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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

06
Fev24

Chávena de Letras: "As Coisas Que Faltam"

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Eu gostava muito de ter gostado mais deste livro - mas não consegui. Queria gostar porque sendo uma autora recente, queria muito apoiar este pontapé de saída; queria porque sinto que "conheço" a Rita dos podcasts e, de certa forma, desenvolvemos uma relação emocional e queremos fechar um círculo perfeito. E continuo a apreciar a força que é preciso ter para se publicar em Portugal e a capacidade que é preciso para se escrever um livro. Acima de tudo, acredito que a prática conduz à perfeição - e que este é um início para algo ainda melhor.

Não que este tenha sido mau, que não foi. Mas, primeiro, talvez este não seja o meu tipo de livro - isto não é um romance, é uma narrativa de personagem (?), uma história centrada na vida da Ana Luís, em que é ela o objeto principal da história; mas, acima de tudo, sinto que não me consegui relacionar com a história nem ambicionar continuar a ler. Não me é fácil encontrar adjetivos que classifiquem a esta personagem principal, mas talvez "desenxabida" sirva o propósito; ou amorfa, talvez. O que não tem nada de mal, mas não é um tipo de pessoa que me puxe - e, talvez por isso, também a obra não me tenha agarrado. Sinto que a vida passava por ela e que, apesar de haver ambição, não havia a iniciativa nem a garra para fazer mudar o rumo da sua própria história.

Percebo o moto da narrativa e, quer seja intencional ou não, acho que o vazio que a personagem principal sente é de facto refletido no livro. Falta algo. Há, de facto, "Coisas que Faltam" neste livro - mas para mim são detalhes importantes, que deixam mais que o dissabor da personagem na boca. Acho que é possível não adorar uma personagem mas gostar do livro - e não foi bem o caso.

A escrita da Rita da Nova é corrida, simples e sem grandes floreados, com alguns detalhes de que gostei e outros que nem tanto; às vezes era corriqueira demais, outras meio poética (exemplo: "Engraçado como o vazio pode ser tão pesado. Achar-se-ia que não, já que o vazio é só ar, e o ar é só nada, e o nada não existe, logo não pesa - mas só quem se habituou a esperar sabe reconhecer essa pressão, que nos impede de respirar como deve ser"). Isto na voz da mesma personagem, que no meio disto tudo era pintalgada por uma voz um pouco infantil, uma mistura que me pareceu mal envolvida e trabalhada (exemplo: "Seria incapaz de imaginar o meu pai com a minha mãe, a ideia deixava-me ligeiramente enojada, como se eles fossem feitos de ingredientes diferentes, daqueles que não se deve misturar porque dão dores de barriga") . A parte final, das cartas, sofre o mesmo problema - aquela linguagem não me pareceu nada "casar" com aquilo que conhecíamos da mãe até então.

 

Destaque muitíssimo positivo para a capa, que está muito bonita e trabalhada até em relevo - mas que, na minha opinião, não casa com o interior.

De qualquer das formas, é uma autora que quero manter debaixo de olho.

29
Jan24

Crónicas do SNS 1#

As coisas que faltam

Assisti sempre de longe aos dramas da saúde pública. Saudável, felizmente, tenho passado pelos pingos da chuva sem ter problemas de maior. Uma dor aqui, um mau estar ali, duas operações pelo meio, mas nada de tão sério que me obrigasse a recorrer aos hospitais de peso do nosso país. Para além disso, tenho a sorte de poucos: de ter acesso ao SNS mas de, até agora, não precisar dele. Desde que me lembro de ser eu que fujo de médicos e hospitais como o diabo foge da cruz, interagindo o mínimo e indispensável com esta classe e com estes lugares, a bem da minha saúde mental. Mentiria se dissesse que esta minha fobia - que em tempos teve direito a muitos ataques de pânico - não tem vindo a suavizar com o tempo. Hoje escrevo na sala de espera de um hospital - e ainda que não seja de ânimo de leve que o faço, as mãos não tremem, a garganta não custa a engolir e não tomei nenhum ansiolítico antes de vir. Em parte por não ser eu a visada de tantas vindas ao hospital - mas também porque, se não havia crescido até aqui, agora é hora de crescer.

Sendo novata nos corredores do hospital de São João, faço muitas perguntas, questiono tudo, olho com atenção para os detalhes na esperança de obter respostas, reparo nas pessoas e nos pormenores. E percebo que um hospital não é só um sítio triste por ter pessoas doentes, mas acima de tudo por ter pessoas desamparadas. Sozinhas. Porque se eu tenho algumas questões, elas têm muitas mais: não percebem o sistema de senhas, não sabem para onde ir, têm dificuldade em deslocar-se sozinhas até ao fundo do corredor fazer uma pergunta ao balcão onde, provavelmente, nem sequer terão resposta. A solidão, a velhice e a atrapalhação inerentes à idade misturadas com a tentativa meio frustrada de implementação das novas tecnologias é muito triste de se testemunhar. Faltam respostas - e exaspera-se por quem as dê.

As novas tecnologias vieram agilizar processos: é suposto serem mais fáceis, mais ágeis, mais rápidas. Mas isto parte do pressuposto de que 1) se sabe funcionar com elas e de que 2) elas trabalham convenientemente.

O sistema de admissão é feito, hoje em dia, em máquinas. Das seis que lá estão, julgo que só duas funcionam. Das duas que trabalham, poucos sabem mexer com elas - ou então poucos são aqueles com quem elas gostam de trabalhar. Às oito da manhã, dois voluntários vestem a bata amarela que os caracteriza e tentam ajudar quem chega; escrevi "tentam" pois, apesar da hora madrugadora, já exasperam com a falta de resposta das máquinas, que não permitem os doentes fazerem a admissão, mandando-os para o balcão onde estão zero funcionários e oitenta pessoas para serem atendidas. Quando questionado sobre a hora de abertura do balcão, um funcionário returque: "acho que é às oito, mas vá lá perguntar". Só faltava tirar senha. Seria a número 81, mas sem saber a que horas o balcão iria abrir. 

No ecrã das chamadas às consultas aparece uma mensagem de erro. Em dúvida, quando perguntamos se o ecrã está a atualizar devidamente, dada a mensagem que aparece, dizem-nos que "é assim". Na verdade, o facto de não estar pintado de negro - como tantos outros espalhados por todo o hospital - já é uma sorte.

No meio disto tudo, os pedidos de ajuda são sucessivos. Acredito que ao fim de umas horas de trabalho, de tão repetidas as questões, as respostas já não saiam com um sorriso de bónus. Mas a verdade é que as pessoas com consultas às 17h não têm de ser mais aptas ou informadas para as tecnologias do que aquelas que as têm às 8h da manhã, em que a paciência do pessoal do balcão ainda está renovada após umas horas de sono. O resultado disto são respostas ásperas, rudes, muitas vezes a roçar o mal-educado - e assistir a isso é duro, vendo as pessoas a sair guichê ainda mais trôpegas do que lá chegaram. 

Sinto que falta o básico nos nossos hospitais. É como se tivessemos uma pirâmide em que a base está assente em alicerces de palhota. Não falta eficácia, não falta pessoal qualificado, não faltam máquinas, não falta competência nas pessoas de quem está é realmente necessária: isso, apesar de essencial e eventualmente desfalcado e com muitas falhas, está lá e funciona. Connosco tem funcionado. Mas falta a parte simples: faltam placas informativas atualizadas, faltam cartas que elucidem mais e confundam menos, falta calor nos corredores, falta cimento em alguns tetos, faltam monitores e máquinas funcionais, faltam mapas do hospital, falta... tanta coisa. 

Diria que no SNS falta tudo, menos aquilo que é realmente importante. O que podia ser o suficiente, se o menos importante não fosse aquilo que faz um hospital - e um sistema nacional de saúde - andar para a frente.

21
Jan24

Chávena de Letras: "Ontem à noite no Telegraph Club"

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Este foi um livro em que me custou um bocadinho a entrar - não mergulhei imediatamente na narrativa nem o livro me agarrou de início. Foi pouco a pouco que comecei a perceber a Lilly e onde a obra me levava - e no fim já seguia com a onda, emocionada e a vibrar com a história como se fosse minha.

A meio do livro fui ler sobre a autora, porque pensei: "é impossível que quem tenha escrito isto não tenha estado na pele da personagem principal". Acertei. A dor presente no livro, a incerteza, a confusão, o sentimento de que algo está certo mas que para os outros está errado... É um livro que ensina a ter empatia por todos os que nascem a gostar do sexo "errado"; porque se hoje não é um caminho fácil, antes era um caminho dificílimo, que implicava escolhas terríveis. Neste "Ontem à noite no Telegraph Club", para além da questão da sexualidade, há ainda o factor da raça: Lilly é chinesa e vive numa América dos anos 50, cada vez mais hostil para com os asiáticos, numa época em que a China de transformava numa potência comunista e oposta à visão americana. Juntar "lésbica" ao rol de entraves que um chinês tinha na altura era uma escolha que só os mais arrojados se atreveriam a tentar - mas Lilly era uma "chinesa bem-comportada". Será que as duas coisas são de convivência possível? Será que não é redutor sermos só uma coisa, termos uma faceta?

Sobre a obra: adorei o facto do romance ser linear, não ter triângulos ou outros fatores típicos de entraves neste tipo de narrativas mais jovem. Aqui, o grande obstáculo era o contexto - e esse já é mais do que dissuador para todos os envolvidos - a autora foi inteligente por perceber isso. Não percebi a necessidade de determinados flashbacks da família de Lilly, a não ser a oportunidade de entrarmos num contexto mais completo. E Shirley... É uma red-flag desde o início! Que vontade tinha de a esganar a ela e a Lilly por se deixar levar... Mas enfim, tudo encontra o seu caminho.

Gostei muito. Acima de tudo pela empatia que cria com todas as pessoas que, por gostarem de alguém que não era suposto, têm de sair de um armário cuja porta tem definitivamente muitos espinhos.

14
Nov23

Chávena de Letras: "No Início eram Dez"

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Creio que este foi o segundo livro de li de Agatha Christie - mas o primeiro não me deixou marcas. Este, que não tem nenhuma das suas personagens mais icónicas, talvez deixe - li-o num ápice, como há muito tempo não me lembrava de ler um livro. É viciante, praticamente impossível de o deixar a meio. Óptimo para alguém que esteja a passar por um "reading slump" porque é daquelas obras que nos agarra do início ao fim, com personagens que nos despertam emoções diversas e uma escrita coloquial mas de tão fácil leitura que até parece ser uma coisa fácil de se fazer.

Há, de facto, várias razões para lermos Agatha Christie passado todos estes anos: porque mentes como a dele há muito poucas. É um génio do thriller, ainda que os seus livros consigam não ser pesados nem macabros como os thrillers contemporâneos que agora se vêem nas mostras das livrarias.

Aconselho muito.

26
Out23

Chávena de Letras: "Talvez Devesses Falar com Alguém"

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Este livro levantou-me, de novo, um problema com os audiobooks: há partes que eu gosto tanto, tanto que tenho pena de não conseguir sublinhar, apontar, rabiscar e levar comigo para a vida.

Para alguém que, como eu, é seguido há dois anos por um terapeuta e conhece os métodos e os meandros deste mundo, acho que este livro consegue ser ainda melhor do que para as outras pessoas que nunca tiveram esta experiência. Como é que o terapeuta nos vê, a nós, enquanto pacientes? Como é que se depuram as tantas coisas más que eles ouvem, como é que se lida com tamanha tristeza dos outros? É algo que me questiono com frequência e que Lori Gottlieb descreve um pouquinho ao longo destes capítulos.

No livro ela retrata alguns pacientes com quem lidou mas, acima de tudo, fala sobre si própria - como lidar com os outros quando nós próprios temos problemas. E não somos todos assim - mesmo quando a nossa profissão não implica ouvir nem tentar ajudar a resolver problemas alheios?

Ver o ponto de vista de um terapeuta a fazer terapia é muito interessante. Gostei imenso deste livro e aconselho-o a todos - quer sejam ou não novos neste mundo, quer achem que precisam de ajuda, quer não.

07
Out23

Chávena de Letras: "Onde cantam os grilos"

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Estou muito, muito contente por ter encontrado uma autora portuguesa cuja escrita eu tenha realmente gostado. Maria Isaac não escreve só bem; tem uma escrita desempoeirada, comum mas bonita; é uma escrita com os pés assentes na terra, humilde sem ser vulgar. Sinto que é raro conseguir envolver-me e relacionar-me com autores nativos de Portugal por acharem (quase) sempre que têm de redigir de forma pomposa e palavras caras para provarem o seu valor e conhecimentos. Adorei que a história decorresse numa família portuguesa, numa vila portuguesa, com personagens com nomes portugueses; gostei imenso do retratar das várias personagens, desde a forma de falar das pessoas com menos instrução, passando pela clara distinção de classes, tão típica na nossa sociedade mas retratada de uma forma muito real e não-destrutiva ou crítica (o que é raro, tão raro!). Sinto que tudo faz sentido, que é de uma fluidez tal que parece impossível aquilo não ser uma história real. E isso, penso eu, é dos maiores elogios que se podem dar a um autor.

Porquê as quatro estrelas? Porque a narrativa foi a única coisa que não adorei. Já sabíamos, através de vários avisos que se vai lendo ao longo do livro, que alguma coisa não vai correr muito bem na história dos Vaz; mas depois de tanta tensão e de construir todo um mundo à volta da herdade e seus protagonistas, senti que o final foi apressado e abrupto. O fim, que para mim foi surpreendente, podia até ser o mesmo - mas faltou-lhe uma rampa de lançamento final para ser perfeito. O que, ainda assim, não tira o mérito a Maria Isaac, cujos próximos livros irei ler com toda a certeza.

Ah, não esquecendo: bonito título, linda capa!

14
Set23

Chávena de Letras: "O que procuras está na biblioteca"

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Confesso que não consigo perceber a classificação média de 4 estrelas a este livro no Goodreads. Atenção: o livro não é péssimo. Seria óptimo se fosse para crianças ou pré-adolescestes. Sendo para adultos, acho-o com uma linguagem extremamente básica, com estruturas frásicas dignas de primeiro ciclo e com lições de moral simples. São frases e parágrafos curtos, ideias básicas, onde há pouco por onde puxar da concentração ou pelo vocabulário - não sei até que ponto a tradução do japonês poderá ter culpa, mas a verdade é que achei um livro superficial em todos os níveis.

Tratam-se de cinco short-stories cuja premissa é sempre a mesma: alguém, num determinado contexto, precisa de ajuda - e, de uma forma ou de outra, acabam na biblioteca municipal, nas mãos da bibliotecária e sua assistente, que de uma forma quase milagrosa lhes dão a conhecer livros que lhes abrem horizontes e permitem uma mudança de vida ou mentalidade. A ideia é gira, mas repetitiva - não era necessário que, em todos os contos, fossem sempre mencionadas as características físicas das personagens ou a descrição dos espaços. O local principal de todas as narrativas assim como as suas personagens são comuns a todas as histórias, sendo que alguns dos sujeitos principais das histórias se ligam de uns contos para os outros, o que é giro, mas não é suficiente.

A capa é muito gira e a ideia de se passar no Japão atraiu-me (quero sempre voltar aos sítios onde fui feliz), mas as expectativas não foram correspondidas.

26
Jul23

Chávena de Letras: "A Sombra do que fomos"

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Ainda não tenho a certeza se gosto ou não de Sepúlveda. Por um lado sinto-me atraída pela sua escrita, por outro não me agradam nunca os temas sobre a qual escreve - ou, pelo menos, a forma como os aborda. Esta leitura foi impulsionada pelo tamanho do livro - pequeno, perdido numa estante, ideal para pôr na mochila e levar para ler onde fosse necessário.

Este livro tem uma perspectiva interessante sobre o comunismo - um olhar sobre passado, saudosista, mas já manchado pela realidade dos acontecimentos que toldaram o sonho de tantos. Mas dirá muito mais aos sul americanos do que a nós, com muitas referências que nos passam ao lado por não fazerem parte da nossa história (a menos que sejamos especialistas no tema). Isto faz com que a capacidade de nos relacionarmos seja mais pequena, fazendo-nos perder aos poucos o interesse pela história, pois todos os relatos daqueles homens implicam um contexto que nos passa ao lado.

Vale por um par de histórias engraçadas que ilustram bem o comunismo e pela escrita do Sepúlveda. Não gostei da narrativa.

19
Mai23

Chávena de Letras: "All Aboard Family"

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Comprei este livro online, sem nunca o ter folheado; sigo há relativamente pouco tempo esta família e achei que o livro "viajaria" por alguns destinos que tinha na minha lista a curto prazo, pelo que achei que seria uma boa ajuda e que poderia seguir de guia. Não aconteceu.

A qualidade física da edição é evidente, entre papel e capa. Mas mal abri o livro e olhei para a fonte escolhida (e o tamanho e o espaçamento), não gostei do que vi; o meu primeiro pensamento, ainda que um pouco exagerado, foi que se parecia a um livro de crianças.

Não costumo ler livros sobre viagens (sejam crónicas ou relatos simples) - embora seja um estilo que aprecie e que tendo a fazer muito -, mas infelizmente não acho que este seja um bom exemplo. Primeiro porque, sendo um livro, esperava relatos extensos, descritivos, que acrescentassem algo; percebo que nas redes sociais não haja espaço para grandes escritos (nem paciência dos leitores) mas, com um livro, a predisposição é diferente - e, na minha perspectiva, era exigido mais. Nesta obra tudo fica pela rama. Faltam coisas simples - em que hotel ficaram, qual é o nome do santuário de elefantes a que foram, qual é a moeda usada em cada país, etc. Tanta coisa...

Para além disso, falta edição. É gritante a ausência da mão de um editor. Apontei uma frase como exemplo: " Numa pausa rápida para almoço, tínhamos um buffet com banana assado, vários tipos de arroz, vários tipos de carnes e peixes e vários tipos de molhos". Vários de vários de vários. Repetições constantes. Escrita muito pouco coloquial (com o uso excessivo da palavra "coisas", por exemplo - uma muleta que é muito usada na oralidade, mas que num livro devia ser poupada) e falhas ao nível da pontuação.

Acredito que esta família tenha muito para contar - e é óbvio que, com filhos às costas e um doente renal, são uma fonte de inspiração para muita gente, que faz de pequenos pormenores autênticos obstáculos, quando não tem de ser assim. Mas um livro não é um post no Instagram ou num blog; um livro pede mais. Ou, pelo menos, devia.

30
Abr23

E tu, já reclamaste do IVA hoje?

Não me considero reacionária ou contestatária por natureza; sou participativa e acho muito importante sê-lo, politicamente, para a saúde de qualquer país - mas também percebo quem não o faz, porque às vezes não há tempo e muito menos paciência para os joguinhos de que somos alvo (enquanto povo), não tendo outra alternativa senão estar constantemente a pensar mais além para perceber segundas (e terceiras e quartas e quintas) intenções e ler por entrelinhas as artimanhas em que aparentemente todos os políticos estão metidos. Não estou satisfeita com o estado em que vivemos mas não me queixo muito porque, honestamente, não tenho nenhuma sugestão melhor para dar; as eleições nunca caem para o lado que eu quero, mas tendo em conta que o respeito pela escolha do povo de uma nação é a base da democracia, deixo-me seguir e ir lidando com aquilo que, no meu ponto de vista, os outros mal escolheram. Isto para dizer que nunca fui a uma manifestação, nunca fiz greve (esta tinha graça!) nem parte de um protesto coletivo, mas que sempre fui votar e que em meios mais privados não deixo de dar a minha opinião (às vezes de uma forma demasiado aguerrida).

Mas passemos ao tema em concreto: confesso que quando Espanha baixou o IVA em alguns produtos eu achei uma boa ideia. E é, se fôssemos todos pessoas decentes e com boas bases, como aquelas que descrevi num texto que aqui deixei há dias. Mal se começou a aprofundar a ideia em Portugal eu vi logo que ia dar asneira e dei a mão à palmatória sobre as vezes em que, em algumas discussões, achei que esta seria uma boa medida. 

Entretanto a lei entrou em vigor. E eu repito que disse: não sou contestatária, mas sou participativa. E, acima de tudo, gosto muito de ser coerente - e de ver coerência. E transparência. E se eu tento sempre apoiar os pequenos negócios - porque eu própria tenho um -, esta medida veio mostrar a podridão em que a sociedade se encontra, dos grandes aos pequenos negociantes. Acho que os supermercados têm uma margem menor para trafulhices neste campo, porque o seu peso obriga a que as instituições responsáveis estejam de olho bem aberto para apregoar que aquilo que o governo decreta está a ser bem feito; mas nos pequenos negócios - padarias, mercearias e etc., o cheiro a podre sente-se de longe. 

Numa semana fiz duas reclamações - numa delas, ainda dei uma aula de matemática para explicar como se deviam fazer as contas ao preço de uma regueifa. Se caiu em saco roto? Certamente. Se eu senti que tinha de o fazer? Também. Porque comigo as cantigas que tenho ouvido não me enchem os ouvidos: "veja aqui no talão como diz «produto com isenção de IVA» ", "ah, mas o preço das coisas é que aumentou, isto não fica nada é para mim" e "o patrão disse que não valia a pena baixar o preço das carcaças, também é só um cêntimo...". 

Quando às vezes dizem que Portugal devia ser como a França, que sai em peso para a rua, causa motins e se faz ouvir a toda a força, eu não concordo. A pasmaceira deste cantinho à beira-mar plantado faz parte da nossa beleza e, acima de tudo, da segurança que sentimos quando pomos um pé fora de casa. E eu acredito que há ferramentas para nos fazermos ouvir - tanto aquelas previstas pela lei como algo tão simples como chamar o gerente da loja e explicar, educadamente, que não temos a palavra "burro" escrita na testa. Mas sei que não as usamos porque sentimos sempre que não vai valer a pena. Não vale a pena o tempo que perdemos, não vale a pena a revolta que sentimos no peito e aquela sensação que nos acompanha e potencialmente nos estraga o resto do dia.

E é por isso que eu, com 28 anos e à frente de uma empresa (e, por isso, obrigação de saber como funciona o IVA e de fazer as contas), sinto-me na obrigação moral de reclamar. Primeiro por ser nova, ter sangue na guelra e paciência, tempo e disposição para me chatear caso chegue a esse ponto; segundo por saber do que falo e poder fazer as contas à frente de quem me contestar. Este post serve como incentivo e pedido para fazerem o mesmo - para que, com 25, 50 ou 70 anos, se predisporem também a deixar um recado verbal ou uma nota no livro de reclamações; a informarem-se sobre o funcionamento basilar da nossa economia, porque vai certamente afetar o vosso bolso. Eu acredito que se formos muitos a sermos vocais sobre a nossa insatisfação e a demonstrar que sabemos do que falamos, alguma coisa há-de mudar. A união faz a força - mas não tem de ser na rua, nem tem de ser à força.

Acima de tudo, aquilo que eu sinto neste caso em particular não é só a nossa típica inércia às injustiças de que somos alvo, mas também falta de capacidade para perceber que estamos a ser enganados. Falta-nos literacia económica e financeira que possa alavancar bons e válidos argumentos. O IVA, o IRS e o funcionamento do estado em geral deviam ser algo ensinado nas escolas básicas - e como não o é, a maioria das pessoas fica-se pelo mero conhecimento da sigla. Acho que tudo isto é uma boa desculpa para pesquisarmos e percebermos o funcionamento das coisas - e, depois, predispormo-nos a ajudar na aplicação da lei. Porque isto, como quase tudo, sai do nosso bolso - e, como diz o ditado, "grão a grão enche a galinha o papo"; mas à mesma velocidade o nosso se esvazia. (E acreditem que o patrão da cadeia "O Molete", que diz que "não vale a pena baixar o preço da carcaça porque é só um cêntimo", está com o papo bem recheado).

Acho que o slogan do Compal Essencial, quando surgiu na televisão, atravessou gerações: "e tu, já comeste fruta hoje?". Apliquem-no ao IVA também. Façam as contas. Reclamem. No limite, se não o fizerem com a esperança de mudar alguma coisa, façam-no para demonstrar que neste jogo do Quem é Quem, não somos nós que temos "burro" escrito na testa, mas que facilmente damos a pista para que os outros descubram a sua: "ladrões".

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