Siracusa e os vestígios do Império Grego [Sicília]
Tive uma pena enorme de só ter ficado um dia na Sicília. Acho que trocava facilmente os dois dias que tive em Malta ou em Dubrovnik por esta ilha italiana onde quero, definitivamente, voltar. Há uma coisa muito importante nos cruzeiros e que é preciso ter em conta: é preciso tomar decisões, prescindir de ver algumas coisas para poder visitar outras. Não há tempo para tudo. Em sítios pequenos e com pontos de interesse próximos, é mais fácil de resolver: mas eu sinto que podia correr a Sicília de uma ponta à outra sem me cansar e, por isso, tivemos mesmo de decidir onde queríamos ir, o sítio que achávamos que valia mais a pena. (O mesmo aconteceu em Nápoles - conto noutro texto).
Aqui tínhamos uma ajuda: os meus pais conhecem bem a Sicília e sabiam bem aquilo que me queriam mostrar primeiro. Nós aportamos em Catânia, mas decidimos ir numa tour até Siracusa. Ao todo, tínhamos umas oito horas na ilha e elas tinham de ser bem usadas - e se era para ir para longe, mais valia ir numa tour, porque assim tínhamos garantias de que o barco não partia sem nós. Não havia hipóteses de ir, por exemplo, até Palermo, a capital - só para terem uma noção, apesar de ser uma ilha e fazer parte de Itália, a Sicília é cerca de 80 vezes maior que Malta! Se era para sair de Catânia (que, relativamente a outras cidades, é mais pobre em monumentos) havia duas hipóteses: ou ir para norte, para Taormina, ou ir para sul, para Siracusa. Nós escolhemos a segunda opção, a terra de Arquimedes - um sítio que os meus pais tinham adorado, maioritariamente pelas ruínas gregas, que ficava a cerca de uma hora de carro do sítio onde estava o barco.
O meu pai sempre me disse que se eu queria ver resquícios da civilização grega não era à Grécia que tinha de ir, mas à Sicília. E, embora não saiba o estado de conservação das coisas na Grécia, há de facto muito resquícios deste império para ver nesta ilha - os mais populares estão em Siracusa e em Taorimina. Como já tem vindo a ser recorrente nestes meus textos (e na história), muitas das ruínas foram devastadas por terramotos - em particular no século XVII, segundo o nosso guia. Ainda assim, estão em óptimo estado de conservação por isso, para quem gosta de história, aconselho vivamente a visita!
A chegada a Catânia correu logo bem. Quando fui tomar o pequeno almoço olhei pela janela e algo que me pareceu familiar. Olhei melhor e percebi que o que via, uma escultura na parede, só podia ter uma assinatura: Vhils. Uma das paredes do porto, gigante, tinha o olhar de um velho, num tipo de arte que não tem outro autor senão o nosso português. Fiquei logo super contente por ter algo nosso num sítio que eu já sentia que ia gostar muito.
A obra é feita em oito silos de cereais e é a maior que Vhils já fez.
Tudo nesta viagem correu bem. O nosso grupo era pequeno, o que facilitou imenso a dinâmica e os passeios - devíamos ser uns 16 - e o guia era absolutamente espetacular. Culto, cheio de graça e tipicamente italiano - tudo o que um guia pode ter de bom! Durante a viagem viemos sempre à conversa com um rapaz porto-riquenho, com cerca de trinta anos, que viveu uns meses em Portugal e que era apaixonado pelo nosso país, história e cultura - e sabia mais sobre o nosso passado do que a grande maioria das pessoas da sua idade. Fiquei impressionada!
A nossa primeira paragem em Siracusa foi no Parque Arqueológico de Neapólis, onde se pode ver o teatro grego e o anfiteatro romano, assim como a Orelha de Dionísio e outras grutas muito interessantes. As fotos abaixo dizem respeito ao teatro grego - aqui só se encenavam peças e não havia microfones para ninguém: tudo estava estudado para a acústica ser perfeita. Não se percebe muito bem, mas estavam a decorrer trabalhos no centro do teatro, porque todos os anos se faz lá uma peça, aproveitando as estruturas originais. A forma, as portas, as bancadas e os subterrâneos do teatro são perfeitamente percetíveis - aguentaram não só a passagem do tempo mas também as explorações e a retirada de materiais (enormes pedras) no século XVI, que serviram para fortificar a cidade.
No teatro grego, do século V a.C.
No teatro grego
Nas fotos abaixo pode ver-se o anfiteatro romano onde, aqui sim, ocorriam lutas entre homens e animais. Este está em muito pior estado de conservação - as ervas tomaram conta do sítio - mas mesmo assim, de um dos lados, as bancadas são percetíveis e os subterrâneos (de onde os animais saíam e onde eram mantidos durante dias sem comida, para terem fome quando fossem lutar) também.
No anfiteatro romano, que data de II d.C e é o maior na Sicília
Anfiteatro romano
Outra das coisas incríveis neste parque é a Orelha de Dionísio - uma gruta artificial, com 23 metros de altura, feita provavelmente à custa de muito trabalho escravo e que serviria originalmente para armazenar água. Foi-lhe dado este nome pela sua forma e porque tem uma acústica incrível - falando normalmente dentro da gruta, parece que estamos a cantar uma ópera, devido ao eco que se reproduz de forma altíssima. Diz-se que Dionísio punha lá os seus prisioneiros, saía da gruta e ficava cá fora a ouvir aquilo que eles diziam/gritavam - algo que, por razões físicas que não sei explicar, já não acontece hoje, mas o efeito sonoro dentro da gruta e o seu enorme impacto visual já valem a visita.
Orelha de Dionísio
No interior da Orelha de Dionísio
Nos caminhos do parque arqueológico
Depois partimos para Ortigia, no centro de Siracusa - mais precisamente à Praça Duomo, onde tivemos algum tempo livre, que voou sem darmos conta. Deu para comermos um gelado (o calor era, uma vez mais, abrasador), entramos numa igreja mais pequena, a Chiesa di Santa Lucia alla badia, que tem uma das pinturas mais famosas de Caravaggio, o Il seppellimento di Santa Lucia, e demos uma voltinha pelas vielas, cheia de lojas giras, com detalhes e souvenirs que arrebataram o meu coração. Por falta de tempo não entramos na Catedral, muito bonita por fora, também dedicada a Santa Luzia.
Praça Duomo
Chiesa di Santa Lucia alla badia
Fachada da Catedral
Detalhes
Nas ruelas de Ortigia
O nosso guia
Catedral
Também havia coches por lá
Mais vielas
Esta foi a única visita que fizemos que incluía almoço - aprendemos o ano passado que, se pudéssemos evitar fazer refeições nas excursões, o faríamos. Ainda hoje não sei, por exemplo, aquilo que comi na Finlândia - mas sei que não voltava a repetir, uma vez que nem a comida nem o sítio eram grande coisa. Fui um bocadinho receosa para este almoço mas, como tudo nesta visita, foi tudo bom: ficamos numa mesa só os três, com vista para o mar, num restaurante muito simpático chamado La Terrazza Sul Mare, que fica no topo do Grand Hotel Ortigia, bem no centro de Siracusa. Comemos uma massa com tomate e camarão e um filete de robalo, ambos bem feitos e apaladados, o que deu para desenjoar das comidas do barco.
As águas cristalinas da Sicília
O Vulcão Etna, sempre a fumegar
A Sicília é, sem dúvida nenhuma, um dos sítios onde quero muito voltar, alugar um carro e correr de uma ponta à outra. Pareceu-me ter tudo aquilo que gosto: águas lindas, história e um aspeto pitoresco, com aquelas típicas ruelas italianas que tanto vemos nos filmes. Correspondeu a todas as minhas expectativas, a tudo aquilo que tinha ouvido: até o facto dos sicilianos serem uns loucos a conduzir (o nosso guia atirava-se para o meio da estrada para os obrigar a parar e nós podermos atravessar em segurança, era de rir!). Descobri ainda que a Sicília tem um dialeto próprio que contém muitas palavras iguais ao português - mais uma razão para lá irmos. Acho que ninguém se vai arrepender!