Sobre a morte
Sempre disse, sem grandes problemas, que me considerava uma pessoa fria: muitos outros o confirmaram, ou em tema de conversa ou atirando-me à cara como se esse fosse o defeito mais grave à face da terra. A verdade é que concordo - sempre concordei, mas a minha frieza não é só dirigida aos outros, mas também a mim.
Isto pode chocar muita gente, mas há uns anos atrás costumava dizer que lá para os 70 anos me suicidaria e acabaria a vida quando eu queria, como eu queria, quando ainda estivesse lúcida o suficiente para isso. Ao contrário de muita gente, não desejo uma vida assim tão longa; não faço disto uma corrida, como se ser o mais velho do mundo constituísse uma grande vitória. Quero ir quando achar que é a minha hora, assim de um suspiro para o outro, sem grande dor, sem grandes trabalhos, sem grandes dramas. Mais do que a morte, magoa-me a aflige-me a dependência, a degradação, a demência. E, por tudo isto, e desde sempre (o que é curioso porque desde nova que o meu pensamento se mantém assim), que pus em questão a evolução da medicina, a esperança média de vida, como se tudo isto fosse um mar de rosas. Pode ficar bem nas estatísticas, mas morrer de velho não é assim tão fácil, e é tudo menos bonito.
A minha frieza volta à ordem do dia. Hoje desejei que, um dia que morra, seja rápido e que não seja demasiado tarde. E que esteja sozinha, à espera de ninguém, para que ninguém sorria para mim como se tudo estivesse bem e que, ao virar da esquina, não derrame lágrimas pela perda que se avizinha.