Narcos: o retrato de uma realidade que preferíamos nem conhecer
Tenho de confessar que foi um parto difícil. Comecei a ver Narcos há uns dois meses atrás: no início com uma frequência quase diária mas depois – e principalmente na terceira temporada – com cada vez mais espaçamento entre episódios. Ah, e com a Casa de Papel pelo meio – com tanto frenesim à volta da série espanhola, vi-me obrigada a trocar o sotaque colombiano pelo espanhol durante uns tempos, para matar a curiosidade.
Acho que uma coisa é consensual: esta não é uma série levezinha, para se ver à sexta-feira à noite e ficar bem-disposto. Pelo contrário – é violenta, é dura, é crua. Mas acho que também falo pela maioria quando digo que, dentro do género, é espetacular.
Gostei mais das duas primeiras temporadas do que da última – a constante procura pelo Pablo Escobar apimenta a coisa, enquanto que os últimos episódios, embora bons, não têm aquele je ne sais quoi. O facto de o Murphy - uma das personagens centrais nos dois primeiros conjuntos de episódios - desaparecer sem razão aparente não ajuda (trazia algo à série, embora o Peña tenha sido sempre aquele com maior jogo de cintura) mas acima de tudo acho que isso acontece porque, ao longo da série (e embora saibamos o seu desfecho, porque é algo biográfico), acabamos por simpatizar com o Pablo e pensar “como é que ele vai dar a volta desta vez?”. E sim, eu sei que isto é uma coisa horrível de se dizer. Pablo Escobar era um assassino da pior espécie, um terrorista (ainda nós não ouvíamos falar da Al-Qaeda e já ele tinha mandado um avião abaixo, entre tantos outros exemplos) da pior espécie. Mas, para mim, uma série é boa quando nos consegue pôr a gostar dos maus da fita. E embora aqui seja necessário ter em mente que aquele homem existiu mesmo e que fez mal a milhares de pessoas (milhões, se contarmos com as vidas arruinadas pela droga), é impossível não vibrar com toda aquela perseguição.
Por falar em bons e maus da fita, este é outro dos aspetos positivos da séries: nós percebemos que, em casos como estes, não há os bons. São todos maus; os objetivos é que são diferentes. Os meios que usam e a forma de agir é igual, porque chega-se a um ponto a que só lutando com as mesmas armas é que se consegue chegar a algum lado.
Tal como aconteceu com o The Crown, ainda que numa dimensão diferente, esta série deu-me uma perspetiva muito interessante e penso que muito mais realista daquilo que se vive nestes ambientes. Não imagino o que seja governar um país literalmente ingovernável, que quem manda é quem tem todo o dinheiro, comprando tudo, todos e qualquer sítio por onde passam. É incrível perceber as mudanças de planos e de “equipa” e, acima de tudo, o poderio que um grupo deste género pode ter numa ou mais sociedades. E também é interessante refletir sobre o pouco que nos chega acerca disto aqui na Europa, onde pessoas não são diariamente mortas às mãos de cartéis, que mais do que matar a sangue frio, o fazem de forma organizada e planeada, como qualquer bom terrorista.
A todos os que não sejam sensíveis (há muito sangue, muita violência e sexo quanto baste) e se sintam atraídos pelo tema, aconselho vivamente. Agora vou virar-me para o Orange is the New Black. Depois dou notícias ;)