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Entre Parêntesis

Tudo o que não digo em voz alta e mais umas tantas coisas.

31
Out17

Uma mensagem a todos os craftycóolicos* como eu

Tenho rotinas muito fixas de manhã, logo depois de acordar. Uma delas é ficar durante um bocado na cama a jiboiar (e a acordar), ao mesmo tempo que pego no telemóvel e divago entre as mais variadas redes sociais, blogs e email. E enquanto estou a fazer scroll no feed do facebook, uma das coisa em que costumo parar são aqueles vídeos de três minutos ao estilo "5 utilizações da pasta de dentes que não fazia ideia", "ten hacks with bobby pins" ("dez truques com ganchos") ou temas do género, com clara importância universal.

Eu sei, eu sei: é quase vergonhoso admitir isto. Mas eu gosto! E tenho aquela reação típica de pensar "será que isto funciona mesmo?" e até guardo os vídeos para ocasiões futuras. E é claro que nunca, mas nunca os utilizo. Alguém acha que eu me vou lembrar de pôr Coca-Cola na parede para tirar manchas? Ou de lavar as mãos com pasta dos dentes para tirar o cheiro a cebola? Ou de abrir uma carica com o cinto de apertar as calças? Não acontece. Mas eu gosto de ver na mesma, acho todas aquelas ideias geniais (principalmente aqueles vídeos que dizem "10 dicas para sobreviver no campismo", que implicam o corte de latas de salsichas - e que provavelmente acabariam comigo numa maca de hospital com um corte grotesco algures no braço), mas depois nunca usufruo delas - até porque muitas implicam uma dose elevada de bricolage, algo que normalmente não me assiste.

Mas há uma semana fiquei deveras orgulhosa de mim porque finalmente tirei partido dos muitos minutos que perco a ver estes vídeos. Eles são pequeninos, é verdade: mas à quantidade que consumo, já lá vão algumas horas de vida. Tudo para culminar nisto: há uns meses comprei umas calças na Pull&Bear, das quais gosto muito, mas que me magoam um bocado na barriga. Elas têm o tamanho certo, mas apertam com botões, não têm o clássico fecho zipper: ou seja, quando me sento, as calças ficam dobradas para dentro e apertam-me o estômago. É daqueles defeitos que uma pessoa só dá conta depois de usar as peças, enquanto que nos provadores parece tudo maravilhoso e espetacular. 

Passei a usa-las pouco porque, infelizmente, passo muito tempo sentada e aquele aperto me deixava em agonia. Até que se fez luz! Lembrei-me de uma técnica que vi nesses vídeos - na altura, era para ser usada em grávidas, mas uma pessoa tem de ser prática e ver as potencialidades de cada solução - fui buscar um elástico, enfiei-o na casa do botão e fiquei com muito mais espaço para respirar com liberdade. (Explicar isto por palavras não é tarefa fácil, mais vale verem a imagem abaixo). 

Isto tudo para dizer que todos aqueles minutos matinais perdidos a ver vídeos em páginas do facebook de utilidade duvidosa podem, comprovadamente, dar frutos. A todos os membros da comunidade craftycóolica*, da qual obviamente faço parte, quero transmitir uma palavra de esperança. Acreditem: os nossos minutos não são em vão e um dia algo daquilo nos vai ser útil! Palavra de craftycóolica!

 

*palavra que deriva de crafty, uma das páginas populares do facebook dedicada a este tipo de vídeos

 

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25
Out17

Dez coisas que ninguém nos conta sobre os cruzeiros

Para terminar em grande esta minha saga sobre o cruzeiro, quero deixar um post que idealizei há muito tempo mas que só fazia sentido partilhar depois de ter concluído todos os diários de bordo. E, finalmente, é o momento! Depois de no ano passado ter feito uma descrição exaustiva daquilo que é fazer um cruzeiro, com todos os detalhes que achei necessários, pensei em não vos tornar a maçar com algo tão pesado. Por isso selecionei dez factos sobre viajar em navios que nunca antes tinha encontrado - a maioria deles por serem caricatos ou simplesmente estranhos ao ponto de ninguém se lembrar de os mencionar! 

Este é o culminar das minhas duas experiências em cruzeiros, uma vez que muitos dos procedimentos são os mesmos. Não quer dizer que sejam medidas universais, mas parece-me que se sentem um pouco por todos os barcos de cruzeiro que navegam por aí. Vamos lá:

 

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1 - Os guardanapos querem-se no regaço. Quando chegam pela primeira vez ao restaurante principal - aquele onde jantam pratos mais gourmet, onde há as noites de gala e que está incluído na estadia completa -, ainda meio atarantados à procura da vossa mesa e sem perceber bem aquele sistema, mal se sentam e o vosso empregado se aproxima uma coisa é certa: ele vai tirar o vosso guardanapo da mesa, abri-lo e colocá-lo no vosso regaço. E não, não pedem licença. Isto aconteceu-me em ambos os cruzeiros e das duas vezes fui apanhada de surpresa (como quem diz "wow, mal tive tempo para respirar! Onde é que estás a pôr a mão?!"). Nos jantares seguintes já sabia: mal me sentava, mesmo que ainda meia torta, já estava com o guardanapo nas pernas. Just in case.

 

2 - Uma das coisas mais chatas nos cruzeiros é o "drill" - ou seja, um simulacro para estarmos preparados caso aconteça alguma coisa e seja preciso evacuar o navio. Acontece normalmente antes do barco zarpar e é obrigatório a todos os passageiros - e sim, eles contam-vos e chamam o vosso nome caso não estejam presentes (por isso não vale a pena fingirmo-nos de mortos). Os dois que fiz eram diferentes - num tive mesmo de ir para a beira dos barcos salva-vidas, no outro dirigimo-nos para o ponto de encontro para onde teríamos de ir em caso de emergência. Ambos foram chatos e eu adorava dizer que foram úteis, mas nem quero imaginar se algo acontecesse mesmo, porque tudo parece um pouco desorganizado. No fundo, contem estar uma hora calados, a ouvir o que diz o capitão. E não há mesmo ponto de fuga: todas as estruturas do barco param, há funcionários por todo o lado e não vos deixam ir para mais lado nenhum até aquilo acabar.

 

3 - Não querem lavar as mãos? Lavam na mesma! Este facto é até motivo de gozo internamente - um dos espetáculos que fui ver, com um humorista, gozava com o assunto. O que acontece, principalmente nas zonas de refeições, é que há sempre dispensadores com líquidos para desinfetar as mãos (como aqueles que, aqui há uns anos, estavam espalhados por todo o lado devido à gripe das aves). Mas nas horas de mais afluência há sempre empregados destacados, com um dispensador na mão, que vos intercetam e vos despejam líquido nas mãos - mesmo que não queiram! O que se passa ali é uma espécie de placagem disfarçada: sorriem muito, dizem-nos com imensa simpatia "hello, how are you today?" e depois, sem se aperceberem... squich! Agora não têm outro remédio senão esfregar.

 

4 - A água de beber é horrível, mas as outras bebidas podem levar-vos à falência. Se não querem gastar balúrdios em bebidas enquanto estão a viajar não vos restam muitas opções: na maioria dos sítios têm água, limonada e sumo de maçã (que eles dizem ser bom para desenjoar). Eu estou habituada a beber água em casa e por isso fazia sentido beber lá também - mas não consigo. Sei que sou pessoa de um paladar muito específico e extremamente apurado, mas acho que qualquer um notaria: a água é intragável, penso que devido ao sistema de recuperação e purificação da água que usam internamente. Nos restaurantes bebia sempre sumo, mas no quarto tinha sempre uma garrafa de água que trazia das cidades e que punha no frigorífico, para ter sempre sempre algo fresco para me matar a sede.

 

5 - Não são americanos? Problema o vosso! Isto pode não ser uma verdade universal, até porque viajei sempre em companhias americanas: primeiro na Royal Caribbean e depois na Celebrity Cruises. Mas tudo está desenhado e pensado para os americanos, começando pelas línguas faladas no barco. A primeira é, obviamente, o inglês e a segunda o espanhol - mas se por acaso não perceberem ou não falarem bem uma das duas, estão feitos ao bife. Primeiro porque não percebem o drill, depois porque não entendem os espetáculos, porque não podem participar em muitas das atividades que são feitas por animadores (que falam inglês) e, em último caso, terão mesmo dificuldade em comunicar com a tripulação. As bebidas são americanas, as perguntas dos quiz são feitas para americanos e para pessoas cuja primeira língua é o inglês e as comidas do buffet são feitas muito à imagem daquilo que se come na América.

 

6 - Quem faz tours tem números colados à camisola. Sempre! O ano passado perguntaram-me porquê que nas fotos eu aparecia sempre com um autocolante com um número colado à camisola: é para identificarmos qual o nosso grupo quando vamos em excursões. As tours são compradas no barco (ou pela net, antes de embarcar) e são-nos dados bilhetes com as informações úteis, como a hora de encontro e a hora de partida. Normalmente o ponto de encontro é sempre no teatro, onde se encontram todas as pessoas que vão fazer visitas guiadas. Mas dependendo das visitas que cada um escolheu, é-nos atribuído um número, que passa a ser o número do nosso grupo e do nosso autocarro. Quando é para sair chamam pelas pessoas com o autocolante número X e lá vamos nós. Como frequentamos sítios turísticos e muito movimentados, este método é bom para encontrarmos pessoas do nosso grupo e não nos perdermos. As guias normalmente também andam com placas com o nosso número para que as possamos encontrar com mais facilidade.

 

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 Neste caso era o número 2

 

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A guia com a placa na mão

 

7 - Os empregados tratam-se pelo nome. A simpatia do staff é uma das coisas irrepreensíveis nos cruzeiros. Senti-o mais no do ano passado do que neste - todos se esforçavam, mas os da Royal Caribbean faziam-no sem qualquer tipo de esforço, notava-se que era algo natural. Isto marcou-me de tal forma que ainda hoje sei o nome dos empregados que me atenderam o ano passado: na mesa era a Cecília, no quarto era o Nikolay. Isto porque os empregados que vos servem (nos serviços constantes, como limpeza de quarto ou no restaurante principal) são sempre os mesmos e, no início, se vêm apresentar: dizem o nome, às vezes de onde vêm, e dão os contactos caso precisemos de algo. Muitos deles também nos tratam pelo nome e o serviço é altamente personalizado, o que me leva ao próximo ponto.

 

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A relação com os empregados é de tal forma cúmplice que muita gente (nós incluídos) tira foto com eles antes de terminar a viagem.

 

8 - As gorjetas são algo normal quando se faz um cruzeiro. É claro que a simpatia pode ser natural, mas a gorjeta que pode estar no horizonte também importa. Na América é regra dar-se uma agraciação num restaurante e nos cruzeiros não é excepção: na Royal Caribbean não havia cerimónias e eram até dados envelopes para se deixarem notas aos empregados, já na Celebrity as coisas eram feitas com um pouco mais de discrição (mas a sugestão era dada nos papéis que nos forneciam). É muito difícil ser empregado num barco - principalmente trabalhando em restaurantes ou na limpeza de quartos. Estamos a falar de pessoas que durante semanas não têm folgas e trabalham mesmo muitas horas por dia, num trabalho que não é descansado. Eu via o empregado que nos servia ao jantar a trabalhar às 7 da manhã no pequeno-almoço, por exemplo; e a minha room atendant a trabalhar desde as oito da manhã às oito da noite. O meu cruzeiro foi de doze dias e nenhum deles folgou enquanto eu lá estive. Para além disso, no que diz respeito aos empregados de quarto, eles estão disponíveis 24 horas por dia - basta ligar do nosso quarto para a extensão deles, e eles atendem. E, por isso, é um trabalho que (para além de ser muito bem feito e ser também bem remunerado), merece uma compensação.

 

9 - A última noite é passada sem malas, a menos que as queiram carregar no dia seguinte. Normalmente, no dia anterior ao final do cruzeiro, são-nos deixadas indicações sobre como despachar a mala. Das duas vezes que viajei tive de deixar a mala no corredor, na noite anterior à partida: elas são identificadas com etiquetas, que têm um número e a nossa identificação pessoal (caso se percam), e só depois de atracarmos e de sairmos do barco é que as vamos buscar à zona correspondente ao número que nos foi atribuído para pôr na mala. É um sistema confuso e um bocado caótico, porque normalmente têm de se deixar as malas antes do jantar, o que faz com que tenhamos de pôr na nossa mochila/carteira (ou numa mala mais pequena) todos os bens essenciais para passar a noite e para o dia seguinte, até sairmos do barco (escova e pasta dos dentes, pijama, roupa do jantar anterior, etc.). Há a opção de sermos nós próprios a levar a mala, mas nesse caso somos os primeiros a sair do barco (lá para as seis da manhã) e temos de as carregar - e malas de duas semanas não são propriamente leves. Mas é muito giro sair do corredor e ver milhares de malas lá encostadas, de todas as cores e feitios, à espera de serem recolhidas. A verdade é que durante a noite acontece magia e no dia seguinte, logo de manhã, lá estão as nossas malas, prontas para serem entregues.

 

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 Uma das secções de malas, no terminal de cruzeiros.

 

 10 - "De onde vens?" é a pergunta que impera. Não esperem encontrar portugueses - durante 80% da duração do último cruzeiro, eu e os meus pais achávamos ser os únicos lusitanos no barco. Mas, afinal, havia mais quatro - com os quais acabamos por nem falar, porque a diversidade é tanta que nem vale a pena. Na viagem que fizemos no Báltico havia mais alguns, mas nada expressivo. A maioria das pessoas são americanas ou britânicas, havendo depois pequenos núcleos de todo o mundo, que é sempre bom conhecer. O ano passado conheci imensos israelitas; desta vez conheci americanos, porto-riquenhos, sul africanos, entre outros que já não me recordo. É sempre um bom tópico de conversa, principalmente se são países mais atípicos: e para além de conhecermos novas pessoas e de aprendermos algo sobre a sua cultura, ainda ajuda a passar o tempo - o que por vezes, nos tempos mortos (que não são muitos, é maioritariamente à noite), ajuda. Já os funcionários têm normalmente a identificação do país de origem. Se virem portugueses, é provável que vos façam uma festa - esta ano cruzei-me com dois, uma rapariga da Baixa da Banheira que trabalhava nas lojas (e que mandou um berro tal quando percebeu que falávamos a mesma língua que ela que eu até me assustei) e um oficial, que sorriu imediatamente quando lhe disse "bom dia" e que me agradeceu por ouvir falar português. É uma mistura interessante entre culturas e nacionalidades, onde sabe bem apreciar tanto aquilo que nos é desconhecido, aproveitando para reter algum conhecimento daí, mas também o "doce sabor a casa", quando encontramos alguém que partilhe a nossa bandeira, a nossa língua e a nossa cultura.

 

Há muito mais coisas que ainda poderia contar mas penso que, onze mil caracteres depois, já estão provavelmente bastante esclarecidos e fartos de me ler. Com este post dou por concluída a minha saga "cruzeiro 2017", que demorou a sair, mas que está finalmente completa. São publicações muito trabalhosas mas, ao mesmo tempo, muito boas de fazer: porque enquanto escrevo vivo tudo de novo. E é sempre bom reviver memórias, viagens e partilhar ideias e experiências com os outros. Que mais venham =)

24
Out17

Estou a perder-me no piano

Antes costumava ouvir muitas vezes a expressão "ai... o rapaz está a perder-se", nomeadamente em relação aos meus colegas rebeldes da escola. Normalmente este é um dizer que tem uma carga negativa: é alguém que está a ir por maus caminhos - drogas, tabaco, más companhias -, a desviar-se do percurso padrão que os mais velhos querem que o jovem - agora rebelde - siga.

Nesse aspeto, sempre fui um anjo com as ideias muito fixas e os pés bem assentes na terra. Nunca dei problemas, porque nunca tive medo de dizer "não" ou detetar aquilo que, segundo os meus valores, era bom ou mau. Mas acho que, pela primeira vez na vida, esta expressão se adequa a mim. Estou a perder-me. Mas há sempre o twist do costume: não sei, neste caso, se será uma coisa necessariamente má. Porque o meu objeto de "perdição" é o piano.

Não se trata propriamente das horas que passo a treinar - normalmente toco duas vezes ao dia, talvez meia hora em cada um dos treinos. O pior é tudo o resto: o tempo que passo a ver partituras, vídeos de tutoriais no Youtube, a procurar aplicações para instalar no tablet para aprender a tocar músicas de que gosto ou simplesmente a deliciar-me com covers de outras pessoas. Enquanto trabalho e escrevo ouço sempre música de fundo - e enquanto estudava devorava bandas sonoras de forma repetitiva - e muitas vezes, por deixar o youtube correr, vou parar a playlists comerciais. Mas neste momento, o meu consumo de covers é de tal forma elevado que só me aparecem pianos no visor de cada vez que me é sugerida alguma coisa. E eu, bem mandada, clico. Tenho aumentado bastante a minha lista de subscrições no último mês, graças a estas descobertas "patrocionadas" pelo Youtube.

Mas bom, ando perdida: gasto o tempo que tenho (e que não tenho) embevecida a olhar para o ecrã, a pôr em full screen os vídeos para perceber o movimento dos dedos e a pensar "será que eu já sou capaz de tocar isto?". Na verdade ainda não me aventuro muito em peças alheias: como todos os meses tenho recitais e quero ter as músicas que vou apresentar o mais perfeitas possível, repito tudo até à exaustão até me parecerem apresentáveis (e sim, isto tem um toque de obsessivo e de perfecionista). Neste momento estou mergulhada em Yann Tiersen, com o maravilhoso soundtrack da Amélie. O tema deste mês do estúdio eram bandas sonoras e pudemos escolher entre o Tiersen ou o John Williams - compositor do Harry Potter, do E.T., Indiana Jones, Jurassic Park, entre muitos outros. E sim, eu preferi a Amélie ao Harry Potter... foi uma escolha dura, mas há tantos anos que eu sonhava tocar a Comptine d'un Autre Été que não houve escolha possível. Entretanto despachei a música tão rápido (e de forma tão apaixonada, devo acrescentar) que vou também tocar a L'Autre Valse d'Amélie, que me tem dado água pela barba. Depois de bem prontas, talvez as mostre aqui.

Nos entretantos, para desenjoar de tanta Amélie, vou-me vingando nos meus vídeos do Youtube e sonhando com o dia em que poderei tocar assim. Estou sinceramente empenhada. E felicíssima com a brilhante ideia que tive em voltar a aprender.

 

Uma da melhores descobertas que fiz nos últimos dias foi o Constantino Carrara, que tem covers inacreditáveis de músicas pop. Vale a pena conferir, seguir e descobrir mais se gostarem do estilo. Já eu acho impossível alguém não gostar ou apreciar o dom deste rapaz.

 

23
Out17

Roma, a cidade imponente

Já diz o ditado: Roma não se fez num dia. E, por isso, também não se visita em 24 horas... e muito menos em cinco! Mas eu tinha de tentar. A capital italiana foi a última paragem do cruzeiro que fiz e eu tinha voo nesse mesmo dia, o que significa que tinha cerca de cinco horas para "ver a cidade". Aqui não tivemos grande escolha: a tour era a nossa única alternativa se não queríamos ter problemas. O porto não é mesmo em Roma, mas sim em Civitavecchia, que fica a quase uma hora de distância do centro da cidade; já o aeroporto fica a cerca de meia hora das principais atrações turísticas. Para além disso ainda tínhamos as malas: eram três e pesavam todas mais de vinte quilos, por isso não davam propriamente para andar a passear. Ou seja: entre transferes, logísticas com as malas (guardar, pagar, ir buscar, carregar) e outros possíveis problemas, o tempo para passeio iria ser escasso (e sofrido, porque iríamos estar sempre preocupados). Esta foi, por isso, a primeira tour que compramos (e já estava praticamente esgotada!) para não haver problemas ou imprevistos. No final, comprovou-se que foi a melhor opção, até porque o cansaço já nos estava a transformar em crianças birrentas: o dia de desembarque é duro e longo - às 7 da manhã já estávamos fora do barco, o que fez com que às 6.30h já nos estivessem a correr dos quartos e que às 6h o pequeno almoço já tivesse quase tomado.

Agora vamos lá ser diretos: eu não visitei Roma. Eu vi um bocadinho da cidade (o outro bocadinho que podia ter visto passou-me ao lado, porque adormeci no autocarro). Do que vi, gostei muito e é de certeza uma cidade a visitar. O meu pai chamou-lhe "a cidade dos toldos", porque todas as casas e lojas tinham toldos para proteger do sol - já eu, apesar de não lhe ter dado nome, achei-a uma cidade muito jovial e alegre, principalmente nas zonas da margem do Rio Tibre, que me conquistaram à primeira vista.

No fundo, só fomos a dois locais, dois pesos pesados do turismo: a Basílica de São Pedro e o Coliseu - até porque ir a Roma e não ver o Papa é coisa grave de se fazer. Não vimos Sua Santidade, mas foi como se víssemos: na altura em que fomos deixaram de fazer missas na praça, porque o calor era tanto que as pessoas, ao esperarem, desfaleciam e havia episódios menos felizes que todos queriam evitar. Se não estou em erro, só ao domingo é que o Papa aparecia na janela do seu quarto para acenar às pessoas - e não foi esse o dia em que nós lá fomos.

Apesar disso, tivemos uma hora à espera para entrar na Basílica - parte do tempo ao sol. Deu tempo para tirar as medidas todas ao espaço, apreciar tudo, ver as coisas com bons olhos e tirar fotografias para dar e vender. Aqui a questão não é de bilheteira, porque a entrada é grátis, mas sim do controlo que é feito à entrada: tudo tem de passar no raio-x, o que atrasa imenso o processo. Penso, aliás, que também é este o propósito: para além de ser mais seguro, faz com que a entrada dos turistas seja mais lenta e não encha a Basílica, nunca estando o espaço de tal forma cheio que se torna intransitável.

Uma coisa curiosa: eu imaginei que a praça fosse muitooo maior! Quando a vemos na televisão, com gente até arrebentar pelas costuras, parece uma coisa enorme: mas, na verdade (e na minha cabeça) é bastante mais pequena do que parece. Nessa altura ainda não tinha ido a Fátima (curiosamente fui umas duas semanas depois) e pude perceber que Fátima acaba por ser muito maior - até porque na praça do Vaticano há umas "pérgulas" que a circundam, acabando por reduzir de alguma forma o espaço, enquanto que em Fátima isso não acontece. Mas só aí é que este espaço pode ser comparado com o português: porque em tudo o resto (arquitetónicamente falando) é mais rico.

 

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Na praça de São Pedro

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Estátuas na orla da Praça de São Pedro

 

Podem-se tirar fotos à vontade dentro do espaço porque nada é pintado em frescos, não havendo riscos das pinturas se estragarem: no entanto, há uma grande rigidez relativamente às mochilas (têm de estar na frente) e, acima de tudo, ao facto dos ombros terem de estar cobertos. Estava um calor dos ananases e eu não tinha nada com que me cobrir, por isso comprei um lenço na praça enquanto esperava.

Eu adorava falar-vos da Igreja mas, honestamente, faltam as palavras. Eu situo-me entre o agnóstico e o ateu, por isso quase todos os rituais e simbolismos da igreja católica me passam ao lado - mas, felizmente, tenho olhos para ver e gosto muito de igrejas devido à sua beleza arquitetónica. E a Basílica de São Pedro é o expoente máximo de tudo o que já vi na vida, não há fotos que lhe façam jus. Enquanto esperava e derretia na fila, pensei sinceramente se toda aquela espera era merecida: e, de facto, é. Visitei (até durante o próprio cruzeiro) igrejas de tirar a respiração, mas a imponência desta é qualquer coisa de espetacular. É tudo tão grande, tem tanto detalhe, tem tanta riqueza junta... que de facto se torna difícil descrever por palavras ou sequer por imagens. É obrigatório ir lá e ver. Independentemente das crenças ou da religião, é um edifício de uma imponência indescritível. Fiquei de boca aberta.

 

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O teto à porta da Basílica

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A sublime Pietà, de Miguel Ângelo - quando pensamos que ele esculpiu esta peça aos 23 anos, sentimo-nos verdadeiramente inúteis e despidos de talento...

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Nunca estive tão feliz dentro de uma igreja ;)

 

A nossa guia era muito simpática e estava sempre a impulsionar-nos a ver as coisas de perto e explorar a Basílica. Dizia "estiveram uma hora ali fora à espera, agora merecem ver tudo! Tirem fotos, observem, toquem!". Para mim, foi uma autêntica salva-vidas: sinto que o ramo da religião é um dos meus pontos fracos em termos de cultura geral. É um tema que, à partida, não me desperta muito interesse e por isso tenho muita dificuldade em reter a informação: ouço falar sobre o assunto, estou atenta, mas passado pouco tempo já não me lembro de nada. Para além disso, como nunca fui a missas ou tive catequese, o meu background religioso baseia-se apenas na cultura geral e nas discussões aqui de casa.

Foi por isso muito útil ouvir todas as explicações dela relativamente à igreja e a tudo o que estava lá dentro: as esculturas, o altar, o chão, as cúpulas, as paredes, o altar. Mais uma vez, lembro-me de pouca coisa, mas gostei muito e aprendi (ainda que levemente) uma série de coisas que antes desconhecia. 

Infelizmente, devido à nossa falta de tempo berrante, não conseguimos visitar a Capela Sistina...

 

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O topo do Baldaquino

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Uma visão mais ampla do espaço - que, apesar de estar cheio de turistas, é tão grande e tão alto que tudo parece dispersar-se

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Teto da Basílica

 

Depois seguimos para o Coliseu. Apesar das filas serem grandes, como éramos um grupo e já tínhamos os bilhetes pré-comprados, passamos à frente de todo aquele caos e entramos diretamente. Penso que só uma palavra pode descrever este edifício: imponente. Como é que uma coisa construída há praticamente dois mil anos continua ali, de pé, com aquela estrutura magnânime? Quantas pessoas já terão passado por ali, pisado aquelas pedras? Pessoas de épocas tão diferentes da nossa, onde nada era igual... enfim, o peso da história neste edifício é algo difícil de descrever. 

 

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À entrada do Coliseu

 

É incrível fecharmos os olhos e imaginarmos o que se passou ali - o povo aos berros, os leões esfomeados, os gladiadores a tentarem degolar-se mutuamente. É um peso que, naqueles segundos, carregamos nos ombros e que é corroborado com todas as histórias que ouvimos dos guias ou em documentários ou na internet. Eu já queria ter ido ao Coliseu há muito tempo, sempre adorei a história por detrás do edifício, mas só quando lá vamos é que conseguimos "entrar" dentro dela - vendo as bancadas, as arcadas, os subterrâneos. Se não fosse o caos provocada pelo movimento e pelo barulho dos turistas, seria muito fácil viajarmos no tempo e imaginarmos o que aquilo teria sido durante o Império Romano - porque o estado de conservação ainda é tão incrível que basta ter um bocadinho de imaginação para as coisas acontecerem por debaixo dos nossos olhos.

 

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 Coliseu

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Uma visão global do Coliseu - foto tirada do primeiro andar

 

As catacumbas não se podem visitar, mas pode-se subir ao primeiro andar e ter uma visão mais ampla do espaço. Nessa altura, depois de lá chegar, já estamos ofegantes devido à subida íngreme das escadas, mas ao olharmos para aquela vista perdemos definitivamente a respiração: a magnitude do Coliseu é incrível e merece ser vista, pelo menos, uma vez na vida. Preferencialmente com tempo (algo que eu não tinha), com um bom guia e numa época onde não existam tantos turistas como em pleno Julho. 

A viagem de regresso a Roma não está marcada no papel, mas já está na minha cabeça. É inconcebível não lá voltar. Foi uma passagem breve, mas também foi só um até já.

22
Out17

Relembrar o gosto da leitura

Há dias estava a pensar na evolução que fiz enquanto apreciadora de letras – de escrita, de livros, de leitura – e de como isso me mudou enquanto pessoa e, acima de tudo, em como alterou o rumo da minha vida. E cheguei à conclusão de que sou uma “leitora auto-construída”.

Eu nunca na minha vida pensei seguir um caminho que envolvesse letras. Nunca. Passei os meus primeiros anos de escola a odiar português – não tanto como educação física, mas quase. Não gostava de descodificar textos, não gostava de escrever, não gostava de ler, odiava fazer ditados (devido à quantidade absurda de erros ortográficos que dava), não percebia nada de gramática e tinha um ódio de estimação por trabalhos de casa longos, que obrigassem a grandes dissertações. Tinha notas miseráveis, nunca passava de um 3 medíocre na pauta e era uma das disciplinas que estava sempre condenada à desgraça.

Até ao dia em que comecei a ler, por impulso da minha irmã – devia ter os meus 13 anos. Não era a primeira vez que tentava, já tinha pegado no Harry Potter e nos livros de Uma Aventura, mas nunca tinha resultado – desistia sempre. E lembro-me de gostar do primeiro livro que li de uma ponta à outra, mas de nunca ter sido uma coisa natural: a mão não ia buscar o livro à mesinha de cabeceira de forma instintiva, não era algo que eu desejasse por antecipação. Era quase como ir ao mar quando a água está fria: custa muito lá entrar, mas só quando lá estamos é que percebemos o quão bom aquilo é. E quando saímos o ciclo volta a ser o mesmo: está frio, dá vontade de não entrar, esquecemo-nos do bom que é estar lá dentro e por isso estamos em constante negociação connosco próprios.

Hoje sei que a leitura é, acima de tudo, um hábito. São rotinas que se criam, a que depois de sucedem ciclos viciosos. E depois há incentivos que cada um vai criando para si próprio: para mim, há poucas coisas que me sabem tão bem como gastar dinheiro em livros, por exemplo; o prazer de deambular por uma livraria e trazer os escolhidos para casa é enorme; escrever críticas sobre o que acabei de ler é outra coisa que me dá gozo, assim como trocar impressões sobre escritores com outras pessoas que também gostam de ler. Tudo isso me dá prazer. Mas tudo isso se esquece com facilidade.

É engraçado como mudei o rumo da minha vida à custa das letras, por algo que inicialmente odiava. Hoje, escrever é uma parte essencial do meu trabalho, e é curioso ver como isso aconteceu por uma série de escolhas. Neste caso, não posso dizer que as letras me escolheram a mim: porque fui eu que as escolhi a elas. Foi por elas que bati o pé a ciências e a quase todos os que me rodeavam. E começou em nada, num pequenino ódio de estimação, inicialmente contrariado pelo meus familiares, e depois por mim, de forma sucessiva.

A minha relação com as letras – e nomeadamente com a leitura – é parecida com aquilo que devem ser as relações dos casais. Segundo ouço, o segredo é irem-se apaixonando uma e outra vez – mas, pelo meio, há sempre períodos de desamor, em que é preciso ter paciência e lentamente saber reaprender a amar, talvez até por razões diferentes.

Apesar de ter continuado a escrever (ainda que menos..), já há algum tempo que os meus hábitos de leitura deixaram de ser o que eram. Nunca li trinta livros num ano, nunca fui um bicho-papão, mas já há uns anos para cá que gostava de manter uma média razoável de leituras que, nos últimos dois anos, caíram a pique. E eu fiquei desgostosa. Perdi o hábito da leitura, em todas aquelas situações que me auto-ensinei a ler. E quando lia era por obrigação, numa tentativa de retomar o hábito e não por gostar daquilo que se estava a passar enquanto folheava as páginas – e depois de várias tentativas falhadas, desistia, escondia o livro como quem se esconde de vergonha, e tentava esquecer.

Mentia se dissesse que essa fase já passou. Estou a fazer por voltar a ler – a comprar livros que me intriguem, a voltar a pôr um livro na mesinha de cabeceira, a deixar de pensar que tenho demasiado sono e negociar comigo mesma uma leitura de um capítulo - mas não é fácil voltar a hábitos que não nos são inatos. E eu detesto dizer isto! Detesto dizer que a leitura - algo tão importante para mim e tão relacionado com a escrita - não é uma coisa que vive em mim permanentemente. Mas, de facto, não é. E, de tempos a tempos, temos de nos voltar a reconquistar. E cá estamos nós para ir à luta.

17
Out17

Pompeia, um "cheirinho" da Roma Antiga

Nápoles foi a penúltima paragem do cruzeiro que fiz em Julho (lembram-se? aquele sobre o qual eu disse que ia escrever mundos e fundos e ainda não escrevi nem metade do que queria e já estamos quase no fim do ano?). No entanto é uma cidade sobre o qual eu vos posso contar pouco ou nada. Porquê? Porque tal como já tinha escrito num outro post, um cruzeiro implica escolhas: e as horas que tínhamos em Nápoles eram reduzidas e as visitas guiadas em questão não eram brilhantes na oferta que proporcionavam. Podíamos ir a Pompeia e ao Vesúvio, mas não sobrava tempo para uma visita a Nápoles; o mesmo acontecia com Capri - era sair do nosso barco, entrar noutro para ir a Capri e voltar rapidinho, sem tempos para atrasos ou desvios - e apesar de eu querer muito conhecer esse sítio, a visita era tida como extenuante e o meu pai poderia não a conseguir fazer; a outra opção era ficar pela cidade, mas não conseguíamos ver mais nada nas redondezas e, segundo a maioria, Nápoles não é uma cidade tão bonita como outros ex-libris italianos (embora seja das maiores cidades de Itália). 

A nossa decisão acabou por recair sobre Pompeia, que fica a cerca de meia hora de carro do porto de Nápoles. Não queríamos ir ao Vesúvio e, se quiséssemos, também não poderíamos ir: devido à quantidade elevada de incêndios que existiam na altura, as visitas de turistas estavam interditas. Isto fez com que o nosso grupo fosse enorme, uma vez que se juntaram as visitas de Pompeia com aquelas que iam também ao vulcão, o que não ajudou particularmente. Pompeia é gigante, muito ainda está por escavar e descobrir, mas a quantidade de visitantes é proporcional ao seu tamanho: são aos milhares e milhares de cada vez. É muito fácil perdermo-nos do grupo enquanto tiramos uma foto ou quando desaceleramos para termos mais cuidado a andar num sítio qualquer, por isso toda a atenção é pouca.

A nossa visita durou umas três horas - o que só dá para ver uma ínfima parte do local - mas, mesmo assim, foi bastante dura. Estava um calor abrasador (talvez o mais intenso de toda a viagem) e o facto de sermos um grupo de 50 pessoas, de estarmos rodeados de outro grupos (inclusivamente de outros barcos, com placas e números iguais aos nossos), algumas ruas serem muito estreitas, sem sombras, com degraus enormes e o chão completamente desnivelado não ajudaram.

Começámos por entrar numa oficina de camafeus, que existia à entrada das ruínas. É um negócio típico daquela zona e é apenas uma forma de nos arrancar ainda mais euros do bolso. Há, de facto, peças incríveis - mas também muito caras. Como típicos italianos dão descontos, regateiam os preços, mas eu resisti à tentação de trazer algo para casa - até porque quanto mais pequenas são as peças, mais caras se tornam, porque o nível de trabalho e de pormenor são maiores. Logo à entrada vimos um artesão a fazê-los, como podem ver na foto abaixo.

 

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Artesão a esculpir o camafeu

 

Para quem não conhece, uma breve contextualização: Pompeia era uma cidade do império Romano que, no ano 79, foi totalmente destruída devido a uma erupção do Vesúvio. Só no século XVIII é que se descobriu a cidade soterrada e começaram as primeiras escavações que, até agora, resultaram no que está à vista de todos: um conjunto enorme de ruínas, objetos, vestígios e corpos desse tempo, que se mantiveram intactos e conservados no meio da lava e das poeiras. 

A nossa guia era muito simpática e energéca, mas eu tento sempre pôr um filtro em quase tudo o que ela (e os outros) dizia. Ela contava-nos o que é que se faziam naqueles espaços, muito detalhadamente, e eu pergunto-me sempre se de facto as coisas eram mesmo assim. De qualquer das formas, tudo o que aqui escrevo foi o resultado daquilo que ela nos disse. Para começar, ela adiantou-nos que para ver bem Pompeia eram necessários dois dias - nós vimos o que pudemos em três horas. Abaixo podem ver o campo onde os lutadores/gladiadores treinavam - os pilares e algumas paredes estavam em bom estado de conservação.

 

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Praça de treinos

 

Uma das coisas comuns em ruínas romanas eram os banhos. Também em Pompeia se via bem o espaço dedicado à limpeza e relaxamento das pessoas, inclusivamente com aquilo que ela chamou de "balneários". Estas zonas estavam cobertas de mármores que, já não me recordo bem quando, foram pilhadas e utilizadas em palácios.

 

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Atrás de mim estão "os cacifos", que serviam para guardas as roupas

 

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Banhos romanos

 

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O teto e uma janela - onde existia vidro, algo raro para a época - também na zona dos balneários

 

Não sei como é que funcionam as visitas sem guia, mas eu não aconselho. É provavelmente oferecido um mapa, mas aquilo é tão grande - aliás, é uma cidade, basta dizer isso - que é muito fácil perdermo-nos e tudo parecer igual (que é). É necessário estar com alguém que conhece para nos despertar a atenção para alguns pormenores muito interessantes e nos fazer ver certas coisas que, a olho nu, seriam só mais um conjunto de pedras.

 

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Uma das ruas de Pompeia

 

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 Aqui conseguem ver-se as marcas deixadas no chão pelos carros de mercadorias que andavam nas ruas principais de Pompeia, que mostram o grande movimento que havia nas principais ruas da cidade

 

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Não resisti a tirar uma foto estilo Beatles, versão pedras-de-Pompeia em vez de passadeira-em-Liverpool

 

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Uma padaria, onde se percebem claramente para que servem todas estruturas: à esquerda, o forno; no centro, uma mó, para fazer farinha, que era geralmente movimentada por burros, que andavam ali às voltas

 

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Uma casa de banho pública - e sim, aqueles calhaus são sanitas

 

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 Numa das ruas, onde uma arcada permaneceu intacta

 

Existe também a possibilidade de visitar o interior de uma ou outra casa. Um desses espaços - diria eu, o mais "polémico" - é o bordel. Segundo o que nos disseram, Pompeia era uma cidade onde se faziam inúmeras trocas comerciais, por isso ia lá gente de todo o mundo, que não falava latim. O bordel era um sítio popular entre os negociantes de outros países e as prostitutas comunicavam com eles através de imagens que estavam pintadas nas paredes, sobre as posições que cada um queria assumir - pinturas essas que ainda podem ser vistas. Dá também para ver os quartos, com camas de pedra que deviam ser deveras confortáveis, e também o quarto de banho, onde elas se lavavam. O caminho para o bordel estava indicado nas ruas com pénis esculpidos no chão ou nas paredes. Os símbolos fálicos eram muito comuns na altura e eram tidos como amuletos da sorte e de fertilidade - mas, pelos vistos, neste caso específico, diziam mesmo respeito aos caminhos para fazer os homens mais felizes ;)

Outro dos locais que se pode visitar é a Casa da Pequena Fonte - um espaço que teria dois andares, onde se incluía o tal terraço com a fonte (muito bonito, cheio de desenhos tanto nas paredes como no chão, feitos através de pequenos mosaicos - um pouco à semelhança do que se vê em Conímbriga). A estrutura da casa não é muito percetível, mas com a explicação da guia consegue-se imaginar bem onde seriam os quartos, a sala ou a casa de banho. 

Um detalhe importante: havia canalização em algumas ruas! Há coisas inacreditáveis na civilização romana e ainda se conseguem ver os canos de água que passavam nas ruas, em direção às casas.

 

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Uma das pinturas presentes nas paredes do bordel

 

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Um dos quartos do bordel

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Na Casa da Pequena Fonte

 

Uma das zonas mais movimentadas de Pompeia é a praça central - uma coisa enorme, cheia de pilares, que dá para perceber a imponência daquilo que foi a cidade. É lá que está também um dos sítios que tem sempre mais gente: o local onde estão os corpos "petrificados". Na verdade, só um dos exemplares que lá está é que é real - todos os outros (e serão uns cinco, ao todo - onde se inclui um cão, um velho e uma criança) são réplicas das "carcaças" que foram encontradas nas ruínas. Não é nada que impressione, não há sangue ou algo semelhante a vivo ali, até porque se não olharmos com atenção nem percebemos bem do que se trata - a única coisa que pode chocar são as posições em que os corpos se encontram, claramente em forma de sofrimento. É muito difícil sequer de imaginar o que é ver uma quantidade imensa de lava a vir na nossa direção e sabermos que a morte é a única saída.

 

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Na praça central

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A praça central (se bem me recordo, a estátua não é da Roma Antiga)

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O cão petrificado

 

Perguntam-me várias vezes se a ida a Pompeia vale a pena. Eu digo o seguinte: depende. Depende dos gostos de cada um, no interesse em história antiga. A visita a esta cidade é um injeção de conhecimentos (ou supostos conhecimentos, lá está) sobre a forma de vida da Roma Antiga e é de facto incrível ver tudo o que tinham para a época. Nós achamo-nos muito evoluídos, mas por vezes esquecemo-nos que já naquela época eles tinham sistemas de canalização e outras "tecnologias" que nos deixam de queixo caído. Mas se a visita não for bem feita, se não tiverem alguém que de facto perceba do assunto ou conheça Pompeia ou se simplesmente não se interessam por estes temas, talvez não valha a pena. As opiniões dividem-se mas, pessoalmente, gostei. Tive pena que o nosso grupo fosse tão grande e estivesse tanto calor - penso que fora dos meses da época alta a visita seja incomparavelmente mais agradável, por isso tentem ter isso em conta se estão a ponderar uma ida lá.

Quando voltamos a Nápoles, e apesar de ainda faltarem um par de horas para sairmos do porto, fomos para o barco. Olhando de fora, eu sei que isto parece um desperdício: estar numa cidade e não aproveitar para a visitar. Eu própria penso assim - e dou o litro sempre que viajo - mas, também por isso, chego a um ponto em que estou toda rota. Aqui já estava com mais de uma semana de cruzeiro no lombo, cheia de horários trocados e duros, assim como muitos quilómetros nas pernas - e o calor matou-me, não podia com um gato pelo rabo. Aproveitei para dormir uma sesta, fazer a mala (que tinham de ser entregues antes do jantar - só as vimos no dia seguinte, quando saímos do barco) e preparar-me para o dia seguinte, onde faríamos uma paragem hiper-rápida e resumida em Roma.

 

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 À saída, uma das escavações ainda a decorrer

16
Out17

Pedrogão Grande all over again? (E sobre quando agradecer não chega)

Este ano o meu campismo de família foi em Oleiros. Na altura era minha intenção escrever sobre o assunto, contar como foi, como correu, como era o sítio... mas, tal como tantos outros assuntos, ficou por dissecar. Mas há algo essencial neste nosso último acampamento - para além das peripécias e do convívio: os fogos.

Estivemos para não ir. No dia anterior à nossa partida, Oleiros estava todo a arder e nós não nos queríamos meter na boca do lobo. Fiz muitas pesquisas, passei a vida no site da proteção civil a ver a situação, o número de homens no terreno, as estradas cortadas, os quilómetros que separavam o parque de campismo do epicentro do fogo. Depois de muito ponderarmos, fomos. 

Pelo caminho passamos por Pedrogão Grande, na estrada paralela àquela onde morreram tantas pessoas. Só mais tarde, relaxados no parque de campismo, é que falamos sobre o assunto, mas enquanto nos fazíamos à estrada, todos pensamos o mesmo: "ainda bem que não vamos passar pela EN236". Foi curioso termos todos partilhado, individualmente, este sentimento. Nem era pelo medo que nos acontecesse o mesmo a nós - era improvável que no espaço de um mês acontecesse a mesma tragédia, no mesmo local - mas sim pelo espírito que, inevitavelmente, está colado àquela estrada. As vidas que roubou. O desespero com que ficou marcado. A tragédia que estará escrita na história. Naqueles largos minutos em que atravessamos Pedrogão, que em vez de verde estava negro (não só na alma), enquanto os pelos se eriçavam na pele perante uma nuvem de fumo tal que parecia uma montanha escura, nenhum de nós disse nada: mas todos pensamos o mesmo.

Quanto chegamos ao parque de campismo, estávamos sozinhos: foi o meu irmão, que já lá estava desde a noite anterior, que nos recebeu e que tinha a chave do portão. Desde de manhã que o parque estava "abandonado". Estranhamos, rímo-nos, gozamos com a situação - e só mais tarde, já quando estava a cair o dia e elas apareceram (ainda fardadas), é que percebemos porquê. As raparigas que tomavam conta do parque eram também bombeiras voluntárias - e passaram o dia inteiro a trabalhar nos incêndios que nos rodeavam. 

Nós estávamos seguros, o parque tinha um plano de evacuação e tínhamos o rio a dois minutos a pé, assim como a vila a uma curta distância de carro, mas na primeira manhã acordamos com o coração nas mãos - e a pele a gelar. É seguro dizer que passamos, provavelmente, o maior frio das nossas vidas - vi as minhas tias de lábios roxos, a tremer como varas verdes e com os dentes a ranger por todo o lado; tentávamos aquecer-nos como podíamos, entre banhos quentes, muitos sacos-cama (os que tínhamos), ligar a luz que usamos à noite para aquecer as mãos. De dia estiveram 30 graus, à noite penso que os termómetros chegaram aos três. E ninguém - ninguém! - conseguiu dormir perante aquele gelo. Essa manhã foi a única em que sentimos o fumo e as faúlhas - e penso que foram os incêndios, a par de um fenómeno meteorológico qualquer - que provocaram aquele frio. A nuvem era tão alta, tão espessa, tão grande que o sol simplesmente não passava: eram dez da manhã e continuava o mesmo gelo que estava às sete, porque o sol simplesmente não chegava até nós.

Depois de passado este episódio, as raparigas foram-nos sempre mantendo ao correntes do estado dos incêndios (na altura eram três e, ao todo, contavam com cerca de 1500 homens). Sempre que íamos à vila passávamos por dezenas de carros de bombeiros, vindos claramente de todos os pontos do país, e interiormente só queríamos que aquilo passasse. Não queríamos que a história de Pedrogão Grande se repetisse. Até as pessoas mais velhas (normalmente sempre a dizer aos mais novos para largar os telemóveis) estavam sempre a confirmar nos sites de fogos se as coisas já tinham aliviado. Foi um aperto. Vivemos em áreas urbanas, felizmente não sabemos o que é o desespero de quem está prestes a perder tudo, mas estar ali ao lado dá-nos outra dimensão daquele fenómeno aterrador.

Quando soube que a rapariga que nos atendia era bombeira, disse-lhe: "obrigada pelo seu serviço". Ela ficou a olhar para mim, muito confusa, porque este não é claramente um costume português. Mas o que fazer perante aquela situação, de alguém que está à nossa frente e disponibiliza o seu tempo, saúde e eventualmente vida para salvar os outros? Só me ocorreu agradecer, mesmo sabendo que um "obrigado" não é o suficiente para explicar o que estes homens e mulheres fazem pelas vidas dos outros.

 

("Não queríamos que a história de Pedrogão Grande se repetisse", escrevi eu. À altura deste post, já onze mortos confirmados - não só numa região, mas em vários pontos do país. Revolta é a palavra certa).

13
Out17

Quando ter o cabelo longo é um ato de rebeldia

Eu sinto que sempre tive o cabelo curto. Não é verdade. Quando criei este blog ainda o tinha todo despenteado e rebelde quase até meio das costas - mas, quando algures no final de 2011, o decidi cortar, senti que de alguma forma tinha controlo sobre a minha vida. Tal como milhões de mulheres, também eu detestava a ideia de ir cortar o cabelo - sempre "só para aparar as pontas" - com o eterno medo da perspetiva de sair de lá com menos três dedos de crina. Mas no momento em que eu pedi à cabeleireira para cortar não dois dedos mas sim dois palmos de cabelo, foi uma sensação de liberdade, independência e rebeldia incríveis. Essa mudança mudou-me - e eu gostei tanto, tanto que repeti-a vezes sem conta.

Hoje olho para trás e percebo que de todas as vezes que cortei o cabelo tinha a esperança secreta de me sentir como me senti naquele dia de 2011, altura em que passava uma das piores fase da minha vida até agora. Mas nunca foi igual: acabou-se o efeito surpresa, acabou-se o choque das pessoas por todo o lado onde passava, acabou-se a novidade - que deu lugar ao hábito. De tal forma que as pessoas, quando me vêem com o cabelo comprido conforme estou atualmente, ficam a olhar para mim, espantadas: "estás com o cabelo enorme!", dizem. 

Para mim, eu só passei a ser mesmo "eu" quando tive cabelo curto - porque falei tanto sobre o assunto, gostei tanto da mudança, que acabou por fazer parte de mim. É um estado de espírito, quase uma forma de estar na vida (que, curiosamente, acaba por não ter muito que ver com a vida que levo, mas enfim), uma imagem de marca. 

Mas a verdade é que nos últimos anos cortei tantas vezes o cabelo - de todas as vezes curto, mas quase sempre de formas diferentes - que me cansei um bocadinho: e, confesso, chegava a um ponto em que não gostava de me ver. E isto é estúpido, mas eu sentia uma espécie de batalha interior: eu queria gostar daquele cabelo, achava que era o que combinava comigo, mas quando olhava para o espelho achava que não estava bem, que tornava a minha cara mais redonda e gorda e, nesses momentos, pensava para comigo "tão cedo não volto a corta-lo". Depois acabava por ceder, até porque deixei de ter paciência para cuidar e secar cabelos cumpridos. Mas o bichinho estava lá.

E se há coisa que eu tenho é boa memória. Eu não me esqueço. E durante este ano, de todas as vezes em que o cabelo me fazia comichão nas costas ou me ia para a frente dos olhos e eu, por instinto, pensava "tenho de ir ao cabeleireiro", o meu outro lado tentava apaziguar essas ganas de ir à tesoura e lembrar-me de tudo aquilo que tinha sentido pouco depois de cortar o cabelo das últimas vezes. E os meses foram passando. E passou um ano desde a última vez que cortei o cabelo. Abaixo, na foto, podem ver as diferenças: do lado esquerdo, o estado da minha "crina" no dia 13 de Outubro de 2016; à direita, o seu estado nos dias de hoje (e sim, a repetição do cenário e da roupa foi propositado).

 

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É natural que, um ano depois, as pontas já estejam todas espigadas e o cabelo menos saudável. Tenho feito o meu melhor, mas a vantagem dos cabelos curtos também é essa: parecem sempre mais saudáveis, mais cuidados (ou, pelo menos, na maioria dos casos). E está a acontecer algo que já há muitos anos não me acontecia: estou com o cabelo enorme e a precisar verdadeiramente de ser cortado. A questão é: quanto é que corto? 

Tenho-o deixado crescer por objetivos vários: primeiro porque queria fazer tranças no verão (não fiz), segundo porque queria te-lo longo para poder fazer uns penteados em algumas festas que sabia que ia ter agora no final do ano (também não fiz) e, finalmente, porque tenho gostado da sensação de o ter longo. É estranho já não ser a única rapariga de cabelo curto na sala, é estranho não ter um corte definido, é estranho já não estar a pensar o próximo, é estranho este "desleixe" que tenho vindo a criticar nos últimos anos mas que me tem sabido bem. Acho que o vou deixar assim até me voltar a apetecer "ser eu" outra vez. No fundo, ter o cabelo cumprido é uma ação tão radical como aquela que eu fiz em 2011. E, às vezes, radical é bom.

 

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12
Out17

Ir ao ginásio é uma autêntica montanha-russa

Eu admiro profundamente quem vai ao ginásio e gosta. Porque ter a força de vontade de ir ao ginásio de forma regular já é algo louvável, mas gostar de lá ir é todo um outro nível. E sim, fala-vos a voz da inveja. Porque embora eu não tenha grande vontade de ir ao ginásio, lá vou aparecendo... mas gostar de lá ir é algo que eu queria mesmo ser capaz. Queria tanto, tanto, tanto sair de lá e dizer "uf, mal posso esperar por cá vir amanhã!". Mas não é isso que acontece.

Não é possível explicar os meus sentimentos em relação a este espaço de uma forma sucinta. Numa só hora eu passo por uma série de estados emocionais, que não fazem de mim uma bipolar mas sim algo parecido com uma tripolar, quadripolar ou, até talvez, pentapolar. Quando entro, apesar de ter pouca vontade, vou esperançosa; quando começa a aula e eu percebo que até consigo fazer os exercícios e estou cheia de energia, sobe em mim todo um entusiasmo exagerado e durante vinte e dois segundos passam pela minha cabeça coisas utópicas como "é este ano que eu vou ficar em forma!" ou "isto está a correr mesmo muito bem"; depois as minhas pernas começam a tremer como varas verdes e eu começo a vacilar, a sentir que não sou capaz, e na escala emocional eu já estou num seis em dez, algo pouco positivo; entretanto chega aquele exercício que já repetimos quatro vezes, que tem vindo a aumentar de dificuldade, e eu já não consigo mesmo mais e sou obrigada a parar - e eu detesto parar, mostrar parte fraca - e a escala emocional começa a subir por ali acima e eu só quero chorar por não conseguir; a cinco minutos do fim, quando o professor diz "só faltam mais duas séries!", todo entusiasmado enquanto eu já escorro suor pelas orelhas e estou mais vermelha que um tomate maduro, só quero atirar-me para o chão como uma criança birrenta e perguntar "porquê que o tempo não passa? como é que eu me meti nisto? porquê que eu voltei a fazer esta aula?!"; só quando saio do ginásio, ainda com as hormonas e as emoções aos saltos, é que penso "ao menos já posso comer mais um bocadinho" e a coisa ameniza. 

Sei que o que me dá força para continuar é, de facto, a ideia de poder comer e não me sentir balofa - e ter um gym buddy, a minha tia, que me dá força para ir a estas aulas do demónio, que eu só faria uma vez na vida se alguém não me convencesse a voltar. Para além de que eu tenho uma característica que detesto - e que até me assusta - bastante: se me olhar ao espelho depois de ir ao ginásio, acho que a imagem que vejo é muito mais simpática do que num dia que não vá ou, pior, em que tenha feito não sei quantas asneiras alimentares ao longo do dia. E eu sei que isto é psicológico, porque as diferenças não são imediatas, e porque eu sou relativamente estável a todos os níveis: peso (mais do que queria), flacidez (claramente demasiada) e forma física (de uma fora geral: lontra).

Mas enfim, fico sinceramente orgulhosa de mim por, apesar desta autêntica montanha russa de sentimentos, continuar a ir. Acho que ainda não tinha dado a boa nova sobre o meu retorno (ou, pelo menos, tentativa) à vida saudável - que, para além do ginásio, inclui até marmitas ao lanche, a minha maçã cozida, proteínas sem hidratos ao jantar e essas coisas todas -, e estou a empenhar-me seriamente para fazer disto a rotina e não a excepção. Lembro-me perfeitamente de que o ano em que me senti melhor, a todos os níveis (tanto físico como psicológico), foi quando fazia exercício e tinha mão na minha alimentação, por isso estou a fazer um esforço para voltar - tendo em conta que a minha tentativa o ano passado, no ginásio perto do trabalho, foi um flop mais do que gigante (ao ponto de eu até ter vergonha de o mencionar ou sequer de o lembrar...).

Entretanto, ter o bullet journal também tem sido um incentivo: uma das minhas métricas é a contabilidade das idas ao ginásio, por isso é giro (e bom) monitorizar quando lá vou. É fácil perceber quando me baldei (e recriminar-me por isso) ou então ver semanas onde me empenhei (e ficar feliz). Acho que para quem é como eu, é uma boa dica para não faltarem. E pronto, vamos ver até quando dura a boa vontade e a vida de lontra não vem ao de cima. Se isto sobreviver ao Natal, sou uma mulher feliz.

10
Out17

Há um equilíbrio possível entre o turismo e as gentes da cidade?

O meu facebook está inundado com uma notícia sobre um alfarrabista portuense que foi despejado do local onde estava há quase duas décadas, na Rua das Flores, aqui no Porto. A razão? O prédio foi vendido e querem pô-lo fora para fazer render o peixe. Para quem não conhece, a Rua das Flores é atualmente uma das mais movimentadas da cidade, cheia de lojas, restaurantes, bares e tasquinhas - a maioria vocacionadas para turistas, como é óbvio. É uma rua pedonal que, como quase todas as ruas, estava deserta há pouco mais de cinco anos. Hoje em dia desenvolveu-se de tal forma que, por vezes, não se consegue andar normalmente sem atropelarmos meio mundo e a calcarmos outro meio.

Há duas posições que quero deixar aqui claras: a primeira é a minha "admiração" perante um feed de facebook tão culto e intelectual. Eu não conheço o alfarrabista em questão, mas aparentemente toda a gente o conhece - ou, pelo menos, finge que conhece (esse e muitos outros...)! A verdade é que eu, que adoro livros, raramente entro em lojas deste género - não sei bem explicar porquê, mas sinto que há um maior sentimento de pertença por parte dos donos e por isso sinto-me um pouco "vigiada", não sei explicar. Por outro lado também sinto que está tudo mais apertado, é mais difícil encontrar o que quer que seja, por isso desisto com facilidade de encontrar algo que me agrade. Ou seja, surpreende-me que eu, que gosto de ler, não conheça estes sítios mas metade do facebook sim. Mas ainda bem, é sinal de que somos todos muito cultos e que queremos que a cidade continue super intelectual (cof cof cof).

A segunda questão que quero deixar evidente é que, como é óbvio, não apoio este tipo de atos. Tenho muita, muita pena que o comércio local esteja a desaparecer e a dar a vez a lojas de souvernirs, Nut's e coisas do género - porque eram essas lojas que também faziam do Porto, o Porto e o seu desaparecimento é também o esquecimento de uma identidade muito própria e muito nossa, com a qual me identifico quando digo que sou "uma mulher do norte". Mas a hipocrisia que se vive nas redes sociais é coisa para me irritar. Porque a verdade é esta: se o alfarrabista em questão fosse um sucesso, se vendesse imensos livros, não tinha de sair, porque provavelmente conseguiria pagar a renda pedida pelos novos donos - ainda que seja provavelmente absurda, dado os preços impossíveis que se praticam hoje em dia na cidade.

Mas não vende. Porque nós queremos as lojas lá, porque são bonitas, porque fazem parte da nossa identidade, mas não as apoiamos, não compramos lá coisas - e eu contra mim falo, como se leu acima. Porque nós somos práticos e preferimos mandar vir os livros da net, onde muitas vezes podemos ler o primeiro capítulo do livro que nos interessa sem estarmos a ocupar o corredor de uma loja e ter a obra em mãos em dois dias úteis sem termos levantado o rabo da cadeira. Porque nós adoramos as lojas de ferragens ali na zona de Ceuta, mas quando precisamos de uns parafusos vamos ao Leroy Merlin, onde até aproveitamos para comprar o tapete da casa de banho que fazia falta. Porque nós achamos imensa graça aos joelheiros na baixa do Porto, mas quando precisamos de um anel para oferecer às nossas mães vamos ao NorteShopping porque há mais variedade. Porque nós gostamos imenso daquele tasco na Rua dos Caldeireiros, mas arranjar estacionamento lá é uma loucura e por isso preferimos ir ao Madureira's que oferece o bilhete do parque lá ao lado. Porque nós simpatizamos com a senhora da frutaria ali ao pé do trabalho, mas esta semana o Continente está com 15% na secção de fruta fresca por isso temos de ir aproveitar. Porque aquelas lojas de artigos em segunda mão na Rua do Almada também têm boas pechinchas... mas para quê comprar um armário que ainda vamos ter de lixar, limpar, pintar e envernizar quando podemos comprar um no IKEA pelo mesmo preço? 

É muito fácil criticar o estado, o governo e as políticas quando somos incapazes de olhar para o nosso próprio umbigo. As coisas não acontecem por acaso e a evolução que estamos a assistir não aconteceu só graças aos estrangeiros, mas também por nossa causa. As gerações mudaram, as necessidades e os hábitos são outros. Nas redes sociais e nos blogs pede-se mudança, uma política que proteja os habitantes das cidades - e, meus amigos, eu compreendo e concordo! Principalmente quando demoro meia hora a percorrer um quilómetro de carro na baixa, só porque a afluência de turistas a passar nas passadeiras é de tal forma que não dá folga para os veículos circularem. Mas não se pode ter tudo. E eu acho que, neste caso em particular, não há um equilíbrio - havemos de ter passado por ele no meio de todo este processo, mas há muito que a balança se desequilibrou. Porque isto é um ciclo vicioso difícil de quebrar: o turismo gera emprego, algo que nós precisamos de como pão para a boca; o crescimento do emprego faz dinamizar a economia, que por si só atrai investimento e por aí fora. E o dinheiro, como quase sempre, está primeiro que as pessoas. É "apenas" o mal estar de alguns, enquanto muitos outros esfregam a barriga de contentes. E enquanto forem mais os que estão contentes do que aqueles que são despejados, que são obrigados a ir viver nos suburbios ou os que não conseguem dinheiro para uma renda, as coisas vão continuar assim. 

Eu amo a minha cidade e adoro vê-la dinamizada - já disse aqui várias vezes que me lembro de ver o Porto morto, deserto e de ficar triste ao ver aquele cenário. Mas sabem: mesmo aí, as coisas estavam prestes a fechar. Porque nessa altura, nem nós comprávamos no comércio de rua, nem os turistas - porque eles simplesmente não existiam. E por isso é ainda mais difícil comparar esses tempos com os atuais, decidir o que é melhor para nós enquanto habitantes.

O ideal era ter o melhor de dois mundos: sermos o melhor destino Europeu, mas impedir grandes franchisings de vir para cá ganhar dinheiro; aumentarmos a qualidade de vida, mas não sermos confrontados com rendas e preços impraticáveis dentro da nossa própria cidade; mantermos vivo o tradicional, mas preferindo usufruir das novas tecnologias e do conforto. Mas, para já, os milagres ainda não existem. E uma coisa é certa: todo este problema não se vai resolver enquanto olharmos para ele com olhos hipócritas, como todos nós não estivessemos também a usufruir ou a contribuir - um bocadinho que seja! - para este fenómeno.

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