisar a quantidade de horas que passei em hospitais este ano. Provavelmente umas largas centenas. 

Os caminhos já se fazem quase às escuras e, a maior parte das vezes, a cabeça está em sítios que não nos permitem que vejamos o que está em nosso redor - fugimos dos obstáculos como robôs, seguimos como se os pés só conseguissem parar na meta. Mas há uma excepção: um corredor de fotos no São João que me faz sempre, sempre olhar para a mesma sequência de fotos. A torrente de pensamentos entra em pausa, os pés ajustam a trajetória para mais perto da parede e a cabeça roda sempre para ver melhor; para, a cada dia que passa, apreciar mais um detalhe.

É um casamento em circunstâncias particulares - más, para sermos mais claros. Quiçá em fim de vida? Não sei, não conheço a noiva. E ela, não me conhecendo também, dá-me força todos os dias e reforça o meu novo mote de vida: a de que pode haver momentos felizes no centro do furacão das vicissitudes da vida; de que a partilha e o amor podem não nos salvar, mas dão-nos força para querer viver. Que, mesmo sem (ha)ver uma luz ao fundo do túnel, podemos ter luz no caminho incerto - e sem prazos - que é a vida.

 

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03
Jul24

Uma familiar chata nas trincheiras do cancro

É sobejamente conhecida a minha difícil relação com os médicos. Tragam as aranhas, os ratos, o escuro, os palhaços e as bruxas: não há nada que eu tivesse mais medo, em miúda, do que indivíduos de bata branca. Na verdade não é medo: é pânico. Era irracional, profundo; uma dor que ultrapassava a parte física e que transpunha a alma. Era inimaginável, sufocante. De tal forma que só a ideia de entrar num hospital me deixava nauseada e era incapaz de fazer a distinção entre o médico-profissão e o médico-pessoa. Um médico era um médico - e era sempre o vilão da minha história.

A minha racionalidade não era suficiente para ultrapassar o medo - e muito menos para ter a frieza de perceber que os médicos são sempre a nossa salvação nos momentos de maior aperto. Em alturas em que a nossa saúde parece de aço e a atenção aos males dos outros não é o nosso forte, não imaginamos que nalgum dia - mais cedo ou mais tarde, a verdade é essa - as vidas dos nossos entes queridos vão estar nas mãos daqueles que outrora receamos. Vá... detestámos. Pronto, está bem, eu digo a verdade: odiámos.

Agora, seis meses depois do desabar do mundo da minha família, passei mais tempo em hospitais do que achei que passaria durante a vida inteira. São tempos de aprendizagem profunda: sobre a importância de aproveitar a vida, sobre fé e esperança, sobre os médicos e a medicina, sobre as pessoas, sobre a bondade, sobre a tolerância à dor que cresce a cada dia que passa, sobre  medicamentos - as suas maravilhas e as suas consequências. Nunca quis ser médica nem enfermeira nem nada que tivesse que ver com saúde - longe de mim ter alguma coisa que ver com aquele mundo que tanto detestava! Mas hoje em dia dou por mim a querer muito ser médica - quero perceber o que me dizem, o que receitam, o que escrevem. Quero ajudar, quero fazer parte da cura. Quero saber explicar aos outros, quero entender os olhares, quero perceber a gravidade dos problemas - sem pena, sem paninhos quentes, sem positividades tóxicas. Gostava de saber fazer diagnósticos em vez de simplesmente acreditar nos diagnósticos dos outros. Gostava de não ser refém dos conhecimentos de alguém.

Por isso ouço. Ouço como se estivesse na aula mais importante da minha vida. Retenho tudo o que me dizem. Decoro o nome estranho do cancro, da proteína que indica uma boa receptividade à imunoterapia, do medicamento difícil de pronunciar, a lista de todos os sintomas de alerta, os exames que são mesmo necessários ou só aqueles que fazem parte do protocolo. Era mais feliz há seis meses, quando nunca tinha ouvido falar de uma PET, do PDL-1 ou do pembrolizumab; mas hoje trago no currículo a bagagem pesada que dois cancros na nossa família nuclear nos fazem carregar. Sei muito mais. Não sou médica - nem iria a tempo de ajudar quem amo se hoje fosse tirar o curso. Por isso agarro-me ao que tenho: ao que ouço, ao que leio, ao que me explicam. E também à lógica, à racionalidade e ao sentido crítico. Faço muitas perguntas. Sugiro coisas. Exijo que me expliquem. Sou chata. Sou persistente. E luto, todos os dias, pela vida de quem me rodeia.

Mas a verdade é que sinto que, de alguma forma, este meu espírito combativo e absorvente de informação não é bem recebido por grande parte da comunidade médica. Acho que se espera dos pacientes e seus familiares a submissão de alguém cuja vida está nas mãos dos sujeitos de bata branca; não é suposto perguntarmos, mas sim acreditarmos; não é suposto queixarmo-nos, mas sim agradecermos; não é suposto falarmos, só ouvirmos.

Sei que sou uma mulher nova, muitas vezes perante médicos com tantos anos de carreira como aqueles que eu conto de vida - mas por muito empenhados que os médicos estejam, não há nenhum que queira mais a cura do que eu. Não há ninguém com mais foco nem desejo nem dor. Se as minhas pessoas não estão capazes de perguntar, eu pergunto. Se não são capazes de contestar, eu contesto. Se não são capazes de decidir, eu decido. Defendê-las-ei até ao fim, sem me preocupar com egos alheios, machismos exacerbados ou faltas de paciência por parte de familiares chatos. Não aceito "porque sim"'s como resposta; não quero saber o que dizem ou acham de mim depois de sair do consultório, se reviram os olhos, se me acham insolente, insistente ou com a mania. Porque foi esta minha forma de estar que me fez atalhar caminho quando, dois meses depois de um primeiro diagnóstico, apareceu outro que fez tremer os meus alicerces como um terramoto de 9.5 na escala de Richter; foi isso que me deu clareza sobre o que tínhamos pela frente e descanso por não ter de aprender todos aqueles termos pela primeira vez. Eu quero saber, quero ajudar, quero fazer parte da cura. Batalho com o coração, com a cabeça, com a alma; com amor, com inteligência e com instinto. E se um dia disserem que não consegui, pelo menos não poderão dizer que não tentei. Dei tudo. Dou tudo, todos os dias, para que sejamos, até velhinhos, dezasseis à mesa. 

28
Mai24

Islândia, dia três - De Vik a Hofn

O terceiro dia na Islândia foi o primeiro (e talvez o único) em que tivemos de prescindir de boa parte do nosso roteiro por termos constrangimentos horários. Como tínhamos a marcação para a escalada ao glaciar logo a seguir ao almoço, e o ponto de encontro ainda ficava relativamente longe do nosso local de partida, fomos obrigados a muitas das paragens que tínhamos da parte da manhã. A verdade é que isto podia ter sido eventualmente evitado com um bocadinho mais de planeamento - mas a altura em que fiz o roteiro foi muito complicada e tudo o que eu tinha, eu dei àquele documento. Abri o computador em dias em que só queria dormir, obriguei-me a pensar na viagem em alturas em que achei que não ia poder meter-me num avião... já não me sobrava nem paciência nem tempo para mais -  e, por isso, contento-me e congratulo-me simplesmente com o que fiz em vez de olhar para o lado mau. 

Tinha muitas micro-paragens ou photo-stops neste dia, que risquei do roteiro (mais uma vez refiro que, se quiserem ter acesso ao documento, basta deixarem aqui o vosso email ou enviarem-me o pedido para nãoficaremcoisaspordizer@gmail.com - não o enviarei logo porque ainda tenho de fazer uma ou duas retificações de erros graves!). Cingimo-nos às paragens de maior envergadura ou fama. 

Começámos pelo Fjardararglufur, o primeiro desfiladeiro que visitámos. A visita ao essencial, até às plataformas de visualização, demora cerca de uma hora - mas pode ser bem mais prolongada se decidirem fazer os trails que lá têm disponíveis. É um local muito bonito e calmo, onde se respira um ar bem puro. Acredito que no verão esteja no seu auge de beleza, com o musgo verde a pintar as rochas gigantes e o sol a entrar pelo vale adentro. Os desfiladeiros, para além das cascatas, são das belezas naturais mais bonitas da Islândia e também merecem a nossa atenção. Para quem sofre de vertigens... talvez não seja o mais aconselhável.

 

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

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Fjardararglufur

 

Seguiu-se uma surpresa: Stjornarfoss, que tinha no meu roteiro como uma cascata cujo acesso era relativamente demorado, mas que afinal é visível à face da estrada, com um caminho plano e muito fácil de fazer! Não é uma cascata enorme mas não deixa, ainda assim, de ser bonita. E o facto de ser grátis e rápida de visitar justifica, sem dúvida, o pequeno desvio.

 

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Stjornarfoss

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Stjornarfoss

 

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Stjornarfoss

 

Depois seguiu-se uma das maiores empreitadas desta viagem: Svartifoss. Este dia foi muito cansativo, provavelmente o mais difícil de todos - cheguei ao fim com 19km nas pernas e com a sensação de ter as coxas completamente pisadas. A chegada até à cascata é bastante dura, principalmente pelas subidas íngremes que parecem não ter fim; uma porção do terreno também não ajuda, com muitas pedras e desníveis. 

Curiosamente vêem-se muitas pessoas de mais idade a fazer os trails, mas sei que não tinham as condicionantes de tempo que nós tínhamos - principalmente neste dia. Isto para dizer o quê? Diria que toda a gente é capaz de fazer uma viagem à Islândia e de visitar quase tudo, mas é preciso ter noção das nossas limitações e dos nossos tempos, ajustando a nossa realidade àquilo que temos planeado. Ainda assim, dizer que de uma forma geral ajuda muito se tivermos em boa forma física. Eu estou longe de estar no meu auge - desde Dezembro que tenho a minha vida desestruturada, com muito mais visitas ao hospital do que à minha bicicleta de cycling - e senti que o ar me faltava em muitas situações. Parei muitas, muitas vezes - e quando cheguei a esta cascata parecia um tomate escaldado, tal o esforço.

Mas a verdade é que aqui... a caminhada é justificada. Svartifoss é uma paragem obrigatória e muito, muito bonita. Falamos de uma cascata coma queda de água em fio, envolta num contexto de basalto, relativamente fechado, como se fosse a parede de uma redoma, e me fez lembrar um enorme órgão de uma igreja. É, de facto, muito bonita - e é uma autêntica pérola escondida no meio de montes e vales onde não parece existir muito mais do que terra.

Porque a Islândia é assim, cheia de segredos escondidos e recantos incríveis. Foi uma lição que retirei desde o primeiro dia: sempre que chegávamos aos locais para onde o GPS nos levava, achávamos que não estávamos no sítio certo. Isto porque normalmente não víamos nada no momento da chegada; não percebíamos onde podia estar uma cascata tão grande quando não a conseguíamos ver do sítio onde aparcávamos. Por vezes andávamos quilómetros até aparecer qualquer coisa - mas a verdade é que, ao virar de uma simples esquina... lá estão aquelas belezas. É algo recorrente e que, nesta altura do campeonato, já estávamos habituados: na Islândia é preciso lutar e suar para ver aquilo que realmente vale a pena. A terra não nos oferece, de mão beijada, a maioria das suas pérolas. Por isso não desanimem quando não virem logo à partida aquilo que procuram: mais tarde ou mais cedo... vai aparecer, logo depois daquele monte ou daquela subida tão dura. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.

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Svartifoss

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Svartifoss

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Svartifoss - foto tirada por um senhor que levava uma máquina XPTO e um mega tripé mas que, quando lhe pedimos para tirar esta fotografia... não foi sequer capaz de apanhar a cascata 

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Svartifoss

 

Apesar da correria, conseguimos chegar a tempo ao ponto de encontro da Troll Expeditions - a empresa com que decidimos fazer a expedição ao glaciar. Pouco antes de chegarmos o meu marido diz-me assim: "acho que chegou a altura de te dizer...". Eu, preocupada, respondi logo: "DIZER O QUÊ?!". E ele returque, calmamente: "aquilo não vai ser fácil...". Seguiram-se alguns impropérios da minha parte, que se resumem a: "e só agora é que me decides dizer isso?!". Ele acalmou-me, disse que eu ia conseguir, mas que ia ser duro, para eu me ir preparando psicologicamente. 

De referir  que eu não marquei esta expedição às cegas: fui ver o nível de dificuldade e ler comentários de pessoas que a haviam feito. Em nenhum sítio dizia que aquilo ia ser complicado. O nível de dificuldade, no site, era designado como "fácil" e em nenhum comentário referiam esforço sobre-humano. Mas também não sou totó: eu não tenho particular aptidão física para estas coisas e já ia com receio. Escusado será dizer que fiquei ainda pior. Mas fui - e ainda bem, porque é algo que provavelmente se faz uma vez na vida, mas que vale muito a pena.

A atividade demora três horas, mas na minha cabeça decorreu durante cinco. Não conseguia ver o relógio e não me aventurava a pegar no telemóvel - e, segundo as minhas contas, eu já estava a caminhar há três horas e a tentar segurar-me no gelo há pelo menos duas. Foi difícil! Mas a verdade é que valeu a pena. Tenho a certeza de que esta será mais uma memória que vou guardar para a vida.

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Antes de fazer a caminhada mas já devidamente equipada!

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No glaciar

Eu não tinha qualquer experiência com neve: vi alguns montinhos na Serra da Estrela, das poucas vezes que lá fui, e vi nevar quando estive na Suíça. Nunca tinha estado num sítio com neve a perder de vista nem andado sobre camadas com mais de dois dedos de espessura. Como tal isto foi mesmo uma aventura... Quando me deram aquele machado e os grampos para a mão eu nem sabia o que fazer. Mas rapidamente aprendi: os grampos são colocados a meio do caminho (há uma caminhada de cerca de meia hora na terra, até se começar a subir para o glaciar) e é-nos ensinado como os colocar; o machado utiliza-se por instinto. Quando vieram algumas rabanadas de vento - das mais fortes que senti na vida - atirei-o rapidamente ao gelo para me segurar. 

Nunca me habituei nem senti à vontade durante toda a experiência - estive sempre em tensão, com medo de cair ou de colocar o pé no sítio errado. É algo totalmente fora da minha zona de conforto e não conseguia evitar estar sempre em esforço e concentrada ao máximo para minimizar erros. Custou-me, em alguns momentos, acompanhar o grupo - e posso confessar que o Miguel me ajudou muito, carregando as minhas coisas ou dando-me empurrões para as pernas não me falharem nas subidas. Foi stressante, principalmente quando os caminhos eram estreitos, o ritmo imposto era mais alto do que aquele com que eu estava confortável e, acima de tudo, quando o vento soprava forte - todo o grupo (éramos cerca de doze) se baixava e punha os machados no gelo para minimizar o impacto - uma visão que até teria a sua graça se eu não tivesse medo de ser levada e rebolar pelo gelo abaixo. 

As vistas são estonteantes. Beber a água do glaciar é a oitava maravilha do mundo - gelada e tão, tão pura! E passar pelas caves e pelos vales formados pela água e pelo vento é lindo - são autênticas paredes brancas (e às vezes azuladas) que nos parecem tão sólidas que nem pensamos que são feitas de algo tão volátil como... água. Quando me perguntam se é assustador passar por aqueles rifts, a minha resposta é rápida: não, de todo. Parecem estruturas muito estáveis, embora tenhamos de estar cientes da sua potencial fragilidade. O meu medo era cair e magoar-me, por ter uma inaptidão natural para este tipo de coisas, mas de resto senti-me sempre segura (tirando os momentos em que o vento soprava mais do que eu acharia normal).

Posto isto, será que eu aconselho meterem-se numa aventura destas? Claro que sim, é uma experiência que provavelmente não se repetirá na vida. E que mais oportunidades terão para subir a um glaciar, apreciar a vista, pôr a mão e perceber a sua textura? Há coisas que metem medo, mas em que vale a pena contrariar o nosso instinto. Acreditem que nunca mais na vida voltam a olhar para um cume da mesma forma. Para além disso, pelo ritmo do degelo, daqui a relativamente poucos anos não sobrarão muitos glaciares para escalar... por isso é aproveitar enquanto é tempo. 

Nós fizemos o hiking com a Troll Expeditions (podem ver aqui) e gostamos muito da experiência e da forma que fomos tratados. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5.

 
 

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No glaciar

 

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No glaciar

 

Já recompostos de uma das experiências das nossas vidas, voltamos ao carro para nos fazermos ao resto do caminho. De seguida, no roteiro, tínhamos a Hofskirkja - um photo-stop bem curtinho, de uma igreja embutida na natureza, tal como algumas das casitas que já tínhamos visto. É só mesmo para ver e seguir - e não se perde nada se passarmos à frente, pois há mais espécies destas pelo caminho e ainda mais bonitas.

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Hofskirkja

 

Por esta altura já estávamos a deixar o sul da ilha para trás e a entrar a passos largos na parte este, sendo que simultaneamente íamos subindo - e tal nota-se bem na paisagem. O (pouco) verde que víamos até então deixa de existir, sendo tomado pela "tinta" branca que pinta, principalmente, as montanhas. 

Para concluir o dia faltava-nos ver os dois glaciares: Fjallsarlon e Jökulsárlón. O primeiro é menos impactante que o segundo, na minha opinião - mas são ambos bonitos. Principalmente ao pôr do sol, como nós fomos! Teria ficado lá horas, a ver o sol esconder-se, não fosse o frio e o cansaço que estavam a tomar conta do meu corpo.

Em ambos existe a possibilidade de fazer passeios de barco e ver de perto os pedaços de gelo a flutuar, a virar e a "passear" pelas águas. Infelizmente, na altura em que fiz as marcações para as lagoas e restantes atividades (deve ter sido cerca de três semanas antes da nossa partida), já não havia vagas. Também não conseguiríamos ir, pois este dia já foi longo o suficiente e só pelas 18h é que chegámos a esta parte da ilha - e, nessa altura, já estavam todas as barraquinhas fechadas e os barcos todos encostados. O feedback que tenho é de que é uma atividade muito bonita, mas tem de ser marcada com bastante antecedência; apesar de haver, nos locais, spots de venda, tenho a percepção de que é algo que esgota rapidamente. Sei que se lá voltasse era das coisas que gostava de fazer: Jökulsárlón roubou totalmente o meu coração. Foi das minhas paisagens favoritas de toda a Islândia. E adivinhem o que também existe por lá...? Foquinhas! O meu coração não aguentava de tanta fofura e beleza ao mesmo tempo!

O parque em Fjallsarlon não é pago, mas o de Jökulsárlón é. No entanto, é uma paragem mais do que obrigatória. Av. P/Q: 5, Av. E/Q: 5, uma vez que o passeio à beira-mar não é minimamente cansativo.

 

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Fjallsarlon

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Fjallsarlon

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Jökulsárlón

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Jökulsárlón

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Jökulsárlón

 

A caminho do Jökulsárlón apercebemo-nos de que de um lado tínhamos o glaciar e, de outro, a famosa Diamond Beach. Ambos os parques são pagos e não faz sentido estacionar nos dois, pois há uma travessia por debaixo da ponte que liga os dois locais. É uma caminhada curta e que faz compensar, largamente, os euros que se iriam gastar; para além de que, com uma vista daquelas, custa muito pouco caminhar.

A Diamond Beach é também um dos pontos obrigatórios quando se visita a ilha, pois costuma estar recheada de pequenos (ou até grandes) pedaços de glaciar, que se espalham pelo areal, formando uma autêntica praia de diamantes. Digo que "costuma" porque, ao contrário de todas as imagens que vimos, a praia estava vazia. Era uma praia de areia preta, normal, igual a qualquer outra. Havia um (UM!) pedaço de gelo que corremos para apanhar - mas foi literalmente o único que vimos. Foi, para nós, uma enorme desilusão. Não sei se é um fenómeno comum nem a razão para tal ter acontecido, mas a verdade é que apanhamos um grande balde de água fria.

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Daqui seguimos para Hofn, onde pernoitamos no Árnanes Country Hotel: um hotel muito fofinho, constituído por cerca de uma dúzia de casinhas de madeira, pequeninas mas muito fofinhas e confortáveis. Tinha pequeno almoço-incluído que, não sendo nenhuma especialidade, tinha o essencial. A relação qualidade/preço é muito simpática!

Na Islândia janta-se relativamente cedo e, por esta altura, o relógio já batia perto das nove da noite. Fomos ao centro da cidade perceber onde poderíamos jantar e já ninguém estava a aceitar mesas. Demos por nós numa corrida não oficial contra um casal de italianos que estava exatamente com o mesmo problema que nós - fizemos rigorosamente o mesmo périplo de restaurantes até que chegamos ao pior de todos, uma espécie de diner americano (o Hafnarbudin). Havia uma mesa livre. Nós chegamos trinta segundos mais cedo que os nossos oponentes - tendo, por isso, ganho a corrida. 

Eles, ao entrar, fizeram um olhar triste e viraram costas. Mas a mesa disponível era de quatro pessoas e não havia razão para um de nós ficar sem comer. Dissemos-lhes que podíamos jantar todos na mesma mesa... e assim foi. Esta história teria um final muito mais engraçado se vos dissesse que ficámos super amigos e que foi uma experiência de partilha gratificante e muito divertida... só que não aconteceu. Eles não eram particularmente conversadores, nós estávamos também cansados, e o jantar resumiu-se a uma breve troca de palavras e perguntas básicas - e a um hambúrguer estilo McDonalds, mas pior, o que não foi um bom fecho para um dia tão bom, feliz e preenchido. Mas foi o que se arranjou - restava a esperança de que a refeição do dia seguinte fosse melhor. Pagámos 35 euros por dois hambúrgueres com batatas e duas pepsi max.

 

Dica do Dia: Indo para a Islândia há uma série de aplicações que já devem levar no vosso telemóvel. No que diz respeito a dinheiro, é obrigatório ter a app do "Revolut" - para mim é a melhor para ver os custos e os câmbios imediatos, para além de se evitar pagar taxas. De um ponto de vista logístico, e se alugarem carro, é imperativo instalarem a "SafeTravel", principalmente nos meses frios, pois indica-vos as condições das estradas, quais é que estão fechadas e os locais perigosos - principalmente quando andamos a norte, íamos consultando a app pelo caminho e houve locais que não visitamos por não estarem reunidas todas as condições de segurança; acho que também é útil descarregar o "maps.me" e os seus mapas offline (foi o que utilizei na China), caso algo falhe a nível de Wi-Fi ou roaming. A "Vedur" é a aplicação mais popular de meteorologia, mas confesso que não utilizei. A "My Aurora" é obrigatória para quem vá atrás das auroras boreais e envia notificações quando estão numa zona onde há possibilidade de as avistarem - foi graças a ela que as vimos em Selfoss! No que diz respeito a turismo, achei interessante a "Kringum", embora não tenha utilizado muito, e o "Get Your Guide", com o qual marcámos algumas das visitas - comparem sempre os preços nos vários sites, pois pode compensar não marcar diretamente nos sítios oficiais! 

 

Curiosidade do Dia: ainda sobre o hambúrguer ao estilo McDonalds, devo dizer que a coisa mais hipócrita deste país é fazer do abandono desta cadeia de restaurantes uma autêntica bandeira. O McDonald's esteve na Islândia durante vários anos mas, em 2009, acabou por ceder e fechar a sua última loja, por não ter conseguido atrair clientela. Esta história é de tal forma famosa que o último hambúrguer vendido está ainda em exposição, num hostel algures no sul da ilha. Mas a verdade é que eu estive em poucos países do mundo onde se comesse tanta fast food: são pizzas, são hambúrgueres, é frango frito, são cachorros, são sandes pré-feitas... tudo péssimo!  Diria que 70% dos restaurantes na Islândia são de comida plástica, o que acaba por transformar estes pratos naquilo que há de mais típico naquela terra. É verdade que eles têm rena, baleia, cavalo e muitas sopas... mas se fechassem os olhos e entrassem num restaurante às cegas, a probabilidade era saírem de lá com a barriga cheia de hidratos de carbono e comida ultra processada, à moda norte-americana.

22
Mai24

Islândia, dia dois - de Selfoss a Vik

Foi a segunda noite mal dormida na Islândia - na verdade, muitas mais estariam para vir. O entusiasmo da noitada anterior não ajudou mas o problema real era outro: a maldita luz. Se no primeiro hotel achei que a entrada excessiva de luminusidade tinha sido azar pelo estilo de cortinas, neste apartamento percebi que esta questão iria continuar: as cortinas e os blackouts não são suficientes para bloquear a luz que começa a entrar pelas quatro da manhã. Às cinco, o meu corpo, percebendo que a luminosidade era equivalente à das dez da manhã em Portugal, mandava-me logo abrir a pestana. Foi um inferno - um inferno que tinha de ser resolvido, porque eu precisava de energia para caminhar e me manter acordada durante as viagens de carro para, por um lado, apreciar a paisagem e, por outro, fazer companhia ao Miguel.

Um chá e umas torradinhas depois, fizemo-nos ao caminho. Primeira paragem: Uridafoss. Fui ao engano, achei que não nos esperava grande coisa... e fiquei agradavelmente surpreendida! Perceberão, daqui em diante, até pelas "pontuações" que darei, que gosto muito mais de cascatas de grande volume - mesmo que as quedas de água sejam mais pequenas - do que das cascatas altas e em fio. Esta era grande e larga, com uma movimentação de água apreciável e uma cor muito bonita. A massa de água que é movimentada é, quase sempre, proporcional ao vento e ao frio que se sente junto à cascata - e nesta quase que enregelávamos! 

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Uridafoss

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Uridafoss

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Uridafoss

 

O acesso a pé é muito curtinho - nem cinco minutos de caminho - e o parque não é pago. À hora a que fomos não tinha quase ninguém, o que foi ouro sobre azul - aliás, gelo sobre azul, porque parte da cascata ainda não havia descongelado. Av. P/Q: 5. Av. E/Q: 5.

Seguimos depois para mais um dos ex-libris da Islândia: Seljalandfoss, a famosa catarata onde se pode caminhar por detrás da queda de água (pelo menos nos meses mais quentes - penso que no inverno fecham o caminho por precaução). Dentro da categoria "cascatas altas" esta é das minhas preferidas, até porque o ponto de vista interior é de facto imperdível. É mesmo um ponto de paragem obrigatório - e a melhor parte é que vem em "combo", pois logo ao lado (cerca de dez minutos a pé) tem a cascata Glufrabui. Esta última está escondida por rochedos gigantes, pelo que não é visível do lado de fora - têm mesmo de se pôr praticamente debaixo dela para a conseguirem ver! 

Nós já tínhamos apanhado um belo banho a caminhar por detrás da queda de água da primeira cascata - levar poncho impermeável é absolutamente obrigatório se não querem ficar encharcados - e achamos que não valia a pena ficarmos ainda mais molhados para ver a Glufrabui (nesta, diria que as calças impermeáveis também darão jeito) - demos só uma espreitadela pelo lado exterior das rochas, até porque o acesso é limitado e estava demasiada gente para se circular à vontade. De qualquer das formas, se fosse hoje, teria ido. Isto porque, nesta fase, ainda estávamos a aprender a gerir o nosso roteiro e as suas paragens e tínhamos sempre medo de não o conseguir cumprir e ficar com coisas importantes por ver; eu fazia um controlo apertado dos tempos e sabia quais as nossas margens, mas é desconfortável saber que temos de chegar ao último ponto dentro de "x" tempo. Nunca se está completamente relaxado - é como estar numa visita guiada, em que o guia nos está sempre a chatear com o tempo que podemos ter para nós... sendo que, neste caso, nós somos os nossos próprios guias, apesar da nossa parca experiência. No entanto, aquilo que a prática me mostrou é que o roteiro que eu defini era perfeitamente fazível, mesmo nos dias mais duros e cheios de paragens. A previsão de tempo que dei em cada atração (baseada em pesquisas do google) foi quase sempre superior à duração real - e houve dias em que chegámos ao fim cedo demais, deixando-nos até um pouco desorientados. Isto apesar de nunca termos madrugado nem nos deitado muito tarde - fizemos os percursos sempre em "horas normais", até porque na maioria dos dias esperámos pela abertura de um supermercado ou padaria para nos abastecermos com produtos frescos para o dia. No entanto, a partir de certa altura, perceber que os dias eram longos fez-nos levar o roteiro com outra tranquilidade - sabíamos que desde que não tivéssemos hora marcada para entrar num local ou num hotel, poderíamos ver as cascatas e os desfiladeiros com luz do dia até bastante tarde. Obviamente que isto só é válido para quem vier na primavera ou verão; caso estejam a planear viagens no Outono ou Primavera, é obrigatório que estudem muito bem os tempos de caminho e de visita, pois a noite, quando se põe, é escura como breu. E fria!

Em Seljalandfoss o parque é pago (seis euros) e uma a duas horas deverá ser suficiente para verem as suas cascatas. Av. P/Q: 5. Av. E/Q: 5.

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Seljalandfoss

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Seljalandfoss

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Seljalandfoss

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Por detrás da Seljalandfoss

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Glufrabui

 

A próxima paragem é, também, das mais conhecidas do país. Mas antes, fizemos uma breve escala à margem da estrada para ver as Rutshellir Caves - umas pequenas cavernas em que fizeram uma espécie de casinhas à entrada. A ideia é gira e podia ser um sucesso se fosse melhor trabalhada com umas lojinhas lá dentro ou uma decoração gira (lembrei-me, por exemplo, do sucesso que fazem as Casas de Santana, na Madeira), mas infelizmente é só uma gruta vazia com uma entrada em palhota, que não tem muito que ver. É uma boa paragem para se esticar as pernas e tirar uma fotografia da paisagem sulista da Islândia, que para nós é sinónimo de céu azul, rochas e... palha, muita palha.

 

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Dentro de uma das Rutshellir Caves

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Rutshellir Caves

 

Foi neste segundo dia que percebi que tinha de fazer as pazes com aquilo que os meus olhos estavam a testemunhar sobre a paisagem islandesa - que, por alguma razão, não estava a casar com as minhas expectativas. Mas depois percebi: era o cenário seco que me estava a fazer confusão. Normalmente as imagens que vemos deste país ou são verdejantes, pintadas a relva, ou brancas, com um tapete de neve imenso. Mas o que eu via eram tons pastel, mais para o bege e o acastanhado! Onde estava o verde e o branco dos meus sonhos? 

A resposta é simples: estão no Verão e no Inverno. Nas outras duas estações a paisagem fica num meio-termo. Porque não se passa do verde para o branco - ou vice-versa - num abrir e fechar de olhos. Aquilo que testemunhámos foi o panorama intermédio, que na verdade tem um nome do meio: palha. Aquilo que era relva no verão, seca e queima quando a neve cai. Com o degelo natural das estações mais quentes, aquilo que era relva volta a ficar visível, mas em forma de palha, pintando a paisagem de tons amarelados e castanhos. Das três paisagens - verde, branca ou pastel -, diria que a que me saiu na rifa é a menos bonita... e admito que o meu coração ficou um bocadinho partido quando percebi que a ideia que tinha da Islândia não era necessariamente aquilo que os meus olhos estavam a ver. Mas é aceitar e perceber que esta metamorfose também faz parte da beleza do país. Na foto acima conseguem perceber aquilo de que falo: na altura em que fomos, o verde já começava a querer tomar o lugar da palha, mas a cor amarela era aquela que ainda dominava no horizonte.

Depois das grutas, fomos então para outra das cascatas mais famosas: Skogafoss. O parque não é pago, mas confesso que não foi das cascatas que me roubou o coração; a queda de água é bonita, mas o enquadramento não é o melhor. Já para não falar que tem muita, muita gente.

Meia hora basta para ver a cascata; no entanto, se quiserem subir à plataforma de observação, precisarão de pelo menos hora e meia. São 370 degraus e a subida, para mim, foi absolutamente penosa. A pior parte? É que, quando cheguei lá acima, não achei que valesse a pena. A cascata é mais bonita vista de baixo do que de cima, onde nem sequer se tem um ângulo de visão desafogado. A única coisa que pode valer a pena, para quem for com tempo e vontade de caminhar, é um trail que percorre todo o caminho da água, que tem algumas quedas de água anteriores à Skogafoos que podem compensar a subida. Nós andamos o suficiente para encontrar uma outra cascata - e, principalmente, para podermos esticar as pernas e dar descanso aos glúteos, depois daquela subida do demónio - mas acabamos por só percorrer uma pequena parte do trail. Av. P/Q: 5, uma vez que não é pago. Av. E/Q: 2, considerando a escadaria.

 

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Skogafoss

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Skogafoss

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No topo da Skogafoss, numa das quedas de água anterirores à cascata principal

 

Mas se Skogafoss é um caos de pessoas, logo ali ao lado, a pouco mais de um quilómetro, têm uma pérola escondida que vale bem mais a pena. A Kvernufoss fica depois do museu Skogar, onde se encontram muitos artefactos antigos islândeses dentro das típicas casinhas de madeira e palha. O parque da cascata é pago (cinco euros), mas dá acesso os quartos de banho do museu, o que pode dar muito jeito, uma vez que não é fácil encontrar WC's na Islândia, principalmente que não sejam pagos.

Mas falemos de Kvernufoss: é bastante acessível, com uma caminhada de cerca de meia hora, só com uma ou duas subidas curtas. O fluxo de água não é muito grande mas a forma e o local onde esta cai é muito bonito. Imaginem uma cúpula sem teto, mas com a mesma forma arredondada; forma-se ali, de um dos lados, uma espécie de redoma que torna o ambiente quase acolhedor - e acima de tudo, muito bonito, com a queda de água a adornar tudo de forma perfeita. O outro lado, por onde a água escorre, é um vale muito agradável e sossegado - um óptimo contraste para quem saiu de uma atração mais agitada como é a Skogafoss. Av. P/Q: 4. Av. E/Q: 5.

 

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Kvernufoss

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Kvernufoss

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O trilho de chegada à Kvernufoss

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As casinhas típicas do museu Skogar

 

Quando saímos de Kvernufoss e olhámos para a hora, percebemos que tínhamos ganho muito tempo em relação às expectativas. No roteiro, a paragem seguinte era facultativa e o meu interesse não era muito - mas como tínhamos horas de sobra, decidimos parar no Solheimasandur, os famosos destroços abandonados de um avião americano, que caiu ali perto de uma praia em 1973 por falta de combustível. Ninguém morreu, mas os os restos do avioneta ali ficaram - acabando por se tornar naquela que é hoje uma das imagens mais famosas da Islândia.

Esta é das paragens em que é obrigatório o uso do maps, pois não há indicações na estrada do local de entrada. No entanto, verão de certeza carros num parque estacionamento que foi construído recentemente - e que é, como não podia deixar de ser, pago (mais 5 euros, catchim!). Aqui têm duas opções: ou pagam 20 euros por pessoa para apanhar o transfer de ida e volta para o avião ou andam cerca de duas horas, ida e volta (pouco mais de sete quilómetros), para lá chegar. Como o preço do transporte nos pareceu claramente exagerado, optamos por ir a pé. Foi provavelmente a caminhada mais longa que fizemos durante toda a viagem - e para mim foi cansativa e um pouco frustrante, porque só quando nos aproximamos bastante é que começamos a ver o avião, como quem vê  aparecer uma luz ao fundo do túnel. Anda-se, anda-se e anda-se... e a estrada de areia e gravilha parece confundir-se com o horizonte e nunca mais acabar. Até que lá o vemos, o famoso! O avião em si vê-se em cinco minutos e não é, nem de longe nem de perto (na minha opinião!), uma paragem obrigatória. Mas é mais um check num ex-libris islandês, sendo que esta será provavelmente a única vez que estarei dentro dos destroços de um avião (ou, para bem da minha saúde, assim o espero).

Se a caminhada de ida foi difícil, a vinda foi pior - parecia que o carro se distanciava à medida que íamos andando. A única coisa que compensa são a vistas lindas da montanha que se tem na praia e no caminho. Av. P/Q: 3, no caso de só estacionarem o carro, 1 se optarem pelo transfer. Av. E/Q: 2, se fizerem o caminho a pé.

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Solheimasandur

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As montanhas vistas de dentro do avião - Solheimasandur

 

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Solheimasandur

 

A última paragem oficial do dia foi na Reynisfjara Beach, uma famosa praia de areia preta rodeada por pedras de basalto. Pelo caminho passamos pelo viewpoint de Dyrholaey, um dos sítios mais famosos para ver puffins (papagaios-do-mar), mas na altura não nos apercebemos que era lá uma das suas mais famosas colónias e não parámos. Acabamos por nunca os conseguir ver durante toda a viagem - a verdade é que fomos na altura em que eles começam a aparecer (é normalmente a partir de fim de Abril até meados de Setembro) mas ainda não são muito comuns, para além de que o tempo, neste dia em particular, também estava a ficar escuro, ventoso e encoberto, ao contrário daquilo que eles parecem gostar. 

O parque da praia também é pago (sete euros, auch!) e eu confesso que não fiquei encantada. Pensei muito em Portugal e na sua incrível diversidade durante esta viagem... a verdade é que muito daquilo que as pessoas vão ver à Islândia, nós temos em terras lusas. Temos fumarolas e parques geotérmicos, temos mar e uma costa incrível, temos casinhas de madeira e palha, temos praias de areia preta... Por isso, para nós, caminhar numa praia escura não é novidade nem nada que nos faça cair o queixo.

O mesmo não se pode dizer daquilo que estava no meio do mar. Estávamos nós a tirar fotos quando o Miguel aponta para a água e diz: "olha ali uma foca!". Foi o ponto alto do meu dia. Fechei o ângulo o mais que pude e aumentei a objetiva até não conseguir mais - e foi aí que me apercebi que não só a foca estava a dar espétaculo a toda a praia como também se estava a deliciar com um pequeno banquete... inicialmente achei que era uma raia devido à cauda do animal que ela tinha na boca, mas só depois, ao ver as fotos com cuidado, é que chegamos à conclusão que ela estava provavelmente a comer um pequeno (ainda que grande) tubarão. A natureza é mesmo incrível, não é?

Foca aparte, e tendo em conta que não sei se elas costumam aparecer nesta praia com frequência, este não é, para mim, um local de paragem obrigatória. Há muitas praias de areia preta na costa e não é necessário pagar uma fortuna para se desfrutar da vista, da areia de cor peculiar e do mar (ainda que só de longe, porque entrar neste mar, ou simplesmente ser apanhado por uma onda, é perigosíssimo). Aliás, se caminharem um pouco mais na zona dos destroços do avião, darão por vós num areal sem fim muito maior que este; é verdade que não têm as pedras basálticas como pano de fundo, mas confesso que não acho que façam a diferença ou justifiquem o preço que se paga. Por isso - Av. P/Q: 2, Av. E/Q: 4, não por o esforço ser muito, mas por a paisagem não justificar grande pontuação.

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Reynisfjara Beach

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Reynisfjara Beach

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Foca na Reynisfjara Beach

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A caminho do nosso hotel apercebemo-nos que muita gente fazia um desvio que não estava planeado no nosso roteiro. Como ainda tínhamos tempo, decidimos seguir o nosso instinto e fomos atrás do fluxo de carros. Demos por nós no topo de uma montanha onde está o farol de Dyrhólaey, de onde é visível o famoso arco, onde na verdade também pousam muitos puffins. No entanto, à distância a que estávamos, seria impossível ver o que quer que fosse.

 

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Quando falo de uma imensidão de praias de areia preta é a isto a que me refiro. É ou não magnífico? E, já agora, grátis!

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Vista do farol de Ddyrhólaey e o famoso arco rochoso

 

Seguimos depois para Vik, uma vila muito simpática, onde jantamos no Smidjan Brugghus, por conselho da recepcionista do nosso hotel. Já tínhamos planeado jantar na Black Crust Pizza, onde servem pizzas de massa escura feita com lava, mas eu sentia que o meu corpo precisava de qualquer coisa para além dos hidratos de carbono que tinha vindo a comer, de forma exclusiva, nos últimos dois dias. Precisava de carne. E eu, que não sou fã de hambúrgueres, devo dizer que aquele que comemos estava uma delícia - ou isso ou eu estava mesmo com muita fome. A carne era de boa qualidade e toda a mistura do hambúrguer estava bem harmoniosa e saborosa. Pagámos 50 euros os dois (dois hambúrgueres, duas pepsi max e uma dose de batatas fritas).

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Igreja de Vik

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Smidjan Brugghus

 

Nessa noite ficamos hospedados no Farmhouse Lodge, onde fomos muito bem recebidos por uma portuguesa que lá trabalha há vários anos. Independentemente disso, devo dizer que ficamos um bocadinho desiludidos - foi dos sítios mais caros onde dormimos e aquele de que menos gostamos. O quarto em si não era mau, era confortável e bem decorado - e a Sílvia (penso que era assim que se chamava?), colocou-nos naquele que tinha melhor vista! Mas o quarto de banho era minúsculo, o local do banho não estava nada bem conseguido, as toalhas estavam em mau estado e nem toalha de mãos forneceram, não havia muitas tomadas acessíveis, etc. A cama era boa e - em conjunto com uma venda! - tive uma noite de sono decente, mas o bolo geral não se mostrou justificativo do preço que pagamos. Era dos hotéis que mudaríamos caso voltássemos. 

 

Dica do Dia: na Islândia é tudo muito, muito caro - e comer não é excepção! Num restaurante típico é fácil gastar-se cinquenta euros por cabeça (sem bebidas alcoólicas); pizzas, hambúrgueres e até sandes ascendem facilmente aos 25 euros por pessoa. Por isso, podendo, abasteçam as vossas malas de comida em Portugal - nós levamos secos, principalmente bolachas. Íamos comprando diariamente pão fresco e foccacias - uma espécie de pizzas pequenas - assim como ingredientes para colocar no interior do pão (fiambre a queijo) e batatas fritas, sempre que precisámos - que foram duas ou três vezes. Mesmo assim, gastámos facilmente quinze euros todos os dias em produtos frescos - e sempre a comer a mesma coisa! Cozinhar é uma hipótese caso fiquem hospedados em locais com cozinha, mas a verdade é que em alguns supermercados é difícil comprar carne conforme nós temos (vêm em embalagens enormes, com muita quantidade) - e os preços ascendem também para números ridículos para a nossa realidade. 

De qualquer das formas, fazendo pelo menos metade das refeições fora de restaurantes (como nós, que almoçamos sempre no carro ou em mesas de pic-nic), fica a dica de algumas coisas fáceis de esquecer mas que vos irão fazer muito jeito: alguns talheres, guardanapos, toalhitas, sacas herméticas, molas para fechar os sacos, café e chá, assim como alguns pacotinhos de açúcar e, tendo planos para cozinhar, um ou dois caldos Knorr, pois não vão certamente comprar na Islândia um conjunto de temperos para fazerem da vossa comida a mais saborosa possível. Levem bolachas, tostas, patês ou enlatados caso gostem; frutos secos também podem ser uma boa opção.

Passando dos sólidos aos líquidos: levem garrafas de água vazias e encham-nas nos vários sítios que percorrerem. A água da torneira é boa e mais que potável (embora, em muitos sítios, cheire a enxofre quando colocamos a maçaneta do lado “quente”) - e o mesmo se pode dizer da água das cascatas. 

 

Curiosidade do Dia: os cavalos, na Islândia, são o nosso equivalente às vacas ou às ovelhas. São, sem dúvida, o animal que mais se vê numa roadtrip. Passamos por algumas renas, poucos carneiros e ainda menos vacas - mas cavalos vimos centenas! Claro que, gostando de animais como eu, estava ansiosa por estar com eles de perto - mas não são muitos os sítios em que eles estão suficientemente próximos da estrada para nos conseguirmos aproximar. No caso das fotos abaixo conseguimos, mas tinha um aviso para não lhes dar comida ou mimo, algo que eu cumpri (embora a custo, pois eles aproximaram-e imediatamente e pareciam muito sociáveis). 

Os passeios a cavalo são muito populares na Islândia. Por isso, se gostarem de hipismo, essa é das atividades que encontram com grande facilidade em todo o país. Do que me pareceu, os cavalos tomam quase conta de si próprios: a maioria nem estábulo tinha, o que me soa estranho, pois não diria que são animais capazes de aguentar o frio que se faz sentir naquele país, principalmente à noite. Mas o número de bichos desta espécie contraria o meu raciocínio e eles são, aparentemente, feitos para viver nesta terra. O seu pêlo era maior do que os cavalos que vemos cá e estão, na sua maioria, gordinhos e bem tratados, sendo que não lhes falta espaço para correr. E como o que se quer é animais felizes... diria que estão no sítio certo.

 

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19
Mai24

Islândia, dia um - de Reykjavik a Vik

O Golden Circle

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Chegámos à Islândia já passava da meia-noite; voámos pela Play, que desde início de Abril que tem vôos diretos do Porto para Reykjavik. É uma companhia (pouco) low-cost islandesa e a mais descontraída em que alguma vez voei - fardas todas distintas, t-shirts e sapatilhas eram o prato do dia e com direito a tripulantes todos tatuados (nada contra, mas é novidade para mim).

Depois de pegarmos nas nossas malas aguardamos que a companhia de aluguer de carros nos viesse buscar, para depois seguirmos para o hotel, já com o nosso querido companheiro de viagem - um Dacia Duster que nunca nos deixou ficar mal. Chegamos ao hotel já pelas duas da manhã, apesar de não termos demorado muito em nenhum dos pontos - as malas não tardaram, o check-in na empresa de aluguer de carros já estava praticamente feito e o Hotel Jazz, onde pernoitámos, situava-se a cinco minuto do aeroporto - mas nunca uma chegada é breve e todas as pequenas esperas somadas acabam por se tornar maiores. O hotel, que me pareceu ser um negócio familiar, tinha self check-in e check-out e era mais do que suficiente para uma noite de sono tranquila. Não tinha pequeno-almoço incluído, pelo que tomamos um chá no quarto e comemos algumas das coisas que havíamos trazido de casa... e a primeira refeição do dia já estava tomada.

Fizemo-nos ao caminho para a nossa primeira paragem: o parque nacional Thingvellir, um óptimo sítio para um bom passeio e caminhada. É um local importante por diferentes razões: primeiro, por questões sociais e políticas, pois foi nesta área que esteve o primeiro parlamento democrático do mundo; é também lá que podemos ver a primeira igreja da Islândia, Thingvallakirka. Depois, por questões geológicas: o parque está separado por duas placas tectónicas (a da Europa e da América do Norte) e o caminho inicia-se na separação entre os dois blocos de terra - num local chamado Almannogja -, ainda que inicialmente não nos apercebamos. Ali ao lado, na Silfra, pode fazer-se o mesmo mas dentro de água: é talvez o único lugar do mundo onde se consegue mergulhar literalmente entre as duas placas. Não é uma experiência barata (fica por cerca de 150 euros por pessoa), mas quem a faz normalmente recomenda. Nós optamos por só passear em terra, respirar o ar puro e apanhar as "vibes" de Game of Thrones - isto porque este foi um dos muitos locais de filmagem da série (neste caso, Thingvellir aparece como pano de fundo da viagem de Arya Stark e o Hound).

Foi aqui que vimos a nossa primeira cascata - a Oxararfoss. Não é majestosa, mas é bonita e conclui um bom passeio no parque.

Esta é uma paragem que, sem grandes correrias mas também sem muitas explorações, demora cerca de duas a três horas. Diria que é de visita obrigatória no enquadramento do Golden Circle. No maps, coloquem o visitor center como direção, pois há vários outros pontos que podem induzir em erro o vosso trajeto. O parque de estacionamento tem um custo de cerca de 6,5€. Avaliação Preço/Qualidade (doravante Av. P/Q, em escala de 1 a 5, sendo 1 um "não vale a pena gastarem um cêntimo" e 5 "a vista não tem preço"): neste caso dou-lhe 4, por ser um lugar icónico e bonito. Avaliação Esforço/Qualidade (daqui para a frente Av. E/Q, sendo 1 um "não vale a pena cansarem-se" e o 5 "vale a pena gastar tempo e desgastar músculos tendo em conta a beleza/interesse do local"): para Thingvellir dou 5, por ser maioritariamente plano e ter uma vista bonita.

 

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Thingvellir

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Thingvellir

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Oxararfoss 

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Oxararfoss 

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Thingvellir

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Thingvallakirka

 

A segunda paragem foi mais uma "foss" - perceberão daqui para a frente, e reparando nos nomes, que "foss" significa, em islandês, uma cascata. Neste caso, Bruarfoss. É uma cascata bonita, de um azul bebé puro, mas relativamente pequena. Nesta altura ainda não tínhamos visto nenhuma das cascatas maiores e gostamos bastante - agora, colocada em perspectiva, não é de facto nada de estonteante... mas não deixa de ser bela. Tem um parque de estacionamento muito próximo, com um custo de cerca de 5 euros; a caminhada é bastante curta - talvez vinte minutos, ida e volta. Estava muito vazia quando fomos, talvez pelo custo ser demasiado para aquilo que se vê - compensa, no entanto, se procuram um sítio calmo. Av. P/Q: 2, uma vez que pelo mesmo preço (ou pouco mais) se visitam cascatas de muito maior envergadura. Av. E/Q: 5, pois o caminho é plano e calmo, sem esforços.

 

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Bruarfoss

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Bruarfoss

 

A paragem seguinte está presente em todos os roteiros, todos os mapas e em quase todos os souvenirs. É um local tão falado que se tornou, provavelmente, num dos sítios com mais turistas na Islândia; por ser tão conhecido acaba por ser uma imagem que, apesar de provavelmente nunca termos visto ao vivo, está muito presente nas nossas cabeças - e, a mim, acabou por não me encantar. Falo do geysir, aquele esguicho de água natural, que explode de cinco em cinco minutos.

Strokkur, que significa em islandês "fazer espuma", é o geysir mais popular da zona geotermal de Haukadalur - um sítio parecido ao das Furnas, nos Açores, com várias fumarolas e um cheiro a ovos podres que não é muito simpático para o nosso olfato. Não é um lugar nem muito bonito nem muito trabalhado - de tal forma que não tirei uma única foto. Fizemos um vídeo da explosão de água, que é de facto impressionante, mas não há muito para ver para além disso. Existe uma plataforma de visualização de toda a área, localizada num sítio alto, num monte lá ao lado, que deve representar uma caminhada de cerca de 45 minutos, e não achamos que valesse a pena. Como disse, não foi um sítio que me apaixonasse, pelo que não achamos que devêssemos "gastar" mais tempo nesta área.

Av. P/Q: 5 - é das poucas atrações famosa na Islândia que não é paga, pelo que é um ponto obrigatório de paragem, muito embora esteja longe de ser dos meus locais favoritos. Av. E/Q: 5 - caminhada curta e plano, se se cingirem a um passeio pela zona das fumarolas.  

A última paragem do dia foi em Gullfuss, que significa "cascata de ouro". O nome não é por acaso: foi a primeira cascata em que ficamos absolutamente arrebatados. Tem duas quedas de água e a massa de água movida é absolutamente indescritível. Não há fotos ou vídeos que façam jus àquilo que se sente: a movimentação do ar, as partículas de água, o frio súbito que toma conta de nós, o vento que sopra confusamente por todos os lados... É de se ficar arrepiado - tanto pelo ar gélido como pela beleza e força da natureza. Por tudo isto não conseguimos ficar lá muito tempo - mas a sua visita é absolutamente obrigatória e indispensável. Dada a sua fama e a óbvia beleza, tem muita gente (vulgo: demasiada) - mas o barulho da água a correr é de tal forma intenso que abafa a multidão. Na altura em que fomos (final de Abril), ainda havia partes congeladas, ainda que fossem nas margens da cascata e não no caudal principal; este foi o primeiro contacto que tivemos com a neve e o gelo na Islândia e ficamos logo espantados com o tamanho dos blocos que se formam. É incrível como um rio tão movimentado consegue congelar. O que ainda não sabíamos era o paraíso pintado de branco que viríamos a ver dali a uns dias.

Gullfoss faz uma espécie de combo com o geysir, uma vez que fica apenas a dez minutos de carro. A visita demora cerca de uma hora, com vinte minutos de caminhada. Se a memória e o registo do Revolut não me falham, a entrada é gratuita. O que faz, obviamente, com que este local tenha uma avaliação de 5 em ambas as minhas escalas de avaliação. Foi a nossa visita preferida do dia - e só não foi o ponto alto porque, à uma da manhã, tivemos uma bela surpresa. 

 

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Gullfoss

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Gullfoss

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Gullfoss

 

Mas antes de chegarmos à parte da noite, ainda tenho mais umas coisas para contar. Foi o nosso primeiro dia na Islândia e quisemos começar em bom, com uma visita a uma lagoa. Perto de Selfoss, o sítio onde íamos pernoitar, fica a Secret Lagoon - não é a lagoa mais famosa nem a mais bonita, mas é sem dúvida das mais baratas (pagamos 20 euros por pessoa, com marcação feita no site e com um código promocional encontrado algures na internet). Foi a primeira de quatro lagoas que visitámos e, como ainda não conhecíamos a dinâmica, não tiramos fotografias (na verdade, mesmo nas restantes, foi coisa que evitamos fazer). 

Estivemos bastante hesitantes em marcar esta lagoa, por existirem muitos comentários menos positivos no Google e redes do género - diziam que era pequena, que a água cheirava mal (pois, sendo termal, é normal...), que a envolvência não era bonita, etc. A verdade é que, tendo em conta o preço, me pareceu óptimamente equipada e ideal para um banho calmo. Só tem uma "piscina", a água é transparente e não tem qualquer tipo de serviço extra: não há esfoliações, bar dentro da lagoa (graças a Deus!) ou circuito de spa. É simples, mas com um preço justo. Diria que se o vosso budget for bastante curto mas quiserem ter uma experiência termal, este é o sítio certo; se, por outro lado, quiserem visitar mais uma lagoa para além das mais famosas e ficarem só pelo lado sul da ilha, esta também é uma boa hipótese.

Depois, já relaxados e quentinhos, fomos jantar ao restaurante mais popular de Selfoss. Aliás, chamar restaurante ao Pylsuvagninn é um pouco exagerado - digamos que é uma roulote já com um upgrade (mas já com direito a drive-through e tudo!). Pylsuvagninn é a barraca de cachorros quentes mais popular do pedaço - e, segundo o meu marido (eu não como cachorros), a fama faz jus à experiência. Estava um dia lindo - sol e um céu limpo, de um azul perfeito - e comemos numa das mesas que têm no exterior, mesmo ao lado do rio Olfusa. 

 

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Com o mais popular cachorro de Selfoss, o do Pylsuvagninn 

 

Antes de irmos para o nosso apartamento ainda demos uma voltinha pelo centro da cidade, que está em obras mas já dispõe de lugares renovados e bem agradáveis para se passar um final da tarde. Como "saltamos" Reykjavik, este foi o nosso primeiro contacto com uma cidade - e ficamos logo encantados e espantados com o estilo das casas, maioritariamente térreas e pequenas, com um ar muito americano, tanto na sua construção como na organização do próprio bairro. 

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Centro de Selfoss

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Selfoss

 

Depois de umas compras para o pequeno-almoço do dia seguinte, fomos para o nosso apartamento. Ficamos no South Central Apartments e foi dos nossos sítios preferidos - tem uma relação preço/qualidade incrível, o quarto é muito espaçoso e harmonioso, minimalista mas bem decorado e confortável, com tudo aquilo que é preciso. Tem uma pequena cozinha equipada e um canto de leitura, para além do óptimo espaço de cama e um quarto-de-banho simpático. São apartamentos praticamente à face da estrada que lembram um pouco aqueles motéis americanos que aparecem nos filmes... e nós adorámos! Para além disso era também em regime self check-in e check-out, o que nesta viagem nos facilitou sempre a vida, pois nunca sabíamos ao certo as horas a que chegaríamos aos sítios, sendo também uma óptima forma de poupar tempo, sem necessidade de fazer conversa ou esperar por questões administrativas.

A melhor parte? É que era um apartamento térreo, com uma espécie de quintal atrás. E porque é que isto nos foi útil? Porque eram oito da noite, o sol ainda em pleno no céu, e começámos a receber alertas sobre a possibilidade de se conseguirem ver auroras boreais. O problema? Estávamos cansados, precisávamos de dormir e nunca mais anoitecia. Nove horas. Dez. Onze. Meia-noite. Eu deixei de resistir ao sono - pus um alarme para a uma da manhã e levantar-me-ia caso se verificasse o milagre. Mas o Miguel não vergou: ficou à janela e, pouco antes da uma, manda um grito que quase me matou do coração. Do nada manda-me vestir, começa a enchouriçar-se atabalhoadamente e, sem eu perceber, já estava lá fora. Eu, com medo que as luzes fugissem, ainda vou meia destapada para o exterior e ainda consigo ter um vislumbre daquele fenómeno, mas rapidamente tive de me retirar para o interior do apartamento para me vestir a rigor. O frio não brinca quando a noite se põe. Depois de várias camadas de roupa, kispo, gola, gorro, luvas e botas (este despe-veste é uma arte que, no fim da viagem, já aperfeiçoámos quase até à perfeição), lá fui eu. Parecíamos duas crianças em êxtase. Corria-nos um arrepio na espinha, por sabermos que estávamos a viver uma noite única na nossa história. Por estarmos a riscar mais uma coisa da nossa bucket list. Por estarmos a viver um sonho.

Tirámos quantas fotos quanto possível e, cerca de uma hora depois, tivemos de voltar para dentro: o frio era tanto que não aguentámos. Sabíamos, também, que no dia seguinte iríamos precisar de energia, pelo que não podíamos estender muito a noite. Mas a verdade é que não foi fácil relaxar depois desta experiência - isto porque apesar do frio e do cansaço serem muitos, sentíamos que lá fora estava ainda a decorrer um espetáculo único e que o estávamos a perder antes dele ter chegado ao fim; e depois porque o coração não acalmava: tivemos sorte, muita sorte, por ver auroras boreais nesta altura do ano. Fomos uns sortudos e somos, no geral, uns afortunados por ter tido a oportunidade de ver um fenómeno destes. É daqueles que nos arrebata, que apetece chorar de tão incrível e mágico. É o tipo de memórias que ficam no nosso coração para sempre - e que tornará esta viagem eternamente especial.

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Islandia_AbrilMaio2024-178.jpgIslandia_AbrilMaio2024-182.jpg

Auroras boreais em Selfoss

 

Dica do Dia: sobre alugar carro. Estudem bem as companhias de aluguer - não se fiquem pelas clássicas Avis ou Hertz, que têm muitas vezes preços menos competitivos. Nós alugamos o nosso carro na Lotus (a outra possibilidade era a Blue) e ficamos bastante satisfeitos com o serviço e com o nosso Dacia Duster, que serviu perfeitamente a sua função nos mais de 2500 km que fizemos nestes 10 dias. Se forem nos meses de inverno, atenção aos pneus! E se pretendem ir a todas as cascatas que tenho no meu roteiro, é essencial alugarem um 4x4 para não correrem riscos. Por falar em riscos: os seguros são caríssimos, quase mais que o próprio carro - mas mais vale prevenir que remediar. No nosso caso, como fizemos a cobertura máxima, tivemos direito a um wi-fi portátil, que nos deu imenso jeito durante toda a viagem. Apesar de não se pagar roaming na Islândia, nem sempre a rede é famosa fora da capital - e foi pelo wi-fi que estivemos sempre contactáveis e com o maps em movimento!

 

Curiosidade do Dia: na Islândia a moeda viva é coisa do passado. Foi a primeira vez na minha vida que não troquei dinheiro numa viagem - e a verdade é que nunca mo pediram. Quando fazem uma compra a primeira coisa que vos indicam é o terminal de multibanco. Isto facilita e propicia outra característica deste país: a impessoalidade de muitos serviços. Nas bombas de gasolina não há pessoas nas caixas, é tudo feito de modo automático; todos os supermercados, independentemente do tamanho, têm caixas de self-service; e poucos foram os hotéis em que fizemos um check-in clássico, numa receção - em alguns deles nunca chegamos sequer a ver um funcionário! Por isso poupem o dinheiro do câmbio e façam uma conta na Revolut - é a forma mais fácil de fazer pagamentos, de controlar gastos através da sua aplicação e, acima de tudo, em poupar nas taxas e taxinhas que os nossos bancos adoram cobrar. Façam isso desde o primeiro momento em que comecem a tratar da vossa viagem - desde voos até às marcações de tours ou entradas em lagoas.

13
Mai24

Dez dias na Islândia

Os mais distraídos poderão não se ter apercebido - mas quem me segue no instagram sabe que fiz, no fim de Abril e início de Maio, uma das minhas viagens de sonho. Fui, finalmente, à Islândia - e foi tão bom e fomos mesmo bafejados pela sorte! Tivemos direito ao pack completo: um vulcão em atividade, gelo quanto baste, neve a cair nos momentos certos, um sol maravilhoso durante grande parte do tempo - de tal forma que fiquei morena e cheia de sardas na cara - e... auroras boreais. A Islândia foi muito simpática connosco, principalmente tendo em conta a altura do ano em que lá fomos - a passagem do inverno para o verão, com dias já bem compridos. Conseguimos não apanhar um pingo de chuva durante as muitas caminhadas que fizemos,  vimos auroras apesar de praticamente já não anoitecer e, apesar de tudo, as temperaturas foram bastante toleráveis. 

Para além de ter sido a primeira vez que fui para um destino frio, esta foi também a minha estreia numa road trip... e tenho muito, muito para contar! Ia com vários receios, principalmente dada a extensão do nosso itinerário, mas tudo acabou por correr às mil maravilhas. É preciso ter arcaboiço, capacidade de gerir o nosso tempo e prioridades e, claro, saber lidar com os imprevistos; se levarem isso tudo com leveza, a Islândia tem tudo para ser uma viagem de sonho.

Foram dez dias e mais de dois mil e quinhentos quilómetros percorridos de carro - para além da média de 14km que andamos diariamente, assim como as centenas de escadas que subimos num país que, sendo montanhoso, nos obriga a trabalhar os glúteos de forma ávida (e dolorosa). Não admira, por isso, que tenha tanto para vos dizer. Mas queria fazê-lo da melhor forma e decidi que este será o "post macro", sendo que nos próximos textos vos guiarei numa viagem até ao norte da Europa, aos sítios que percorri em cada um dos dias, discriminando também os locais onde comi e onde fiquei. Sei que, para quem quiser fazer esta viagem no futuro, esta poderá ser uma boa ferramenta - isto porque gastei cerca de doze horas para concluir o meu roteiro. Para todos os outros, que não queiram saber tão extensiva e detalhadamente como tudo decorreu, farei, no final, um resumo e um best of.

Apresento, abaixo, o nosso roteiro simplificado - no mapa vêem apenas a "ring road", a estrada que  percorre toda a ilha (a N1). Seriam, assim, cerca de 1500km - nós percorremos mais mil por fazermos desvios (alguns generosos) para vermos locais que saíam da estrada principal. 

mapa geral.PNG

 

DIA 1 (verde) - De Reykjavik a Selfoss

DIA 2 (rosa) - De Selfoss a Vik

DIA 3 (laranja) - De Vik a Hofn

DIA 4 (azul) - De Hofn a Egilsstadir

DIA 5 (amarelo) - de Egilsstadir ao Lake Myvatn

DIA 6 (roxo) - do Lake Myvatn a Akureyri

DIA 7 (azul bebé) - de Akureyri a Stykkishólmur

DIA 8 (vermelho) - de Stykkishólmur a Reykjavik

DIA 9 - Reykjavik

 

Algumas notas antes de partirmos "de viagem": conforme explicarei, praticamente nenhuma atração natural é paga na Islândia. No entanto, os parques são - e são muito caros (como tudo, na verdade)! Para além disso, como já brinquei acima, vários dos acessos às cascatas e desfiladeiros não são particularmente fáceis... Por isso decidi fazer duas escalas, que no futuro usarei para avaliar os locais onde fomos: a relação preço/qualidade (Av. P/Q) e a relação esforço/qualidade (Av. E/Q). Isto porquê? Porque é praticamente inevitável fazermos escolhas quando programamos uma viagem destas; há tanto por onde escolher e que ver - e nós queremos sempre ver tudo e fazer o maior número de coisas possíveis - que nem sempre é fácil decidir. Nós fomos dez dias, mas há quem faça esta viagem em cinco - e, nesse caso, priorizar aquilo que gostamos é essencial. Daí ter construído esta escala - é, obviamente, feita com base na minha opinião e nem todos dirão o mesmo que eu, mas espero que seja uma ajuda para quem tem de ser mais criterioso na escolha dos locais que visita.

Por fim, dizer que disponibilizarei o meu roteiro a todos os que quiserem. Deixem o vosso email nos comentários ou enviem-me um email para paranaoficaremcoisaspordizer@gmail.com e eu farei chegar cerca de uma dezena de páginas com muitos nomes estranhos e impronunciáveis mas que, prometo, são dos mais bonitos que a natureza produziu.

 

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12
Abr24

Chávena de Letras: "A Gorda"

gorda.jpg

Decidi ler este livro depois de ter ouvido Isabela Figueiredo no podcast da Mariana Alvim, o "Vale a Pena". Simpatizei com a voz da escritora, gostei da forma como falou; já conhecia o livro, mas tinha medo de ter uma escrita demasiado intrincada. Ouvir aquele episódio foi a força que precisava para me arriscar na aventura de conhecer mais uma autora portuguesa.

Confesso que foi difícil avaliar "A Gorda"; a avaliação que será mais fidedigna são provavelmente umas 3.5 estrelas. Queria ter gostado mais deste livro, mas achei a história algo confusa, com uma narrativa caótica do ponto de vista de organização. Na verdade também não adorei a linguagem em alguns pontos, embora Isabela Figueiredo tenha no geral uma óptima escrita, algo poética até - mas, de vez em quando, dá-lhe umas "facadas" de calão que me apanharam desprevenida e que eu não achei particular graça.

O mote do livro é bom - ser gorda não é só uma questão de balança. Molda a vida, a forma de estar e de ser, muitas vezes de forma profunda; as inseguranças estão profundamente enraizadas, a ideia de não merecer mais. Esse retrato é bem feito pela autora, nomeadamente na relação (para mim, tóxica) que Maria Luísa tem com o seu namorado de longa data (e aparentemente amor para a vida toda) assim como uma dependência algo excessiva dos pais. Isto não é retratado como uma coisa má - fica encarregue ao leitor fazer esta interpretação. E eu vou mais longe: não gostei nada da leviandade com que foi retratada aquilo que para mim é uma violação.

Também não compreendi a divisão dos capítulos nem a relação com as divisões da casa - por mais que me esforce não chego lá.

Há, por isso, demasiadas pontas soltas e muitos detalhes que se tornam "pormaiores" quando vistos num todo. Foi um livro que ficou aquém das minhas expectativas.

07
Abr24

Cinco anos e um beijo depois

Hoje é um dia importante para mim. É, talvez, o aniversário mais significativo do ano (não desdenhando todos os outros) - acima de tudo porque fui eu que tive de fazer por ele acontecer. Porque foi dos passos mais difíceis da minha vida - mas também aquele que mais retorno me deu. Faço hoje cinco anos de namoro com o Miguel e esta é uma data que não posso deixar passar. Posso ignorar as bodas de casamento e até fingir que os anos não passam por mim - mas a grandiosidade que daquele passo tem de ser de alguma forma celebrado. Porque mudou - MESMO - a minha vida.

Eu e o Miguel começamos a namorar quando o mundo estava a gastar os seus últimos cartuxos de paz dos tempos modernos. Pouco depois... Covid. Não tivemos direito a grandes saídas, idas ao cinema ou passeios: os shoppings estavam fechados, os bancos de jardim interditos e a passagem entre concelhos proibída. Ficamos em casa, a conhecermo-nos um ao outro, em conversas infinitas; demos passeio pela nossa história, sobre o nosso passado e as ideias de futuro; os filmes eram aqueles que fazíamos em conjunto sobre aquilo que faríamos quando o mundo voltasse ao normal. Quando voltou, foi sol de pouca dura: guerra na Europa e depois no médio-oriente. Sabe-se lá o que mais virá por aí... O clima é de instabilidade constante. Entretanto, recentemente, foi o meu mundo que ficou virado do avesso.

E o que é que todos estes eventos têm em comum? É que o Miguel está lá, sempre a meu lado. É a minha pedra, o meu porto seguro. A forma como se mantém comigo nestes últimos meses, como me mantém de pé - e, na verdade, como me apoia em tudo na vida - é digno de um herói. É a pessoa mais empática que conheço, calçando os meus sapatos como nunca vi ninguém fazer - muito embora calcemos números diferentes, portanto imagine-se o esforço! Tem uma capacidade única para me acalmar. É gentil, trabalhador, honesto - e é a minha pessoa preferida no mundo. O momento em que chega a casa é o mais alegre do meu dia, e o que sai o mais triste. Anseio diariamente pelo momento em que me encosto no seu ombro e que sei que estou em casa.

O facto de hoje estarmos a festejar o nosso quinto aniversário é a prova de que só são precisos 20 segundos de coragem para mudar o mundo - nem que seja o nosso mundo. O beijinho que lhe dei nesta data, há cinco anos, foi pequenino mas inversamente proporcional ao esforço que tive de ter para fazer para conseguir agir. Foi, provavelmete, o momento mais corajoso da minha vida. E sem dúvida aquele que teve mais impacto.

Hoje, pelas circunstâncias atípicas que em que vivemos, não lhe consegui comprar uma prenda. Mas quis que ele soubesse que é, todos os dias, o maior presente que alguma vez recebi. Digo-o muitas vezes: não faz sentido jogar no euromilhões, pois era sorte a mais ele sair-me duas vezes. O melhor prémio andará sempre de mãos dadas comigo. 

 

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04
Abr24

Quero sair da montanha russa

Estou viva. Estamos todos vivos - e é assim que planeio que estejamos por muitos mais anos. 

De todas as parecenças que não me importaria de ter com a família real, está é a última que colocaria na lista: dois casos de cancro em dois meses, dentro do meu núcleo familiar.

Sem sabermos, em Dezembro, entramos numa montanha russa que ainda não teve fim - e a luz não aparece sequer ao fundo do túnel. Sempre que achamos que o pior loop já passou, vem outra descida abrupta que nos leva o estômago para uma outra parte do corpo onde este não devia estar. A pior parte? É que nem sempre temos cinto de segurança. Já perdi a conta às vezes em que senti que estava a sair da cadeira, a perna já meia de fora e o rabo a escorregar - ou, num cenário ainda mais negro, que estávamos mesmo todos a descarrilar. Não chegamos ainda à parte do vale, em que podemos respirar de alívio porque acabou, sabendo que estamos prestes a sair daquele suplício, daquele banco desconfortável, daqueles sustos consecutivos. Eu já não peço para sair da montanha, porque sei que nalgum dos casos não vamos ter alternativa - só desejo que o caminho esteja limpo e com a manutenção em dia, que a montanha russa seja daqueles de nível baixinho e sem grande adrenalina. Já estou farta de paragens abruptas a olhar para o abismo; não quero ficar de cabeça para o ar nem com o cinto mal posto. Não podendo sair deste parque de diversões do mal, que a viagem seja no equipamento mais calmo.

Porque a verdade é que uma parte de nós parte-se neste processo e eu acredito que não a recuperamos. É como as Horcroxes do Voldemort: pedacinhos da nossa alma que, neste caso, repartimos sem querer e que ficam algures, em alguém ou presos a momentos-chave onde não temos sequer força ou vontade de regressar. Não há nada neste processe que nos acrescente - só nos retira. Não contam os conhecimentos que adquirimos ao longo do processo, a resiliência que construímos ou a força que percebemos que temos. Pondo na balança, não há forma de sairmos a ganhar, porque a memoria não se apaga, a alma não se reconstrói e a dor dificilmente se transforma em alegria. É um caminho de uma só via em que a balança está viciada.

Podia dizer que, com isto tudo, ganhamos perspectiva. Que percebemos que a vida é para ser vivida - e rapidamente, porque porra!, ela muda num estalar de dedos. Mas para além desta filosofia de vida colidir com tantas perspetivas mais cautelosas e conservadoras (com as quais, ainda por cima, eu me identifico), a questão maior que eu coloco é: como é que se vive e se aprecia a vida quando os nossos estão num sofrimento atroz? Como é que se enche a alma com coisas boas quando esta está partida, furada, em alguns dias feita em cacos? Como é que se criam objetivos quando a estrutura base da nossa vida está constantemente a ser abanada, qual sismo intenso e cheio de réplicas? A conciliação da urgência de viver com a inevitabilidade de sofrer é muito dura. Mais uma das coisas duríssimas com que temos de lidar quando entramos neste caminho com as pessoas que amamos.

Enfim. Quem me dera que chegasse ao fim, esta montanha russa. Quem me dera aprender a gozar a paisagem, ainda que a carruagem siga a grande velocidade. Aliás, mais: quem me dera que pudéssemos todos sair e incendiar o parque todo. No final de contas, sempre disse que não gostava de parques de diversões.

06
Fev24

Chávena de Letras: "As Coisas Que Faltam"

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Eu gostava muito de ter gostado mais deste livro - mas não consegui. Queria gostar porque sendo uma autora recente, queria muito apoiar este pontapé de saída; queria porque sinto que "conheço" a Rita dos podcasts e, de certa forma, desenvolvemos uma relação emocional e queremos fechar um círculo perfeito. E continuo a apreciar a força que é preciso ter para se publicar em Portugal e a capacidade que é preciso para se escrever um livro. Acima de tudo, acredito que a prática conduz à perfeição - e que este é um início para algo ainda melhor.

Não que este tenha sido mau, que não foi. Mas, primeiro, talvez este não seja o meu tipo de livro - isto não é um romance, é uma narrativa de personagem (?), uma história centrada na vida da Ana Luís, em que é ela o objeto principal da história; mas, acima de tudo, sinto que não me consegui relacionar com a história nem ambicionar continuar a ler. Não me é fácil encontrar adjetivos que classifiquem a esta personagem principal, mas talvez "desenxabida" sirva o propósito; ou amorfa, talvez. O que não tem nada de mal, mas não é um tipo de pessoa que me puxe - e, talvez por isso, também a obra não me tenha agarrado. Sinto que a vida passava por ela e que, apesar de haver ambição, não havia a iniciativa nem a garra para fazer mudar o rumo da sua própria história.

Percebo o moto da narrativa e, quer seja intencional ou não, acho que o vazio que a personagem principal sente é de facto refletido no livro. Falta algo. Há, de facto, "Coisas que Faltam" neste livro - mas para mim são detalhes importantes, que deixam mais que o dissabor da personagem na boca. Acho que é possível não adorar uma personagem mas gostar do livro - e não foi bem o caso.

A escrita da Rita da Nova é corrida, simples e sem grandes floreados, com alguns detalhes de que gostei e outros que nem tanto; às vezes era corriqueira demais, outras meio poética (exemplo: "Engraçado como o vazio pode ser tão pesado. Achar-se-ia que não, já que o vazio é só ar, e o ar é só nada, e o nada não existe, logo não pesa - mas só quem se habituou a esperar sabe reconhecer essa pressão, que nos impede de respirar como deve ser"). Isto na voz da mesma personagem, que no meio disto tudo era pintalgada por uma voz um pouco infantil, uma mistura que me pareceu mal envolvida e trabalhada (exemplo: "Seria incapaz de imaginar o meu pai com a minha mãe, a ideia deixava-me ligeiramente enojada, como se eles fossem feitos de ingredientes diferentes, daqueles que não se deve misturar porque dão dores de barriga") . A parte final, das cartas, sofre o mesmo problema - aquela linguagem não me pareceu nada "casar" com aquilo que conhecíamos da mãe até então.

 

Destaque muitíssimo positivo para a capa, que está muito bonita e trabalhada até em relevo - mas que, na minha opinião, não casa com o interior.

De qualquer das formas, é uma autora que quero manter debaixo de olho.

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